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Significados construídos em torno da experiência Profissional/Trabalho

2002
carlosg@psi.up.pt
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

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Significados construídos em torno da experiência Profissional/Trabalho A partir da revolução industrial

A partir da revolução industrial, século XVIII, o trabalho foi alvo de análise por parte dos vários domínios do saber, nomeadamente pelas Ciências Humanas e Sociais, desde a Economia, às Ciências Políticas, Sociologia, Psicologia, Antropologia, Filosofia e mesmo a Teologia. Se é verdade que a literatura tem sido vastíssima sobre as análises sociais, políticas e jurídicas do trabalho, não têm sido tão frequentes as reflexões sobre o valor, sentido e significados que as pessoas lhe atribuem. No entanto, a problemática do trabalho só poderá ser rigorosamente analisada a partir de uma concepção global do mundo e do homem. Por isso, mais recentemente, as ciências mais centradas na dimensão subjectiva do humano –– a Psicologia, a Filosofia e a Teologia –– têm abordado esta temática a partir de um ponto de vista mais existencial e humano, centrado nos sentidos e significados do trabalho com uma preocupação de o humanizar, procurando ser um contraponto às leituras mais instrumentais, utilitaristas, materialistas movidas por lógicas marcadamente economicistas ao serviço da legitimação dos grandes grupos económicos e dos grandes impérios que controlam o mundo, com a pretensão de serem os fiscalizadores da ordem universal e os garantes da justiça através de mecanismos de segurança.

 

1.Transformações históricas do significado atribuído ao trabalho

Como em muitas outras situações, o recurso à etimologia pode ser um processo que nos pode ajudar a perceber o sentido do trabalho. De facto a palavra ”trabalho” deriva da palavra latina tripalus (três paus) que no latim popular designava um dispositivo ainda hoje chamado “tronco”, usado para ferrar animais de grande porte tal como os bois e os cavalos. Daí o verbo tripaliare, que significa, torturar (Freitas,1998). Por isso, o significado de algo penoso e difícil ter andado sempre associado ao trabalho, que era, até à Idade Média, uma actividade desempenhada pelos escravos ou pessoas de baixa condição social.

Esta concepção do trabalho, como um esforço árduo e penoso, está associado aos mitos de origem, com um forte sentido existencial e antropológico da condição humana, expresso, de forma clara, na cultura judaico-cristã de que a sociedade ocidental é subsidiária, no mito/metáfora fundacional dos humanos primordiais, relatada no primeiro livro da Bíblia (Génesis, 3, 16-19). Vale transcrever para reler e construir significados do mito de origem :

Deus disse à mulher: “multiplicarei os sofrimentos do teu parto; darás à luz com dores, teus desejos te impelirão para o teu marido e tu estarás sob o teu domínio”.
E disse em seguida ao homem: “Porque ouviste a voz da tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu te tinha proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e em pó te hás-de tornar”
(Génesis, 3, 16-19).

Fazendo uma breve hermenêutica contextualizada ao mito fundante da experiência dos humanos primordiais, convém ter em conta, em primeiro lugar, que não é um relato histórico, mas um mito, que pretende, como todos os mitos, atribuir significado subjectivo à experiência humana que resiste a todas as tentativas de objectivação/coisificação por parte dos humanos; por isso, penso ser perverso e manipulador lê-lo como um relato histórico. Segundo, não é legítimo construir significados selvagens do relato bíblico (feministas, machistas, divisão do trabalho em função do género...) descontextualizando o mito do seu ambiente histórico, cultural e antropológico. Saliente-se que é um texto do ano 500 antes de Cristo, de uma cultura oriental e patriarcal, onde o homem tem uma ascendência sobre a mulher, ainda com actualidade nas culturas islâmicas, donde o mito é originário. Penso que para o nosso objecto de análise o que é importante é percebermos que o mito reflecte significados existenciais/antropológicos do homem de fé/religioso procurando atribuir sentidos à sua experiência humana/espiritual que transporta tantas mais marcas de luta, dor, e penosidade quanto mais os humanos vão traçando as suas trajectórias de vida à margem da relação com o Criador. Assim, o trabalho penoso da luta pela sobrevivência da viabilização do projecto humano passa pela transformação da terra amaldiçoada –– consequência da transgressão primordial ––, numa nova terra, num diálogo amoroso com o Criador , através de uma actividade árdua e dura que progressivamente se vai aproximando da terra/paraíso.

Durante a idade média (alta e baixa), imbuída de uma cosmovisão teocêntrica, e provavelmente fazendo uma leitura historicista do mito fundante referido, o trabalho foi percebido, sobretudo, como uma actividade corporal depreciativa, enquanto opera servilia (trabalho servil), por isso exclusivamente realizado por escravos (os servos da Gleba) e classes sociais inferiores. As classes altas, os monges e o clero, dedicavam-se às opera liberalia (ciência, arte, gramática, serviço religioso e socio-caritativo público), enquanto que a nobreza se dedicava-se à guerra e à fruição do lazer (caça, jogos e festas na corte...), não sendo consideradas estas actividades mais nobres como trabalho. A este propósito, e mais uma vez recorrendo à etimologia, o vocábulo “escola” (school, école, schule, schola...) tem origem na palavra grega schole, que quer dizer, de facto, “lazer”. Na cultura grega, com o seu dualista ontológico corpo/espírito, corporizado mais tarde na cultura ocidental pelo cartesianismo, o trabalho corporal era considerado fundamentalmente como uma actividade indigna dos homens livres, obstaculizando a fruição do ócio, da contemplação, da arte, e das actividades de reflexão filosófica dos sábios na Agora (Wissen,1998).

