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Síndrome do Impostor

2019
joana_s.j_rodrigues@hotmail.com
Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde
Publicado no Psicologia.pt a: 2019-06-02

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Síndrome do Impostor

O síndrome do impostor não é uma doença, é um sentimento que muitas pessoas sentem e que nem sempre conseguem identificar.

O termo foi inventado em 1978 por duas psicólogas, Pauline Rose Clance e Suzanne Imes. Contudo, estas duas profissionais nunca mencionaram directamente um “síndrome” mas sim uma experiência à qual todos poderiam ser confrontados um dia, um mecanismo psicológico de defesa.

A ideia central deste mecanismo envolve a forma como os outros nos veem e a maneira como cada um se vê a si próprio, principalmente em relação às conquistas profissionais (mas não só). Quem é impostor de si próprio não acredita nas evidências visíveis de que é competente, porque considera-se inferior relativamente aos outros e incapaz. Baseia-se principalmente em não sentir que se merece um reconhecimento ou elogio por algo que se tenha feito (não acreditam que estão onde estão por mérito próprio), que o sucesso que se alcançou não lhe pertence e que a única coisa que pode explicar o feedback positivo é a sorte, vivendo perturbado pelo medo de que, um dia, descubram que é uma fraude.

 

As pessoas que sofrem do síndrome do impostor geralmente apresentam algumas das seguintes características:

 

1. Necessidade de se esforçar sempre mais

A pessoa acredita que sabe menos que os outros, por isso sente que precisa de se esforçar muito mais, para justificar as suas concretizações. O perfeccionismo é utilizado como justificação do desempenho, mas causa muita ansiedade, cansaço, e desgaste.

 

2. Procrastinar

A pessoa como acha que ao apresentar uma tarefa será avaliada e criticada de forma negativa, pode levar a que se adie compromissos e tarefas e levar o máximo do tempo para cumprir estas obrigações de forma a evitar o momento da avaliação e crítica. 

 

3. Auto-sabotagem

A pessoa acredita que o fracasso é inevitável, e que a qualquer momento alguém a irá desmascarar à frente dos outros. Desta forma, pode não se esforçar tanto, evitando gastar energia para algo que acredita que não irá correr bem.

 

4. Medo da exposição

É comum que a pessoa esteja constantemente a evitar os possíveis momentos de avaliação e por isso a escolha de tarefas e até mesmo da própria profissão são, muitas vezes, baseadas naquelas em que serão menos perceptíveis, evitando ser alvo de avaliações e críticas.

  

5. Comparação com os outros

Ser perfeccionista, exigente consigo e comparar-se com os outros apercebendo-se que é inferior ou sabe menos que os outros, são algumas das principais características desta síndrome. Podendo mesmo haver a sensação de que nunca se é boa o suficiente em relação aos outros, o que gera muita angústia, tristeza, frustração e insatisfação.

 

6. Querer agradar a todos

Para compensar o que a pessoa acha que não tem e procurar alcançar aprovação pelos outros, pode adoptar uma atitude de tentar causar boa impressão e tentar agradar a todos, podendo até, sujeitar-se a situações humilhantes.

 

Além disso, a pessoa com síndrome do impostor passa por momentos de muito stress e ansiedade, por achar que, a qualquer momento, pessoas mais capacitadas irão substituí-la ou desmascará-la. Assim, é muito comum que essas pessoas desenvolvam sintomas de ansiedade e depressão.

Apesar do síndrome do impostor estar muito associado ao contexto profissional, este sentimento pode ser sentido também na área pessoal, familiar ou sentimental. A dúvida permanente sobre si próprio faz com que se negue a qualquer recompensa positiva, e isso pode traduzir-se no trabalho, mas também por elogios à nossa aparência física, a relações amorosas e sentimentais, etc.

 

Como se desenvolve? 

O síndrome do impostor é um mecanismo psicológico caracterizado pela dificuldade / incapacidade de assimilar os próprios méritos e conquistas e pelo sentimento constante de inadequação. Não importa o quão perfeccionista e exigente a pessoa é, nem o reconhecimento apresentado pelos outros. Se ela sofre da síndrome do impostor, vai acreditar que tudo foi mera sorte ou que de alguma maneira conseguiu enganar as pessoas para chegar onde está.

