«Todos nós . . . tendemos a ser contadores de histórias compulsivos e encontramos poucos ou nenhum tópico mais interessante que nós mesmos para as nossas histórias.»

Zygmunt Bauman

Excerto do seu livro: ‘A Sociedade Individualizada’.

Na sociedade dos tempos modernos encontramos frequentemente nas pessoas a necessidade de falarem excessivamente ou infinitamente sobre si próprias (obviamente, umas mais do que outras), anulando a possibilidade de outros sujeitos também poderem assumir o protagonismo. Umas vezes, fruto de um estilo que assenta na premissa que «o meu mundo é maior, melhor e mais importante do que o teu», enquadrada numa filosofia de vida de uma sociedade individualizada. Outras vezes, um comportamento que advém do frenético ritmo de vida, tendo como efeito uma contínua falta de tempo (para escutar). Sendo pouca a disponibilidade, a preferência será sempre o «eu». Não há tempo para o «tu». Quando uma pessoa inicia uma conversa, muitas vezes cai numa série de tentativas e não consegue completar o seu desabafo ou mensagem porque há o «atropelamento egocêntrico» da outra pessoa. Desejavelmente, pensando nas regras básicas de comunicação interpessoal, o outro que «atropela», nesse exato momento, deveria desempenhar a função de «recetor» (sendo o outro elemento o «emissor»), ou seja, quando alguém passa uma mensagem e quer receber feedback espera que da outra parte haja a capacidade ou a vontade de escutar e daí advir uma produção de discurso dentro da narrativa criada. Para muitas pessoas, infelizmente, todos os dias na lista de prioridades está o mundo próprio e só depois, se houver tempo, haverá alguma dedicação ao mundo alheio (quando este último é sequer considerado). A vida dos outros começa a ficar tão distante e aumenta consideravelmente a incapacidade de cada uma das pessoas conseguir colocar-se no lugar dos outros, pois só sabe colocar-se no seu lugar. Por sua vez, aumenta também a indiferença, as visões absolutistas, a incapacidade de entreajuda, o desrespeito pela diversidade e pelos direitos humanos, pois não há a consideração do outro. Estamos a enfrentar uma sociedade que está a pôr em perigo os valores comunitários. Está a destruir os referenciais basilares da construção de uma sociedade equilibrada. Logo, se o desequilíbrio se assume com muita força e se encaminha para uma visão individualista cega, significa que a previsibilidade do comportamento dos indivíduos e dos grupos começa a ficar seriamente comprometida, dificultando o trabalho construtivo e eficiente (como se verifica em muitos exemplos dos dias de hoje. Urge encontrarmos medidas (não só políticas) que possam mudar esta tendência. Entre muitas de cariz remediativo, parece-me evidente que o grande trabalho deve partir de ações preventivas e o mais precocemente possível. É uma oportunidade para reconstruirmos o mundo, tornando-o mais equilibrado e equilibrador. Se pensarmos que é utópico, garanto-vos que o cenário piorará. Revisitemos o espírito jovem que acredita na mudança do mundo e comecemos desde já a criar novos discursos e alternativas práticas. Mesmo que possamos esbarrar em muros, em pessoas preconceituosas e disseminadoras de práticas discriminatórias, temos de ser persistentes, trabalhadores, inspiradores e exemplares.

Felizmente, tenho tido a oportunidade de conhecer individualidades e grupos (de várias faixas etárias) que são exemplares nas mensagens que passam e nas práticas que implementam para que o mundo se transforme num local onde todos queremos estar de bem uns com os outros. Há imensas pessoas que têm um sentimento de pertença pelas vidas de todo o mundo e que batalham no terreno com grande esforço para contrariar os paradigmas individualistas e grosseiros instalados. Para estes, espero que esta minha mensagem os motive para continuarem o trabalho, mas também quero fazer chegar este discurso a todos aqueles que, sabendo ou não, estão presos numa armadilha que lhes foi montada (por exemplo, por forças políticas e meios de comunicação social) e que, talvez sem saberem, estão a atacar-se a si próprios, desconhecendo o mundo valiosíssimo que existe nas relações e nas redes comunitárias de autenticidade e respeito pelos valores humanitários. Quando se aperceberem que há uma série de recursos à disposição nesta confluência de visões e de vivências, nesta interdependência maravilhosa, começarão a construir um conceito de felicidade (e solidariedade) mais passível de ser vivido. Muitas respostas às nossas perguntas – que muitas vezes se transformam, na nossa cabeça, em problemas irresolúveis (resultando em comportamentos extremados pela dificuldade em lidar com a frustração das não respostas ou das respostas ineficazes) – estão dentro das outras pessoas. Como conseguiremos aceder às respostas que procuramos, que darão mais sentido à nossa vida, se não abrirmos o nosso mundo aos outros? Se não deixarmos entrar parte do mundo dos outros, bem dentro de nós, como conseguiremos evoluir de forma positiva? Não compliquemos a tarefa de dar sentido à vida, à nossa existência! É trabalhosa e, simultaneamente, compensatória. É hoje que vai largar tudo e dedicar uma boa parte do seu tempo a mais alguém? Faça-o e repita muitas e muitas vezes. Ganhará mais energia para a sua vida e uma força interior que o move em direção aos outros para abraçá-los e lutar por eles (e com eles) rumo à defesa dos direitos humanos. Uma sociedade com melhores pessoas, com melhores cidadãos, é a garantia de um mundo com elevada inteligência. Sejamos corajosos e determinados na defesa dos valores essenciais! Há gestos tão simples que podem fazer a diferença! Escute mais… também com o coração. A mudança começa aqui e agora. Conto consigo?