Na modernidade, com a emergência dos ideais humanistas do renascimento há uma transformação na atitude face ao trabalho. Max Weber no seu célebre livro sobre a “ética protestante e o espírito do capitalismo” (1990), analisa a relação histórica do trabalho com a Igreja Protestante, concretamente com o calvinismo. Segundo a ética calvinista, os humanos devem servir a Deus mediante um “trabalho zeloso”, e face ao sucesso económico do trabalho, torna-se evidente a escolha dos eleitos por parte de Deus. Surge assim uma nova atitude menos negativa da concepção do trabalho –– trabalho enquanto colaboração com Deus ––, mas, nem por isso, menos determinista e segregacionista, porque legitima, perversa e perigosamente, as diferenças sociais a partir de uma eleição divina, descriminando os humanos: os eleitos abastados e os não eleitos desfavorecidos. Assim sendo, o trabalho é um meio para os humanos colaborarem com Deus na obra da Criação, não se circunscrevendo, como na Idade Média, ao trabalho físico/corporal, mas também as actividades científicas, criativas e de ensino devem ser consideradas como tais, alargando-se, a partir de então, o conceito de trabalho.

A partir do século XVIII, por influência das grandes transformações económicas e sociais produzidas com a revolução industrial, o trabalho adquiriu o sentido moderno de esforço árduo e penoso em ordem a conseguir um nível de qualidade de vida mais digna. Assim, regista-se uma viragem decisiva de sentido; de uma condição social de inferioridade, o trabalho afirma-se como um dispositivo eficaz de autonomia e superação de situações sentidas como gravosas à condição e dignidade humana. Durante o séc. XIX e até finais dos anos 60, com o crescente desenvolvimento industrial das sociedades ocidentais e a emergência do operariado, o trabalho, geralmente efectuado por relações salariais dependentes, evolui para uma categoria social central, transformando-se o seu significado antropológico e ético. Assim, regista-se claramente uma viragem: o trabalho, enquanto colaboração com Deus, como no início dos tempos modernos, dá lugar ao trabalho como acto produtivo e autonomização do homem; ou seja, há o desvio de uma visão teocêntrica para uma perspectiva antropocêntrica. O sentido do trabalho como suor do rosto dá lugar à venda da força do trabalho, desvinculando-se dos iniciais princípios éticos e morais que o legitimavam. Como diz Senet (1999): “as qualidades do bom trabalho não parecem ser as qualidades do bom carácter”. É neste registo que deve ser lida e percebida a valorização marxista do trabalho. Para Marx, o trabalho é a única fonte criadora da vida humana; é pelo trabalho que o homem se torna homem; “o trabalho criou o próprio homem e a sociedade” (cit. in Haro,1977).

A partir dos anos 70 e sobretudo os anos 80, pelo desenvolvimento e utilização das novas tecnologias à indústria, foi-se progressivamente reduzindo o número de pessoas e o tempo de trabalho no sector primário e secundário havendo uma maior racionalização dos processos de produção, pela utilização das tecnologias de ponta, registando-se um aumento da mais-valia na produção com menos recursos humanos. Como reflexo deste novo fenómeno, regista-se um rápido crescimento no sector dos serviços, ou seja, há uma crescente terciarização da economia ocidental, com incidências óbvias na transformação do espectro do mundo laboral, alterando-se vertiginosamente a geografia dos empregos: algumas profissões tornam-se obsoletas, implicando a reconversão das mesmas pela formação que passou a ser uma exigência ao longo da vida, e emergem novas profissões relacionadas com as novas exigências civilizacionais, como o design, o marketing a manutenção e controle da qualidade, as relações internacionais, a segurança, os tempos livres, a cultura, o apoio social. Simultaneamente, emergem profissões mais inovadoras no domínio da informática, das telecomunicações, da robótica, dos serviços financeiros. Face a este cenário turbulento, a competência profissional deixou de ser um conceito fixista para ser um bem em permanente aquisição no e para o trabalho, mediante a formação ao longo da vida para evitar os riscos da obsolescência profissional.

Por fim, são óbvias as mudanças profundas da sociedade salarial, proveniente da cultura salarial do proletariado industrial, para um mundo do trabalho mais complexo, mais imprevisível, menos normativo e mais criativo. Do teletrabalho ao trabalho no domicílio, da exploração das formas electrónicas de prestação de serviços (via internet), a novas formas de trabalho de serviços sociais, do desenvolvimento consistente do trabalho a tempo parcial à conciliação entre o part-time e a reforma parcial evitando o “efeito-guilhotina” da passagem à reforma, colocam novos cenários e desafios ao mundo do trabalho com implicações imprevisíveis que levarão incontornavelmente a novos significados atribuídos ao mesmo.