A origem desta crença é a comparação e a elevada exigência

Olha-se para as pessoas competentes do lado e acha-se que elas são fantásticas e que também gostaríamos de ser assim… e começamos a questionar-nos da razão de não sermos tão bons. E vamo-nos sentindo menos capazes. Ao nos sentirmos inferiores, procuramos compensar com muito, muito esforço. Porém, mesmo com todo o sucesso, nunca sentimos que é o suficiente, porque nem com toda a dedicação e esforço se consegue ter uma vida exactamente igual à das pessoas com quem nos comparamos. Ao olharmos para as conquistas dos outros e nos estarmos a comparar constantemente, o resultado é a incapacidade de reconhecermos as nossas próprias conquistas. E a ideia de que não conquistámos nada e que não merecemos o reconhecimento das pessoas, ao ser repetida na nossa cabeça, vai cada vez mais ganhando força e espaço, convencendo-nos que somos um impostor. E geralmente, esta pessoa acredita que está sozinho nesta forma de ver, levando a esconder mais tudo isto e cada vez isolando-se mais e acreditando e forma mais convicta nestes seus pensamentos.

As pesquisadoras Pauline Rose Clance e Suzanne Imes, da Universidade do Estado da Geórgia, publicaram, em 1978, o primeiro artigo com a nomenclatura “impostor” usada para designar quem demonstrava sinais de auto-sabotagem. Esse artigo era direccionado a mulheres que se lançavam aos negócios, numa época onde o mercado profissional tinha um grande preconceito e eram vistas como mão de obra inferior ao do sexo masculino. O estudo que deu origem ao artigo examinou cerca de 150 mulheres bem-sucedidas (com títulos académicos, profissionais nas suas áreas ou estudantes do ensino superior com excelente histórico escolar), e o resultado foi claro: todas se consideravam impostoras. “Contrariando as suas realizações académicas e profissionais, mulheres que apresentam o fenómeno do impostor insistem em acreditar que elas não são boas o suficiente e que apenas enganam quem pensa o contrário”, diz o artigo.

Na década de 80, a psicóloga Gail Matthews juntou-se a Clance para novas pesquisas. Dessa vez, descobriram que 80% das pessoas bem-sucedidas (tanto mulheres quanto homens) já tiveram episódios de Síndrome do Impostor durante o seu percurso profissional. Com o tempo, a síndrome foi ampliando para ambos os sexos, em proporção maior para as mulheres.

 

Como podemos aprender a contorná-lo ou a lidar com ele? O que fazer quando surge aquela 'vozinha' na cabeça a duvidar do nosso valor?

Ao termos consciência que sofremos deste síndrome (identificar o síndrome do Impostor nos pensamentos e nas acções) é importante tentar encontrar estratégias para redireccionar esse nosso enviesamento cognitivo, que nos leva apenas a ver um lado.

O primeiro passo para lidar com o síndrome do impostor é aceitar que não vai passar de um dia para o outro, é um processo. Mas mudar certos hábitos irão ajudar nessa mudança:

- Aceitar elogios, ver e admitir os nossos pontos fortes, avaliar o trabalho usando os feedbacks dos outros (fazer uma lista dos comentários positivos), combater a exigência da perfeição e aceitar que todos temos dúvidas e partilhar (vai-se descobrir que há muitas outras pessoas que têm as mesmas ou outras dúvidas), evitar as comparações constantes com os outros, falar sobre as realizações com os amigos e familiares e dar uma pausa nas preocupações fazendo coisas que não têm nada a ver com o seu trabalho e que o relaxam.

 

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

Joana de São João Rodrigues

Joana de São João Rodrigues é Psicóloga, Membro Efetivo da Ordem dos Psicólogos e especialista em Psicologia Clínica e da Saúde. Possui licenciatura e mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. É Pós-Graduada em Educação Social e Intervenção Comunitária e Membro Associado da Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva. É Formadora Certificada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua. Desenvolveu actividade clínica de apoio a doentes com doença oncológica e seus familiares no Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil do Centro Regional de Oncologia de Lisboa, no Serviço da Clínica da Dor. Deu apoio psicológico às famílias e crianças com cardiopatias congénitas internadas no Hospital Vall d'Hebron para cirurgia através da Associació d'ajuda als Afectats de Cardiopaties Infantils de Catalunya (Associação de ajuda aos Afectados por Cardiopatias Infantis da Catalunha), em Barcelona. Desenvolveu actividade de apoio às necessidades das mulheres vítimas de violência doméstica/abuso sexual, pela Associação de Mulheres Contra a Violência, em Lisboa. Esteve integrada em diversos projectos de Cooperação Internacional, onde deu formação na área da promoção da saúde em Angola e Guiné-Bissau e foi técnica de cuidados continuados integrados de saúde mental na Associação para o Estudo e Integração Psicossocial, em Lisboa. Desde 2011 exerce clínica privada com jovens, adultos e seniores e desde Março de 2016 que integra a Equipa da ClaraMente - Serviços de Psicologia Clínica e Psicoterapia, com o objectivo de promover a saúde mental e a qualidade de vida, disponibilizando serviços de Psicologia Clínica e Psicoterapia em consultório em Lisboa e Caldas da Rainha. Desde Abril de 2019 que trabalha no Hospital Lusíadas em Lisboa, nas Unidades de Tratamento de Dor e Oncologia.

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