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Distorções cognitivas - a importância de as identificar e de as questionar

2017
joana_s.j_rodrigues@hotmail.com
Psicóloga clínica
Publicado no Psicologia.pt a: 2017-06-18

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Distorções cognitivas - a importância de as identificar e de as questionar

As DISTORÇÕES COGNITIVAS são basicamente maneiras distorcidas de processar uma informação, ou seja, são interpretações enviesadas do que nos acontece, criando diversas consequências negativas.  Quando se sofre de depressão, por exemplo, tem-se uma visão da realidade na qual as distorções cognitivas exercem um papel principal (visão de túnel). Todos nós podemos utilizar algum tipo de distorção cognitiva. Saber detectá-las e analisá-las ajuda-nos a desenvolver atitudes mais realistas e, acima de tudo, mais funcionais.

 

Aqui ficam algumas das distorções cognitivas e exemplos de situações:

Personalização

Quando nos sentimos 100% responsáveis pelos acontecimentos. Por exemplo, o filho do António fez um exame e não passou. O António pensa logo ter fracassado na educação do seu filho, acha que cometeu algum erro, porque se tivesse feito tudo bem feito, seu filho teria aprovado.

Filtro mental

Consiste em focarmo-nos nos aspectos negativos e ignorar o resto da informação. O negativo é filtrado e absorvido, enquanto o positivo é esquecido. Exemplo: A Maria preparou um prato para um jantar e convidou nove amigas.  Quase todas adoram a refeição da Maria, à excepção da Cristina, que disse que o prato estava um pouco salgado. Maria sente-se mal por isso e passa a achar que cozinha terrivelmente mal -  Ela só absorveu o negativo, ignorando totalmente os aspectos positivos.

Esta distorção também está presente quando acreditamos que se algo aconteceu uma vez, acontecerá em todas as outras vezes. Por exemplo: O João terminou com a Sónia depois de dois anos e meio de relação. A Sónia pensa “ninguém vai gostar de mim”, “nunca mais encontrarei alguém que queira ficar comigo”.

Maximização e minimização

Essa distorção cognitiva consiste em maximizar os nossos próprios erros e os acertos dos outros e, minimizar os próprios acertos e os erros dos outros. “Não importa quantas coisas fiz correctamente no passado, elas não têm importância. O que importa agora é que cometi um erro gravíssimo.”

Pensamento dicotómico

Consiste na extrema valorização dos acontecimentos, sem levar em conta os aspectos intermediários. Classificar as coisas como brancas ou pretas, verdadeiras ou falsas. Por exemplo: “Se este trabalho não ficar perfeito, o meu esforço não terá valido para nada”, ou quando uma pessoa não encontra emprego e pensa “sou completamente inútil!”.

Catastrofização

Ocorre quando prevemos o futuro negativamente sem considerar outros resultados mais prováveis. Exemplo: “O meu filho ainda não chegou, deve ter acontecido alguma coisa horrível. Vou esperar um pouco, mas não vou conseguir dormir.” Outros exemplos: “O meu namorado não me atende o telemóvel, deve estar com outra”.

Generalização

Ocorre quando generalizamos de um caso, para todos os casos, mesmo que seja apenas ligeiramente idêntico. Se uma vez foi verdade, será sempre assim: “A mim nada nunca corre bem”; “Nunca me vou casar”; “Eu nunca termino o que começo”; “Eu jamais vou conseguir deixar de fumar”; “Não dormi bem ontem, a minha insónia vai durar para sempre” ou “Nunca mais vou conseguir ter um emprego bom como este”.

Raciocínio emocional

Refere-se à suposição de que as nossas emoções reflectem as coisas como elas são. É acreditar que o que sentimos no momento é o correcto e verdadeiro.  “Estou-me a sentir uma incompetente, logo sou totalmente incompetente!” ou “Eu sinto que é assim, consequentemente isso tem que ser verdade.”

Afirmações como “deveria fazer isso…”

São crenças rígidas e inflexíveis de como nós ou os demais deveríamos ser. As exigências concentradas em nós próprios favorecem a autocrítica, enquanto as dirigidas aos outros favorecem a raiva, a ira e a agressividade. Alguns exemplos podem ser: “Deveria ter dado mais atenção ao meu marido, assim ele não me teria deixado”, “Não devo cometer erros”, “Os outros devem-se portar bem comigo” ou “Preciso gostar de todos.”

Leitura da mente

Consiste em afirmar que determinadas suposições são certas, mesmo que não exista nenhuma evidência que a comprove. Acreditar que se sabe o que os outros pensam e o motivo de se comportarem como se comportam. “O que ele quer é pôr-me nervoso!”, “O que ele quer é rir-se de mim!”, “Eles sentem pena de mim!” ou “Ela só está comigo por dinheiro!”

Predição do Futuro

Consiste em afirmar que determinadas suposições são certas, mesmo que não exista nenhuma evidência para as comprovar, é esperar que nada dê certo, sem sequer permitir a possibilidade de que seja razoável ou positiva. “Tenho certeza de que vou reprovar.”,“Ninguém me vai dar atenção na festa”.

Rotulagem

Utilizar rótulos pejorativos para nos descrevermos, ao invés de descrever os nossos actos e qualidades com objectividade e exactidão. Por exemplo: “Sou um inútil!” ao invés de “Cometi um erro, mas nem sempre faço isso.”

 

SUGESTÃO:

Tentar dialogar connosco próprios e questionarmo-nos. Com qual ou quais nos identificamos? E se a partir de agora começarmos a estar mais atentos? Agora que já as reconhecemos, podemos questioná-las. Assim poderá ser mais fácil procurarmos alternativas que façam mais sentido e que nos sejam mais benéficas.

 

Fontes: 

Beck, A. T. (1979). Cognitive Therapy and the Emotional Disorders. New York: Meridian.

 

Joana de São João Rodrigues

Joana de São João Rodrigues é Psicóloga, Membro Efetivo da Ordem dos Psicólogos e especialista em Psicologia Clínica e da Saúde. Possui licenciatura e mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. É Pós-Graduada em Educação Social e Intervenção Comunitária e Membro Associado da Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva. É Formadora Certificada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua. Desenvolveu actividade clínica de apoio a doentes com doença oncológica e seus familiares no Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil do Centro Regional de Oncologia de Lisboa, no Serviço da Clínica da Dor. Deu apoio psicológico às famílias e crianças com cardiopatias congénitas internadas no Hospital Vall d'Hebron para cirurgia através da Associació d'ajuda als Afectats de Cardiopaties Infantils de Catalunya (Associação de ajuda aos Afectados por Cardiopatias Infantis da Catalunha), em Barcelona. Desenvolveu actividade de apoio às necessidades das mulheres vítimas de violência doméstica/abuso sexual, pela Associação de Mulheres Contra a Violência, em Lisboa. Esteve integrada em diversos projectos de Cooperação Internacional, onde deu formação na área da promoção da saúde em Angola e Guiné-Bissau e foi técnica de cuidados continuados integrados de saúde mental na Associação para o Estudo e Integração Psicossocial, em Lisboa. Desde 2011 exerce clínica privada com jovens, adultos e seniores e desde Março de 2016 que integra a Equipa da ClaraMente - Serviços de Psicologia Clínica e Psicoterapia, com o objectivo de promover a saúde mental e a qualidade de vida, disponibilizando serviços de Psicologia Clínica e Psicoterapia em consultório em Lisboa e Caldas da Rainha. Desde Abril de 2019 que trabalha no Hospital Lusíadas em Lisboa, nas Unidades de Tratamento de Dor e Oncologia.

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