Neste início do século XXI e num mundo global, face ao decréscimo das oportunidades de aceder ao mundo do trabalho e, simultaneamente, ao aumento crescente do desemprego nos Países Ocidentais desenvolvidos, porque os grandes eixos da produção de bens se deslocaram para os Países de Leste e para a Ásia –– onde a mão de obra é mais barata, tornando os produtos mais competitivos ––, há quem prognostique que nestas economias neo-liberais poderão, talvez, garantir um rendimento base aos seus cidadãos, mas não é certo que garantam um posto de trabalho no sentido profissional (Rifkin, 1996). Neste cenário possível, onde escasseiam as oportunidades do trabalho remunerado, surge, paradoxalmente em abundância, um leque de possibilidades de actividades de voluntariado, com elevado valor socio-afectivo e comunitário, como a ajuda a idosos e a incapacitados. Contudo, estas realidades novas vêm colocar uma questão incontornável: se não se pode aceder a uma oportunidade de trabalho profissional, é ou não legítimo aceitar um trabalho social não remunerado? Naturalmente que é possível esta possibilidade e tem sido aproveitada por pessoas que estão no desemprego. No entanto, gera nas pessoas alguma ambiguidade e desconforto em termos de auto-estima e autonomia, porque se continua a atribuir ao trabalho um significado de participação e reconhecimento sociais devendo, por isso, comportar a respectiva remuneração do serviço prestado. A actividade profissional continua a ser entendida como uma das fontes mais importantes fundadoras de sentido para a vida humana. Quem não tem emprego parece estar condenado socialmente a uma vida dependente de outros, e mesmo que tenha um rendimento social base parece estar à margem do jogo social. A ideia do cidadão “produtivo” está tão enraizada nas sociedades que uma pessoa a quem seja recusado o acesso ao emprego corre o risco de perder toda a sua auto-estima e o seu sentido de cidadania. O emprego é bem mais do que uma fonte de rendimento, é frequentemente a medida do valor pessoal. Estar desempregado é sentir-se improdutivo e cada vez mais destituído de valor ( Rifkin, 1996, 265). Como exemplo ilustrativo, veja-se o efeito social do rendimento mínimo garantido em termos das representações sociais, os sujeitos que dele usufruem são considerados vadios, os subsídio-dependentes dos fundos estruturais europeus, os parasitas sociais e esbanjadores dos nossos impostos... Esta temática, que implica inevitavelmente uma transformação dos significados em torno ao trabalho, remete-nos para o próximo ponto desta reflexão, a centralidade que o trabalho ou actividade profissional tem na vida das pessoas.

 

2. Centralidade da Actividade Profissional

Nas últimas duas décadas, nas sociedades ocidentais desenvolvidas, quando surgiu a ilusão do mito do pleno emprego, várias investigações sublinharam uma mudança radical nos significados atribuídos ao trabalho, afirmando que este perdeu o seu valor central no quotidiano das pessoas. Esta convicção parece ser veiculadora de um significado mais intrínseco e subjectivo do trabalho, ultrapassando a visão redutora e instrumental do mesmo, como o emprego garante da sobrevivência e de um estatuto social. D. Meda em “O Trabalho um valor em extinção” (1999), afirma que se esgotou a força de convicção da utopia duma sociedade do trabalho entendida, até há dois séculos atrás, numa mera lógica economicista, redutível ao acto de produção. A vida e a cultura das sociedades dos indivíduos não se esgota na produção; são, sobretudo e fundamentalmente, a relação e a dimensão interpessoal os ingredientes imprescindíveis da viabilização do projecto pessoal e social. O acesso à sociabilidade, à utilidade social e à integração psicossocial faz-se através do trabalho economicamente produtivo mas, sobretudo, através de actividades com lógicas e dinâmicas inter-relacionais e afectivas ao serviço da promoção do homem, onde a racionalidade instrumental é condimentada com as emoções: como as actividades criativas, a reflexão, o lazer, a convivência comunitária.

Mas será verdade que o trabalho perdeu mesmo a sua centralidade? Se analisarmos as transformações profundas registadas no final do século, no que respeita ao tempo diário e semanal dedicado ao trabalho, teremos de constatar que houve uma diminuição do mesmo, apontando-se hoje o modelo do tempo parcial de trabalho como uma possível solução para a crise de mercado do emprego, permitindo aos sujeitos espaços de liberdade para a auto-recriação e para o investimento noutras actividades não remuneradas nas quais as pessoas se possam realizar, como as actividades culturais e de lazer, actividades de serviço comunitário e dedicação às crianças e aos velhinhos. Neste sentido, a actividade profissional parece ter perdido a sua centralidade em termos de exclusividade, para se valorizar outras dimensões com um carácter cultural, psicossociais e comunitárias.

Contudo, há quem discorde de que se tenha operado esta mudança tão radical, registando-se, pelo contrário, nestes tempos de crise em que as oportunidades de emprego escasseiam ou assumem formas de precaridade, uma crescente relevância do trabalho como um bem precioso a prosseguir, disputar e preservar. A transição para a sociedade dos tempos livres, de prestação de serviços e da informação, nunca colocou em causa o significado do trabalho remunerado para satisfação das exigências do consumo e do sentimento de auto-estima e de integração social. Investigações recentes sublinham que o trabalho continua a ser um instrumento poderoso de autonomia e de integração psicossocial, tendo mais relevância do que os objectivos de realização pessoal, os amigos, a cultura e o lazer; apenas a família se sobrepõem à dimensão profissional. O estatuto social, que dá a um sujeito o sentido da sua dignidade e leva os outros a respeitá-la, está inevitavelmente ligado ao emprego. Os desempregados, os beneficiários da Segurança Social e os destituídos de um estatuto profissional estão humilhados constituindo-se numa nova forma de exclusão social (Schnapper, 1998).

