«Os ventos favoráveis só protegem as embarcações com rumo.» Eduardo Sá

Excerto do seu livro: ‘Tudo o que o Amor não é’.

 

A traição tem uma ou várias definições dentro de cada relação amorosa. Porém, raramente este assunto é discutido entre os dois membros do casal. É debatido, inevitavelmente, quando o indesejado (e em muitos casos inesperado) acontece. O que é para si a traição ou quais são as situações em que considera estar a ser traído(a)?

Em terapia de casal entram muitos casais que se questionam sobre a capacidade individual e conjunta de superarem este acontecimento na vida a dois. Todavia, como deixo visível na primeira frase deste texto, cada traição tem uma forma e um significado diferentes para cada casal e para cada pessoa. De facto, por mais semelhantes que elas possam parecer, são bem distintas, pelas características únicas de cada uma das relações interpessoais amorosas e pela forma como se perceciona a traição e «aquela traição». Os casais entram no gabinete com um semblante pesado, sentam-se, olham nos olhos do terapeuta e iniciam um processo difícil. Há dúvidas, raiva, tristeza, desilusão, angústia, arrependimento, culpa, aversão, lágrimas a escorrer pela face e uma panóplia de sentimentos, emoções e pensamentos agitadores do corpo, da mente e da sua relação. Agarrados à consensualidade de sentimentos que os uniu, tentam encontrar razões, respostas (muitas vezes detalhadas), negar, rejeitar, levantar o «porquê?»… Há uma grande desorientação, um desgaste, um quebrar profundo de expectativas, um peso grande que é difícil de ser carregado. Contudo, é de extrema importância o passo que o casal dá: a procura de ajuda através da terapia de casal, a coragem que apresentam ao exporem a situação num momento e num estado de grande vulnerabilidade individual e relacional e, ainda, a esperança que sentem, mesmo que esteja bem lá no fundo, de erguerem a sua relação da «tempestade». Nalguns casos, o casal entra no processo já em fase de rutura, sem o «nós» assumido, perguntando ao terapeuta qual deve ser o caminho a seguir e se é possível fazê-lo ainda em conjunto. Obviamente, não é o terapeuta que sabe o caminho, mas pode e deve ajudar a díade a descobrir, por si, o melhor para cada um e para a relação, apurando a capacidade e disponibilidade de ambos para perdoarem a traição e recriarem o seu relacionamento amoroso. Nalguns casos a pessoa que almeja o perdão, em prol da relação, verbaliza: «Se estivesse no teu lugar, acho que não seria capaz de perdoar!». E você, caro(a) leitor(a), seria capaz de perdoar uma traição?

Sem surpresa, posso afirmar que esta temática é bastante complexa e, por tal facto, devemos ser sérios quando falamos da mesma, se possível evitando julgamentos, em prol do bem-estar das pessoas e dos casais. Para que tal seja possível, reitero, devemos promover a ausência do julgamento fácil, dos palpites «ocos» e das acusações iradas. Sabe porquê? É simples! Ao contrário do que possa imaginar, há casais que sobrevivem a uma traição e, para além disso, fazem renascer a própria relação, tornando-a «melhor do que nunca». Já escutou a expressão, repetida em vários contextos, «as crises são excelentes oportunidades de mudança»? É mesmo verdade! Nalguns casos essa mudança é colocar um ponto final na história que vem sendo criada, noutros casos é reiniciá-la, com novas cores, regras e ingredientes saudáveis. Assim, as crises são também oportunidades de ajustamento relacional, se estivermos a falar de relacionamentos interpessoais e assumindo que ambos têm essa vontade. Se, por um lado, mesmo com esta oportunidade e esforço de ambos, com a redefinição de objetivos e de práticas para a relação, há casais que não resistem, por outro lado, há díades que se fortalecem. Que fique claro que a traição não é uma receita para uma maior satisfação conjugal e para maiores níveis de intimidade, mas, se este cenário surgir, a capacidade de escuta, de negociação e superação, a abertura à mudança e à aprendizagem no seio de uma relação de amor e a assunção de compromissos, pode transformar positivamente uma relação. É a reflexão e a recriação dentro da relação (traída) que pode potenciar a melhoria do relacionamento e não a traição por si mesma. Como é óbvio, a traição é um sismo de magnitude elevada para uma relação amorosa, abalando estruturas basilares da mesma (p.e., a confiança), tendo como efeito a rutura ou, com grande esforço e mudança de atitudes e comportamentos (de ambos), o (re)erguer relacional.

 

Será que pode evitar um acontecimento desta natureza? Pelo menos poderá tentar melhor nutrir a sua relação. Como? Deixo-lhe nove dicas para essa intenção passar à prática. Reflita sobre elas e, pelo menos, pondere a sua utilização dentro da sua relação ao longo do tempo: