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O espectáculo do corpo

2015
apsicologasara@gmail.com
Psicóloga. Psicoterapeuta. Membro da coordenação terapêutica do Centro WONDERFEEL - Um Novo Bem-Estar. Membro efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses
Publicado no Psicologia.pt a:

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O espectáculo do corpo

 

Segundo António Damásio, célebre professor e neurocientista, o nosso corpo está cartografado no nosso cérebro. Hein? Pois é. Isto quer dizer que a um nível mais profundo a maior parte das alterações que ocorrem no nosso organismo são lidas pelo nosso cérebro e este constrói uma “representação mental” do que está a acontecer.

As nossas emoções e sentimentos (tudo material fisiológico) accionam-se pela nossa percepção do ambiente ou pelos nossos pensamentos. E que faz o nosso cérebro? Observa e regista estes “acontecimentos” no corpo que deriva em “histórias” (sob a forma de pensamentos) que são criadas na nossa mente. Então e depois? Bom, depois… quando estes pensamentos surgem na mente, nós tomamos consciência deles e é a partir daí que cada um, literalmente, constrói a sua história. História essa baseada em experiências externas que sistematicamente vamos registando na nossa memória e ao mesmo tempo no nosso sistema límbico (a parte do nosso cérebro responsável pelo processamento das emoções). Isso faz sentir… feel… faz-nos sentir uma emoção que é mais uma “impressão” do arsenal da nossa memória nesse momento.

Ansiosos perguntarão: “Simm!! Mas isso significa o quê??!!”. Que a nossa memória é emocional e uma “história” muito pessoal de factos e acontecimentos. Isto equivale a dizer que, e voltando a Damásio, “o cérebro é um espectador forçado do espectáculo do corpo” (in “O Erro de Descartes”).

A cada reação mental ou emocional existe o seu correspondente a nível fisiológico e corporal. É muito difícil senão impossível pensar que espécie de emoção de medo restaria se não se verificasse a acompanhante sensação de aceleração do ritmo cardíaco, de respiração suspensa, de tremura dos lábios, pernas enfraquecidas, pele arrepiada ou aperto no estômago. Como é possível imaginar o estado de raiva e não ver o peito em ebulição, o rosto congestionado, as narinas dilatadas, os dentes cerrados e o impulso para a acção vigorosa?

Da mesma forma, aquilo que nos rodeia também está cartografado no nosso cérebro. Existem milhões de células nervosas, a que chamamos neurónios, que se organizam em redes neuronais especializadas. E que fazem estes “queridos”? :) Ora! Fazem com que interpretemos o que se passa no nosso meio externo. Assim, há redes neuronais que diariamente se criam ou inibem, que se reforçam positiva ou negativamente, pela “força do hábito” e não só. As estruturas mentais positivas ou negativas edificamo-las nós, pelo “alimento” que damos de comer ao nosso “tico” e ao nosso “teco”, pela rotina, hábitos, e interpretações que vamos fazendo, pela forma de pensar que vamos instituindo (melhor dizendo, instalando) acerca das coisas, uma e outra vez.

Pensam que pensam no que pensam porque querem? Nope… A forma pela qual vamos “enraizando” algumas crenças na nossa cabeça, e a forma como estas vão criando e reforçando as ditas redes neuronais é que nos fazem pensar de uma determinada forma… Resultado: ano após ano, desde o berço até à morte, tudo isto vai alterando a nossa estrutura cerebral, para que antecipadamente o nosso cérebro nos prepare para processarmos estímulos idênticos aos que até então temos vindo a receber. A maneira como vamos criando as histórias da nossa história (em relação ao que vamos fazendo e o que nos vai acontecendo) vai continuamente produzindo alterações no nosso mapa mental. Daí falar-se muito da “plasticidade” do cérebro, já ouviram? :)

Estas histórias enraízam-se na forma como percepcionamos o mundo e a nós mesmos. A partir destes factos, agora melhor poderá compreender que… se se mantiver num registo depreciativo, angustiante, depressivo, traumático, apático, sorumbático qual batráquio (!) esta será, nada mais nada menos, do que a cartografia que está a imprimir para si, para a sua vida. Uma vida de ressentimento. O contrário também é certo, para quem procura alimentar e reforçar as “conexões” positivas ou de felicidade. Multiplicando-as, pela força do hábito.

Dia após dia. Cérebro e corpo trabalham em uníssono, naquilo que é a história que se tem para contar. E sentir. E contar e sentir. Está contente com a sua história? Pretende conseguir alterá-la? Sabia que hoje já está a criar o seu futuro? E apenas gostaria de uma história diferente…? História essa que fica entranhada na nossa maquinaria natural que urge, cada vez mais, optimizar.

Vitória, vitória, ainda não se acabou a história!

Sara Ferreira

Sara Ferreira é psicóloga, psicoterapeuta, com formações especializadas na área da Psicologia Clínica e da Saúde e Psicologia Comunitária, sendo actualmente também autora e co-autora em diversas publicações técnicas e científicas de renome, assim como portais de referência na área da Psicologia, desenvolvimento pessoal, saúde e bem-estar. Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Licenciada em Psicologia Aplicada pelo ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada, com experiência curricular e profissional no acompanhamento psicológico de utentes (ambulatório e consultas externas) na Unidade de Psicologia do Hospital de Santa Marta em Lisboa, exercendo actualmente a sua prática clínica maioritariamente em contexto privado. Colaborou como psicóloga na Direcção de Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental da Direcção-Geral da Saúde, e em diversos projectos da Comissão Europeia, nomeadamente nas redes EAAD – European Alliance Against Depression e IMHPA – Implementing Mental Health Promotion Action, tendo também colaborado na preparação e edição do Programa Nacional de Luta Contra a Depressão, no contexto de programas prioritários do Plano Nacional de Saúde 2004-2010. Colaborou no Grupo de Coordenação da Saúde, no contexto da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, tendo também desempenhado funções de investigadora em diversos projectos de investigação e grupos de trabalho nacionais e internacionais sobre boas práticas em saúde mental e na área da Psicologia da Saúde, nomeadamente, a European Health Psychology Society.

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