Assim, poderíamos concluir que, nas sociedades ditas desenvolvidas, o trabalho não perdeu importância na vida das pessoas, mas esta não se esgota nas actividades profissionais, como acontecia na época da industrialização e nas décadas do após guerras; ou seja, a vida não consiste só no trabalho remunerado (dimensão instrumental e produtiva da profissão), mas pode ser enriquecida com outros investimentos que a complementam, como a família, as actividades domésticas, os tempos livres, as actividades culturais (Laville,1999).... são as dimensões mais intrínsecas do trabalho ao serviço da auto-realização.

Deste modo, a integração da dimensão profissional nas outras dimensões da existência humana, não sendo nem uma dimensão ao lado das demais e menos ainda explicadora exclusiva e determinística das mesmas (Campos, 1989), implica incontornavelmente uma transformação do significado do trabalho sublinhando-se novas exigências, como: a criatividade, o desafio, as experiências de êxito, a corresponsabilidade a qualidade das relações de trabalho, o trabalho em equipa... Esta concepção emergente da actividade profissional vai esbatendo progressivamente as polarizações segmentadas dos mundos da experiência humana, a saber, o trabalho e o lazer; mas para que tal suceda e se complementem mutuamente, o mundo do trabalho terá que se ir configurando de tal forma que se torne interessante e rico em experiências, ou seja, mais próximo daquilo que se experiencia no mundo do lazer (Laville, 1999).

 

3. Estudo sobre os significados que os Portugueses atribuem ao trabalho

Amostra

Com o objectivo de analisar e perceber como os portugueses constroem significados para a sua experiência profissional, nesta viragem de um novo milénio, foi realizado um primeiro estudo, que faz parte de uma investigação mais alargada, com uma amostra de 422 sujeitos que se situam em diferentes etapas da sua vida, a saber, adolescentes que se encontram ainda numa fase de formação preparando a sua entrada no mundo do trabalho (nº 264), adultos que já estão no mundo do trabalho (nº97) e adultos desempregados (nº 82), para verificar se existem diferenças em relação aos significados que atribuem ao trabalho. O estudo foi realizado na região Norte de Portugal em contexto escolar com os adolescentes, em vários contextos de trabalho com os adultos empregados e em dois Centros de Emprego do Grande Porto para os desempregados.

O subgrupo da amostra dos adultos empregados e reformados (ver quadro 1) não reflecte a realidade portuguesa por ser constituído por uma população predominantemente de quadros superiores e intermédios onde os dados foram recolhidos: dois Centros comunitários, um Hospital Central do Grande Porto, um Hotel de 5 estrelas, duas Escolas do Ensino Secundário e uma Universidade Sénior. Os

principais enviezamentos da amostra residem principalmente nas variáveis de nível socio-económico - predominando a classe média (63,2%) - e o nível de escolaridade: formação Superior (64,9%).

 

Quadro 1
Caracterização da Amostra dos Adultos (Nº97).

Idade 

= ou < 30 anos

40,2%

= ou <40 anos

27,8%

= ou >40 anos

32%

 

 

NSE  

Média Alta

10,5%

Média

63,2%

Média Baixa

26,3%

 

 

Religião

Católica

82,4%

Agnósticos

17,6%

 

 

 

Estado Civil

Casado

61,8%

Solteiro

24,8%

Divorciado

4,1%

Viúvo

8,2%

União de Facto

1,1%

Género

Masculino

38,1%

Feminino

61,9%

 

 

 

Escolaridade

2º ciclo

8,2%

3º ciclo

3,2%

Secundário

23,7%

Ens. Superior

64,9%

 

Anos de Trab.

<=1º ano

16,7%

<=10 anos

25,8%

< = 20 anos

25,8 %

> 20 anos

32%

 

Situação Prof.

Empregado

79,4%

Aposentado/
reformado

20,6%

 

 

 

 

Quadro 2
Caracterização da Amostra dos Adultos Desempregados (Nº82).

Idade 

= ou < 30 anos

42%

= ou <40 anos

32,1%

= ou >40 anos

25,9%

 

 

NSE  

Média Alta

0,5%

Média

13,4%

Baixa

86,1%

 

 

Religião

Católica

65,9%

Agnósticos

34,1%

 

 

 

Estado Civil

Casado

30,5%

Solteiro

48,8%

Divorciado

12,2%

União de Facto

8,5%

 

Género

Masculino

63,4%

Feminino

36,6%

 

 

 

Escolaridade

1º ciclo

19,5%

2º ciclo

20,7%

3º ciclo

24,4%

Secundário

21,0%

Ens. Superior

13,6%

Anos de Trab.

1º ano

4,7%

<=5 anos

28,1%

< = 10 anos

21,9 %

> 10 anos

45,3%

 

Situação Prof.

Desemp. C. Duração
42,5%

Desemp. L. Duração
50%

Procura 1º Emp.

7,5%

 

 

 

Quadro 3
Caracterização da Amostra dos Adolescentes (Nº262).

Idade 

14 a 15 anos

 

 

 

 

Religião

Católica

86,3%

Agnósticos

13,7%

 

 

 

NSE  da Família

Média Alta

1,3%

Média

40,6%

Média B./Baixa

58,1%

 

 

Tipo de Família

Intacta

84,5%

Monopar.

