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Como querer que fique tudo sempre bem se nada é estático?

2017
joana_s.j_rodrigues@hotmail.com
Psicóloga clínica
Publicado no Psicologia.pt a: 2017-01-08

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Como querer que fique tudo sempre bem se nada é estático?

Quantas vezes ouvimos que vai ser depois da faculdade? Ou depois do divórcio, ou do filho ter crescido? Quantas vezes ouvimos que vai ser depois de mudar de emprego ou de casa? E quantas vezes a felicidade vai sendo adiada, porque “depois é que vai ser?” Mas... depois, vai ser mesmo o quê?

Por vezes o nosso grande desejo de atingirmos a dita felicidade, faz-nos quase aguardar por ela como se depois, no momento em que ela chegasse, tudo ficasse para sempre bem. Mas se por um lado, a espera desse futuro poderá não nos permitir viver o presente da melhor forma, por outro, é quase como se essa felicidade ao chegar fosse para ficar. E ficará?

A vida pode ser muita coisa, mas estática ela não é. Estamos numa mudança contínua e constante, não aceitar isso, poderá provocar angústias, decepções e desilusões repetidamente, para além de nos poder fazer criar padrões comportamentais não adaptativos, ao tentarmos forçar essa estaticidade. Aceitar esta realidade, permite-nos viver o aqui e agora com mais tranquilidade, e desfrutar do que vivemos no nosso dia-a-dia.

A mudança gera incerteza, não podemos saber exactamente o que vem a seguir e isso naturalmente causa-nos receio. Contudo, é essencial que esse receio não seja bloqueador. Por mais que queiramos controlar o que nos rodeia, prever todas as consequências de uma e outra decisão, não valerá de muito, visto irem existir com certeza muitas situações que vão acontecer de forma imprevisível, sem que tenhamos capacidade para as prever e / ou alterar. E, por isso, é importante aprender a aceitar que tudo o que nos vai acontecendo faz parte da nossa história e da nossa vida, e que viver o dia-a-dia com o que a vida nos dá, ao mesmo tempo que vamos fechando capítulos ou histórias que vão terminando, permite-nos estar livres para receber o que chega até nós.

Viver é estarmos em mudança e renovação. Somos o resultado de todas as vivências, reflexões, partilhas, sensações, tudo o que fomos vivendo até ao presente. Mas como em cada momento vamos integrando novas informações de tudo que nos rodeia, esse resultado está sempre a modificar-se, nessa evolução da nossa pessoa, nesse processo contínuo e constante.

Quando vivemos de forma mais aceitante com o que a vida nos traz, também podemos conseguir aceder ao meu “Eu” mais genuíno, e perceber o que nos faz mais felizes no momento. E isso pode ser o avançar, mas também pode ser o querer amadurecer ideias para avançar mais tarde. Ou seja, não é a minha decisão de avançar ou não, que é o mais relevante; mas sim o que me leva a isso. E assim, ao estarmos conscientes do que nos leva a avançar ou a ficar, vivemos com satisfação por estarmos a fazer, no momento, o que realmente nos faz sentido. Fará realmente sentido aguardarmos pela tal dita felicidade que chegará daqui a algum tempo? Não poderá fazer mais sentido procurá-la também no agora?

Ao longo da vida vamos passando por momentos muito bons, mas porque nada dura para sempre, vamos também, perdendo coisas boas e pessoas importantes, e aí, nesses momentos de perda, naturalmente sentimo-nos tristes, zangados, perdidos... Mas, como nada dura para sempre, nem as coisas boas, nem as más, outras coisas boas virão de seguida, e novos caminhos irão aparecendo. E de forma cíclica, esses altos e baixos vão surgindo e vão acontecendo. A isto se chama Viver.  

“Lei é da Natureza

Mudar-se desta sorte o tempo leve:

Suceder à beleza

Da Primavera, o fruto; à calma, a neve;

E tornar outra vez, por certo fio,

Outono, Inverno, Primavera, Estio”. – Luís Vaz de Camões, em Ode.  

 

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

Joana de São João Rodrigues

Joana de São João Rodrigues é Psicóloga, Membro Efetivo da Ordem dos Psicólogos e especialista em Psicologia Clínica e da Saúde. Possui licenciatura e mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. É Pós-Graduada em Educação Social e Intervenção Comunitária e Membro Associado da Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva. É Formadora Certificada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua. Desenvolveu actividade clínica de apoio a doentes com doença oncológica e seus familiares no Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil do Centro Regional de Oncologia de Lisboa, no Serviço da Clínica da Dor. Deu apoio psicológico às famílias e crianças com cardiopatias congénitas internadas no Hospital Vall d'Hebron para cirurgia através da Associació d'ajuda als Afectats de Cardiopaties Infantils de Catalunya (Associação de ajuda aos Afectados por Cardiopatias Infantis da Catalunha), em Barcelona. Desenvolveu actividade de apoio às necessidades das mulheres vítimas de violência doméstica/abuso sexual, pela Associação de Mulheres Contra a Violência, em Lisboa. Esteve integrada em diversos projectos de Cooperação Internacional, onde deu formação na área da promoção da saúde em Angola e Guiné-Bissau e foi técnica de cuidados continuados integrados de saúde mental na Associação para o Estudo e Integração Psicossocial, em Lisboa. Desde 2011 exerce clínica privada com jovens, adultos e seniores e desde Março de 2016 que integra a Equipa da ClaraMente - Serviços de Psicologia Clínica e Psicoterapia, com o objectivo de promover a saúde mental e a qualidade de vida, disponibilizando serviços de Psicologia Clínica e Psicoterapia em consultório em Lisboa e Caldas da Rainha. Desde Abril de 2019 que trabalha no Hospital Lusíadas em Lisboa, nas Unidades de Tratamento de Dor e Oncologia.

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