Os meus pais separaram-se quando eu tinha quatro anos. Na altura, era muito pequena para entender o que se estava a passar, por isso, acho que até aceitei bem essa situação. A minha mãe tem uma profissão que a faz viajar muito e, naquela altura, eu fiquei a viver com o meu pai. Viver com o meu pai era como estar a viver num castelo encantado. Eu era a princesa dele, fazíamos tudo juntos: cozinhávamos, passeávamos, víamos televisão e muitas vezes dormíamos juntos. O meu pai era o meu herói! Durante anos, fomos só nós os dois e eu era muito feliz assim. 

Quando tinha nove anos de idade, fomos ao jardim zoológico e o meu pai perguntou-me se podia levar uma amiga. Eu estranhei, pois o meu pai nunca me tinha falado em tal amiga, mas para ele não ficar triste, acenei dizendo que sim. Ela foi ter connosco à porta do jardim zoológico, era alta, magrinha, muito gira e tinha um sorriso enorme – parecia que ia matar saudades de alguém, facto este que não me agradou. Passámos o dia todo juntos e houve coisas que eu não “curti” nada: trocas de olhares; sorrisos; gargalhadas; vi-os a darem as mãos, coisa que eu não permiti e fui logo a correr para tentar separá-los. O dia terminou e finalmente chegámos a casa. Eu tentei entreter o meu pai com mil e uma coisas, para não ter de ouvir a única pergunta que eu tinha estado o tempo todo a evitar: “Então o que achaste da minha amiga?” Naquele momento pensei em muitas coisas horríveis para lhe responder, mas acabei por responder apenas: “É simpática, mas prefiro quando estamos só nós os dois.”

O tempo foi passando e, para minha infelicidade, o meu pai começou a levá-la para alguns passeios que fazíamos juntos. Até que um dia, convidou-a para jantar lá em casa. Ele fez a minha comida favorita (até aí tudo bem), vestiu-se como um príncipe e o jantar até correu bem, mas depois o meu pai disse para eu me sentar no sofá porque eles tinham uma coisa para me contar (como se eu não soubesse que eles eram namorados): “Eu e a… gostamos muito um do outro e estamos a pensar viver todos juntos.” O QUÊ ?! Eu pensava que me iam contar que eram apenas namorados, não que aquela “senhora” ia viver connosco.  Naquele momento, eu respondi que não queria, fui a correr trancar-me no quarto e chorei até adormecer. No dia seguinte, o meu pai foi falar comigo e prometeu-me que nada na nossa relação ia mudar.  No fim-de-semana a seguir, ela foi lá para casa e eu não reagi muito bem. O meu pai disse que nada entre nós ia mudar, mas para mim tudo estava a mudar, tudo era bem diferente.

Ao contrário das minhas amigas que tinham pais separados, eu não sentia que ela ia ocupar o lugar da minha mãe e muito menos que o meu pai estaria a trair a minha mãe, até porque eu já tinha superado a situação de separação dos meus pais e a minha mãe também já tinha um namorado. O que eu senti foi que tinha perdido toda a atenção do meu pai, ou melhor, que tinha de dividir a atenção com ela. Pior, senti ainda que o meu pai já não gostava de mim como antes e isso irritou-me muito!

Durante os primeiros meses, eu fazia-me de amiga dela à frente do meu pai porque não queria que ele ficasse chateado comigo, mas quando ficávamos as duas sozinhas, eu gritava, portava-me mal e cheguei a dizer coisas que hoje, com os meus 16 anos, considero muito más: “não és minha mãe”; “não sabes nada disso porque não vivias connosco”; “tu não mandas aqui”. Eu aproveitava-me porque sabia que ela tinha medo que eu fosse dizer ao meu pai mal dela.

Apesar de tudo o que eu fiz, ela manteve-se forte e não desistiu de mim, não cedeu a nenhuma das minhas chantagens, o que me espantou porque as minhas colegas faziam o mesmo com as “madrastas” e tinham tudo o que queriam. Ela era diferente. Dizia não quando tinha de dizer, enfrentava-me, e havia momentos em que era querida comigo. Confesso que, se não fosse namorada do meu pai, até ia gostar muito dela. E esse dia eventualmente acabou por chegar. Um dia, eu vi que o meu pai estava muito triste e os dois sentaram-se comigo no sofá e disseram que iam estabelecer regras. Que os dois mandavam lá em casa e que, tanto ele como ela tinham de ser respeitados, caso contrário, haveria consequências. Disseram também, que eu tinha de participar nas tarefas de casa, tinha de dormir no meu quarto, entre outras coisas.

A conversa não me agradou e, nos primeiros dias, todas as regras foram quebradas. Como consequência, fiquei sem os passeios ao fim-de-semana, as tarefas duplicaram lá em casa e o tempo bom com o meu pai (o pouco que sobrava só para mim), fiquei sem ele. Foi aí que percebi que mais valia estar feliz com os dois, do que ficar sozinha e triste.  

Hoje em dia, somos uma família feliz e agradeço à namorada do meu pai por tudo aquilo que me ensinou e continua a ensinar, por todo o carinho que me deu, apesar de eu não ser sua filha de sangue.

 

Um conselho a todas as “madrastas” ou “padrastos”:

E já agora, no meio desta história toda, “ela” chama-se Mariana e hoje trato-a por “Madrinha”!