7,2%

Divórcio

7,6%

União de Facto

1%

 

Escolaridade dos Pais

1º ciclo

35,4%

2º ciclo

24,4%

3º ciclo

15,4%

Secundário

11,8%

Ens. Superior

13%

Género

Masculino

55,6%

Feminino

44,4%

 

 

 

 

Procedimento

Os sujeitos da amostra foram confrontados com esta única questão aberta: “Que ideias (representações, pensamentos e sentimentos) lhe surgem espontaneamente quando pensa em trabalho/emprego/actividade profissional? Responda à questão usando apenas palavras soltas (substantivos, adjectivos e verbos) que reflectem o que pensa e sente sobre o seu trabalho, por exemplo: chatice, criativo, transformar...” Foram produzidas 516 palavras diferentes com uma média de 7,75 palavras por sujeito. As palavras com maior frequência foram agrupadas dentro do mesmo campo semântico definindo-se posteriormente categorias para cada grupo de palavras. Este trabalho foi analisado por um grupo de 4 especialistas que deram vários contributos para a inclusão de cada palavra no respectivo campo semântico bem como para a definição das categorias.

 

3.1. Apresentação dos resultados

Embora a amostra dos adolescentes seja mais representativa do que a dos adultos, permitindo tirar conclusões mais generalizáveis para a população, o que não acontece com a dos adultos empregados, que é uma pequena amostra selectiva, que de forma alguma representa o universo dos portugueses que estão no mundo trabalho, como se poderá comprovar com a breve caracterização do quadro 1, pode-se, no entanto, fazer algumas reflexões exploratórias sobre os significados que atribuem ao trabalho.

Palavras evocadas pelos vários subgrupos:

De seguida, apresentam-se as palavras (consideraram-se todas as palavras que pelo menos tenham sido evocadas por quatro sujeitos) mais eliciadas pelos três subgrupos, sendo agrupados os vocábulos do mesmo campo semântico numa mesma dimensão, definidas por um grupo de investigadores a partir da revisão da investigação neste domínio.

Significados do Trabalho – Dimensões – Adultos (Nº 97)

I Dimensão da Realização Pessoal

(a) Realização: 20 (20,6%)
(b) Motivação: 19 (19,6%)
(c) Desenvolver: 12 (12,4%)
(d) Aprender: 10 (10,3%)
(e) Pensar: 7 (7,2%)
(f) Crescer: 6 (6,2%)
(g) Conhecimento: 4 (4,1%)
(h) Competência: 4 (4,1%)

II Dimensão Socio-Afectiva/Interpessoal do Trabalho

(a) Ajudar: 14 (14,4%)
(b) Relacionar: 11 (11,3%)
(c) Equipa: 10 (10,3%)
(d) Amigos/amizade: 10 (10,3%)
(e) Educar: 9 (9,3%)
(f) Colaboração: 7 (7,2%)
(g) Apoiar: 7 (7,2%)
(h) Comunicação: 5 (5,2%)
(i) Convívio: 4 (4,1%)
(j) Pessoas: 4 (4,1%)

III Penosidade/Dureza ou Dimensão Emocional Negativa

(a) Cansaço/Cansativo: 23 (23,7%)
(b) Stress: 12 (12,4%)
(c) Frustração: 11 (11,3%)
(d) Chatice: 9 (9,3%)
(e) Trabalhoso: 6 (6,2%)
(f) Problemas: 5 (5,2%)
(g) Preocupação: 4 (4,1%)
(h) Obrigação: 4 (4,1%)

IV Dimensão Emocional Positiva do Trabalho

(a) Satisfação: 11(11,3%)
(b) Interessante: 11 (11,3%)
(c) Liberdade: 10 (10,3%)
(d) Prazer: 9 (9,3%)
(e) Ocupar: 8 (8,3%)
(f) Gosto: 7 (7,2%)

V Dimensão Criativa do Trabalho

(a) Criar: 20 (20,6%)
(b) Transformar: 12 (12,4%)
(c) Mudança: 9 (9,3%)
(d) Dinâmico 7 (7,2)
(e) Inovar: 7 (7,2%)

VI Investimento no Trabalho

(a) Responsabilidade: 20 (20,6%)
(b) Empenho: 9 (9,3%)
(c) Dedicação: 8 (8,3%)
(d) Objectivos: 7 (7,2%)
(e) Necessidade: 6 (6,2%)
(f) Horário: 4 (4,1%)

VII Dimensão Económica do Trabalho

(a) Dinheiro: 7 (7,2%)
(b) Salário: 4 (4,1%)

 

Significados do Trabalho – Dimensões – Adultos Desempregados (Nº 82)

I Dimensão Emocional Positiva do Trabalho

(a) Satisfação: 13 (15,9%)
(b) Ocupar/ocupação: 11 (13,4%)
(c) Gosto: 9 (11%)
(d) Bom: 9 (11%)
(e) Bem-estar. 9 (11%)
(f) Alegria: 6 (7,3)
(g) Prazer: 6 (7,3%)
(h) Liberdade/independência: 5 (6,1%)

II Dimensão Económica do Trabalho

(a) Dinheiro: 28 (34,1 %)
(b) Segurança: 10 (12,2%)
(c) Remuneração: 7 (8,5%)
(d) Salário: 4 (4,9%)
(e) Subsistência: 4 (4,9%)
(f) Estabilidade: 4 (4,9%)
(g) Promoção: 4 (4,9%)

