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A tristeza como um farol…

2017
ana.luisa.oliveira.msc@gmail.com
Psicóloga clínica
Publicado no Psicologia.pt a: 2017-06-18

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A tristeza como um farol…

Um dos meus “mentores” costuma dizer que quem não entristece… deprime. Susan Piver diz que o desespero é consequência de lutarmos contra a tristeza. O desconforto e mal estar associados a quando sentimos tristeza fazem-nos, por vezes, colocar no seu lugar emoções que imaginamos (e, mais do que isso, desejamos) magoarem menos, como raiva, desesperança, desamparo…

 

Sabemos que esta raiva nos complica frequentemente a relação com os outros, e que a desesperança e o desamparo nos levam, quase irremediavelmente, a refugiarmo-nos na inacção. Nada disto cumpre a sua função inicial, pois não?!? Não ficamos, de todo, menos tristes do que estávamos inicialmente…

Mas, e se encararmos a tristeza que estamos a sentir como uma chamada de atenção? Como o início de um caminho que nos ajudará a sentirmo-nos melhor, mais felizes... Ou seja, olhar a tristeza como uma oportunidade, dolorosa, para vermos aquilo que fomos ignorando e precisamos saber, e que nos levará a uma nova fase de mudança e crescimento.

Não nos iludamos, “abraçarmos” a nossa tristeza, sem a camuflar com outras emoções ou actividades, não nos faz sentir imediatamente bem: é difícil e, por vezes, mesmo doloroso. Mas permite-nos sentirmo-nos vivos, em contacto connosco próprios. Dá-nos a possibilidade de parar, observar, e ganhar consciência acerca do que está mal nas nossas vidas… a única forma de podermos voltar a trazer-lhes equilíbrio. Ao prestarmos atenção às nossas emoções, à nossa mente, é como se estivéssemos a vê-la trabalhar, e isso pode ajudar-nos a não nos sentirmos tão oprimidos pelos nossos pensamentos, e, portanto, mais livres para fazer diferente, para mudar.

Contudo, a sensação de desamparo tem aqui um forte impacto, uma vez que pode fazer-nos sentir que não somos capazes de mudar a nossa situação, e, portanto, a tristeza permanece. Por outro lado, a sensação de esperança, a crença nas nossas capacidades, e a coragem em agir essa autoconfiança, permitem melhorar o nosso humor. Como refere James Gordon,  assim que aprendemos a expressar as nossas emoções, nos comprometemos em nos ajudarmos a nós mesmo, e a chegar aos outros, já estamos no nosso caminho.

Por outro lado, e como já fui falando noutros textos, ao fugirmos de qualquer emoção, neste caso da tristeza (e de qualquer estado a ela associado), corremos o risco de permanecer presos nos mesmos padrões de sempre, nos hábitos, ideias e formas de nos relacionarmos com os outros que se foram deteriorando, que não nos servem.

Este não é, como vemos, um caminho sem obstáculos. A dúvida, a solidão, o orgulho, o ressentimento, a procrastinação, o perfeccionismo, o medo... todos eles podem aparecer, mesmo sem serem convidados. Olhêmo-los antes como desafios, e usêmo-los como faróis que nos ajudam a ver melhor o nosso próprio sentido, propósito e direcção.

Ana Luísa de Castro Oliveira

Ana Luísa de Castro Oliveira é Psicóloga, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde. É Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses, e Membro Associado da Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva (APTCC). É Licenciada em Psicologia e Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade de Évora, tendo realizado também Pós-Graduação em Psicologia Comunitária e Protecção de Menores, no ISCTE-IUL, e em Psicoterapia, na APTCC.
Desenvolveu atividade clínica com crianças, adolescentes e adultos no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital do Espírito Santo (Évora), onde integrou também a Equipa de Saúde Mental Infantil. Paralelamente à actividade clínica em contexto privado, dinamizou atividades de promoção de competências pessoais e sociais com crianças e jovens em risco, bem como apoio psicossocial às suas famílias, no Bairro da Quinta do Loureiro, em Lisboa.
Integrou uma equipa multidisciplinar de intervenção comunitária no concelho do Seixal, onde realizou diversas atividades de promoção de competências pessoais e sociais com crianças e jovens em risco de exclusão, atividades de promoção e apoio à empregabilidade, sessões de acompanhamento psicológico individuais e de aconselhamento parental com famílias em situação de vulnerabilidade.
Atualmente exerce clínica privada com adultos em Lisboa e Almada, e é Bolseira de Investigação no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Desde Março de 2016 que integra a Equipa da ClaraMente - Serviços de Psicologia Clínica e Psicoterapia, que, através dos seus serviços em consultório, domicílio e via online, tem como objectivo promover a saúde mental e a qualidade de vida de jovens, adultos e séniores.

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