III Dimensão da Realização Pessoal

(a) Realização: 9 (11%)
(b) Pensar: 8 (9,8%)
(c) Aprender: 8 (9,8%)
(d) Motivar/ção: 7 (8,5%)
(e) Desenvolver: 6 (7,3%)
(f) Conhecer/Conhecimento: 6 (7,3%)
(g) Crescer: 6 (7,3%)
(h) Viver: 6 (7,3%)
(i) Capacitar: 4 (4,9%)

IV Dimensão Socio-Afectiva/Interpessoal do Trabalho

(a) Amigos/amizade: 14 (17,1%)
(b) Chefe/Patrão: 11 (13.4%)
(c) Conviver: 9 (11%)
(d) Família: 7 (8,5%)
(e) Ajudar: 5 (6,1%)
(f) Companheirismo: 4 (4,9%)
(g) Colegas: 4 (4,9%)
(h) Comunicação: 4 (4,9%)

V Dimensão Emocional Negativa

(a) Chatice:18 (22%)
(b) Cansaço/Cansativo: 13 (15,9%)
(c) Trabalhoso: 8 (9,8%)
(d) Stress: 5 (6,1%)
(e) Dificuldade: 4 (4,9%)
(f) Problemas: 4 (4,9%)
(g) Preocupação: 4 (4,9%)

VI Dimensão Criativa do Trabalho

(a) Criar/criativo: 36 (43,9%)
(b) Futuro: 6 (7,3)
(c) Mudança: 5 (6,1%)
(d) Transformação/ar: 5 (6,1%)

VII Investimento no Trabalho

(a) Horário: 14 (17,1%)
(b) Responsabilidade: 12 (14,6%)
(c) Necessidade: 5 (6,1%)
(d) Empenho: 4 (4,9%)
(e) Pontual: 4 (4,9%)
(f) Acordar: 4 (4,9%)
(g) Actividade: 4 (4,9%)

 

Significados do Trabalho – Dimensões – Estudantes (Nº 262)

I Penosidade/Dureza ou Dimensão emocional negativa

(a) Cansaço/Cansativo: 67 (25,6%)
(b) chatice: 41 (15,6)
(c) Trabalhoso: 32 (12,2%)
(d) Dureza/esforço: 21 (8%)
(e) Seca: 19 (7,3)
(f) Stress: 16 (6,1)
(g) Preocupação: 14 (5,3%)
(h) Difícil: 9 (3,4%)
(i) Aborrecido: 8 (3,1%)
(j) Problemático: 7 (2,7%)
(k) Nervosismo: 4 (1,5%)
(l) Desgaste: 4 (1,5%)

II Dimensão Emocional Positiva do Trabalho

(a) Divertido: 22 (8,4%)
(b) Interessante: 19 (7,3%)
(c) Gosto: 17 (6,5%)
(d) Bom: 16 (6,1%)
(e) Bem-estar: 12 (4,6%)
(f) Fixe: 11 (4,2%)
(g) Alegria: 10 (3,8%)
(h) Felicidade: 9 (3,4%)
(i) Porreiro: 8 (3,1%)
(h) Prazer: 7 (2,7%)
(j) Amor: 4 (1,5%)
(k) Satisfação: 4 (1,5%)

III Investimento no Trabalho

(a) Responsabilidade: 43 (16,4%)
(b) Empenho: 15 (5,7%)
(c) Passar o tempo: 13 (5%)
(d) Horário: 10 (3,8%)
(e) Ocupação do tempo: 9 (3,4%)
(f) Vontade: 9 (3,4%)
(g) Actividade: 8 (3,1%)
(h) Objectivos: 6 (2,3%)
(i) Necessidade: 5 (2%)
(j) Luta: 4 (1,5%)

IV Dimensão da Realização Pessoal

(a) Realização: 39 (14,9%)
(b) Sucesso: 14 (5,3%)
(c) Viver/vida: 14 (5,3%)
(d) Independência: 12 (4,6%)
(e) Importante: 11 (4,2%)
(f) Maturidade: 7 (2,7%)
(g) Competência: 6 (2,3%)
(h) Realizar: 6 (2,3%)
(i) Aprender: 5 (2%)
(j) Inteligência: 4 (1,5%)
(k) Capacidade: 3 (1,1%)

V Dimensão Económica do Trabalho

(a) Dinheiro: 109 (41,6%)
(a) Salário: 11 (4,2%)

VI Dimensão Criativa do Trabalho

(a) Futuro: 27 (10,3%)
(b) Transformação: 16 (6,1%)
(c) Sonhar: 8 (3,1%)
(d) Mudar: 7 (2,7%)
(e) Criatividade: 5 (2%)
(f) Dinâmico: 4 (1,5%)
(g) Inovação: 3 (1,1%)

VII Dimensão Socio-Afectiva/Interpessoal do Trabalho

(a) Amigos/amizade: 22 (8,4%)
(b) Ajudar: 13 (5%)
(c) Patrão/Chefe: 11 (4,2%)
(d) Companheirismo: 7 (2,7%)
(e) Colegas: 7 (2,7%)
(f) Família: 7 (2,7%)

 

Quadro 4
Dimensões dos significados atribuídos ao trabalho pelos adultos empregados, adultos desempregados e adolescentes.

Adultos Empregados

Adultos Desempregados

Adolescentes

Dim. Realização Pessoal (DRP): 19,9%

Dim. Interpessoal (DI): 19,6%

Dim. Emocional Neg (DEN): 17,9%

Dim. Emocional Positiva (DEP): 13,6%

Dim. Criativa Trabalho (DCT): 13,3%

Dim. Investimento no Trabalho (DIT): 13,1%

Dim. Económica do Trabalho (DET): 2,6%

(DEP): 16,9

(DET): 15,2%

(DRP): 14,9%

(DI): 14,4%

(DEN): 13,9%

(DCT): 12,9%

(DIT): 11,8% 

(DEN): 27,5%

(DEP): 15,8%

(DIT): 13,8%

(DRP): 13,7%

(DET): 13,6%

(DCT): 7,9%

(DI): 7,7%

 

Quadro 5
Palavras mais eliciadas pelos adultos empregados, adultos desempregados e adolescentes.

Adultos

Adultos Desempregados

Adolescentes

Cansativo: 23 (23,7%)

Responsab.: 20 (20,6%)

Realização: 20 (20,6%)

Criatividade: 20 (20,6%)

Criatividade:36 (43,9%)

Dinheiro: 28: (34,1%)

Chatice: 18: (22%)

Amigos: 14: (17,1%)   

Dinheiro: 109 (41,6%)

Cansativo: 67 (25,6%)

Responsa.: 43 (16,4%)

Chatice: 41 (15,6%)

 

Quadro 6
Dimensões dos significados atribuídos ao trabalho pelos adultos e adolescentes.

Adultos

Adolescentes

Dim. Realização Pessoal (DRP): 17,4%

Dim. Interpessoal (DI): 17,1%

Dim. Emocional Neg (DEN): 16%

Dim. Emocional Positiva (DEP): 15,2%

Dim. Criativa Trabalho (DCT): 13,1%

Dim. Investimento (DIT): 12,4%D.

Dim. Económica do Trabalho (DET): 8,8%

D. Emocional Negativa (DEN): 27,5%

D. Emocional Positiva (DEP): 15,8%

D. Investimento Trabalho (DIT): 13,8%

D. Realização Pessoal (DRP): 13,7%

D. Económica Trabalho(DET): 13,6%

D. Criativa Trabalho (DCT): 7,9%

D. Interpessoal Trabalho (DI): 7,7%

 

Quadro 7
Palavras mais eliciadas pelos adultos e adolescentes.

Adultos

Adolescentes

Criatividade: 56 (31,3%)

Cansativo: 36 (20,1%)

Dinheiro: 35 (19,6%)

Responsab.: 32 (17,9%)

Dinheiro: 109 (41,6%)

Cansativo: 67 (25,6%)

Responsab.: 43 (16,4%)

Chatice: 41 (15,6%)

 

Da leitura dos resultados salientam-se, de seguida, os mais relevantes para uma posterior reflexão:

(a) Relativamente aos resultados dos adultos pode perceber-se que existem duas constelações de dimensões do trabalho que se agrupam de forma equivalente: (i) a primeira, constituída pelas dimensões da realização pessoal (19,9%), a dimensão interpessoal do trabalho (19,6%) e a dimensão emocional negativa (17,9%); (ii) a segunda, que se relaciona com a dimensão emocional positiva (13.6%), a dimensão criativa do trabalho (13,3) e o investimento no trabalho (13,1%); (iii) finalmente, num plano mais secundário, a dimensão económica do trabalho (2,6%) –– ver quadro 4.

(b) Quanto ao subgrupo dos adultos desempregados as várias dimensões estão bastante equilibradas, não se registando uma grande discrepância entre elas, embora atribuam maior significado às dimensões económicas do trabalho (15,2%) quando se compara com o subgrupo dos adultos empregados (2,6%) –– (Quadro 4).

(c) Quando se agrupa a amostra dos adultos, registe-se que as várias dimensões se organizam de forma semelhante ao subgrupo dos adultos empregados (Quadro, 6).

(d) Relativamente aos adolescentes, surge em primeiro lugar, e de forma saliente, a dimensão emocional negativa (27,5); de seguida, valorizam, de forma equivalente, uma constelação de dimensões: dimensão emocional positiva, investimento no trabalho, realização pessoal, dimensão económica. Em terceiro lugar, surge uma segunda constelação de dimensões: a dimensão criativa e a dimensão interpessoal ou socio afectiva do trabalho.

(e) Quanto às palavras mais eliciadas pelos adolescentes em termos do significado do trabalho foram: dinheiro (109 ––41,6%) e cansativo (67 –– 25,6%); os adultos empregados: cansativo (23 –– 23,7%) e responsabilidade, realização e criatividade (20 –– 20,6%); os adultos desempregados: criatividade (36 –– 43,9%) e dinheiro (28 –– 34,1%). Os adultos evocaram predominantemente verbos e substantivos, enquanto que os adolescente produziram sobretudo substantivos;

 

Que significado psicológico e social se poderá atribuir a estes resultados?

Os adultos que já estão no mundo do trabalho, embora associem à actividade profissional um conjunto de emoções negativas como, o stress, cansaço, desgaste..., é percebida prioritariamente como uma fonte de realização pessoal e oportunidade de estabelecer relações interpessoais. O trabalho continua a ser percepcionado como um instrumento poderoso de autonomia e de integração psicossocial. O estatuto socio-profissional parece conferir ao sujeito o sentido da sua dignidade e da realização da sua cidadania. (Schnapper, 1998). Face a este resultado, poderíamos concluir que, nas sociedades ditas desenvolvidas, o trabalho não perdeu a sua centralidade na vida das pessoas como uma possibilidade, não exclusiva, de realização pessoal, autonomia e contexto privilegiado de estabelecer relações mais alargadas.

Os adultos desempregados (note-se que na nossa amostra 50% são de longa duração –– ver quadro 2), para além de perceberem o trabalho como instrumento de realização e de relacionamento interpessoal, valorizam, relativamente aos empregados, a dimensão económica do mesmo, porque a sua condição impõe-lhes limites e constrangimentos incontornáveis em termos de necessidades básicas, de compromissos e projectos assumidos ou adiados, de autonomia, e auto-estima. O desempregado está socialmente dependente de outros, mesmo quando usufrui um rendimento social base percepciona-se nas margens do tecido social, interferindo na construção do seu sentido de cidadania (Rifkin, 1996).

Nos adolescentes, surge como primeira valorização a dimensão emocional negativa, aliás também salientada pelos adultos. Quer nos jovens quer nos adultos está bem patente esta dimensão penosa e stressante do trabalho, atravessando a experiência existencial e antropológica da condição humana desde os mitos fundantes de origem até aos nossos dias, transmitindo-se culturalmente como legado histórico comum no processo geracional.

A diferença mais saliente que se verifica entre os dois grupos (adolescentes e adultos) é a valorização económica do trabalho por .parte dos mais novos e uma maior reserva dos adultos de assumirem explicitamente esta dimensão mais instrumental da actividade profissional, embora o subgrupo dos adultos desempregados, pelas razões já desenvolvidas, também assumam esta dimensão. Se é verdade que as investigações mais recentes têm indicado que as dimensões mais extrínsecas do trabalho são as mais valorizadas ––dinheiro, poder e prestígio social–– (Parada, Castro & Coimbra 1998; Plant, 1999/2000; Wach, 1997/98) correspondendo às valorizações do grupo e adolescentes e às representações sociais dominantes, o facto dos adultos empregados não o exprimirem como relevante, e até as minimizarem, pode explicar-se pela característica da amostra (classe média, uma percentagem elevada de licenciados) que se centram nas dimensões mais intrínsecas da actividade profissional porque as necessidades básicas, mais instrumentais, estão garantidas e por ser social e politicamente correcto. Os mais novos, porque vivem ainda numa situação de dependência económica em relação aos adultos e porque começam a sentir que as oportunidades de emprego são cada vez mais precárias, revelam espontânea e antecipadamente, através desta valorização mais instrumental –– bem explícita na evocação da palavra dinheiro por 109 adolescentes (41,6%)––, os seus medos e receios face a um futuro incerto e turbulento que pode adiar a realização de projectos pessoais e sociais autónomos (Gonçalves & Coimbra, 2000).

Relativamente à prevalência de categorias substantivadas na evocação de palavras por parte dos adolescentes e nos adultos, a alternância com as formas verbais provavelmente pode relacionar-se com o facto dos adultos estarem mais voltadas para a acção (verbo), porque confrontados com as experiências reais de trabalho, enquanto que os adolescentes, ao exprimirem preferencialmente formas substantivas, pode ser explicado pelo distanciamento em relação ao mundo do trabalho; por isso, o que sente e percebem sobre o mesmo são sobretudo as representações sociais que são veiculadas pelos significativos, pelos seus contextos naturais de vida e pelos media, sendo integradas como estruturas mais primitivas e organizadoras do mundo e do caldo socio-cultural e económico que partilham.

 

Bibliografia

Campos, B. P. (1989). A orientação vocacional numa perspectiva de intervenção no desenvolvimento psicológico. In Questões de política educativa. Porto: edições Asa.

Freitas, M. C. (1998). Trabalho e condição itinerante do homem. Communio, 4, 293-297.

Gonçalves, C. M. & Coimbra, J. (2000). Como construir trajectórias de vida em tempos de caos e imprevisibilidade. In A. R. Sánches & M. V. Fernández (Eds.), O reto da converxencia dos sistemas formativos e a mellora da calidade da formación. Actas do I Encontro Internacional de Galicia e Norte de Portugal de Formación para o Traballo, Santiago de Compostela.

Haro, R. G. (1977). Karl Marx: el capital. Madrid: Editorial Crítica Filosófica.

Laville, J. L. (1999). Une troisième voie pour le travail. Paris: Descleé de Brower.

Meda, D. (1999). O trabalho: um valor em extinção. Lisboa: Edições Fim de Século.

Parada, F., Castro, G. & Coimbra, J. L. (1998). Portuguese adolescents work associated meanings: An exploratory study. Paper presented at the 6th Biennal Conference of the EARA, Budapest, June the 3rd to 7th, 1998.

Plant, P. (1999/2000). Careerist, wage-earner or entrepreneur: work values and counselling. Cadernos de Consulta Psicológica, 15/16, 43-46.

Schanapper, D. (1998). Contra o fim do trabalho. Conversa com Phillipe Petit. Lisboa: Terramar.

Rifkin, J. (1996). La fin du travail. Paris, Editions: La Découverte & Syros.

Sennet, R (1998). La corrosión del carácter. Las consequencias personales del trabajo en el nuevo capitalismo. Barcelona: Editorial Anagrama.

Wach, M. (1997/98). Risk values in cross-cultural perspective. Cadernos de Consulta Psicológica, 13/14, 87-92.

Weber, M. (1990). Ética protestante e o espírito do capitalismo. Lisboa: Presença.

Wissen, V. G. (1998). Existe um direito humano do trabalho? Communio, 4, 317-331.