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Um olhar sobre o Ciúme

2017
jvalerio@netcabo.pt
Psicóloga clínica
Publicado no Psicologia.pt a: 2017-04-02

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Um olhar sobre o Ciúme

O ciúme é um sentimento intrínseco à natureza humana e que é experienciado desde logo, numa fase precoce do desenvolvimento. Pode ser entendido como uma manifestação de emoções desencadeadas pela perceção da falta de exclusividade afetiva por parte da pessoa amada e pela sensação de se estar a dividir, ou mesmo a disputar a atenção, intimidade, dedicação, cumplicidade e afeto com outros, quer estes sejam os irmãos, os primos ou os amigos.

Este sentimento de exclusão está presente, prematuramente, no desenvolvimento com a entrada em cena do terceiro elemento que vai gerar sentimentos ambivalentes na criança: por um lado, o desejo de aceder a uma relação ampliada com o mundo, mas por outro, o temor de perder a sensação de amor incondicional e a segurança afetiva que a relação simbiótica com a mãe lhe transmite.

A resolução eficiente da triangulação implica que a figura materna e paterna estabeleçam uma aliança coesa no modo como lidam com a frustração da criança, garantindo-lhe simultâneamente o amor e a segurança afetiva necessárias.

No entanto, a má resolução da triangulação, poderá comprometer a socialização da criança e os seus futuros relacionamentos amorosos, dando lugar mais tarde ao ciúme patológico. Nestes casos, as relações amorosas adultas, reativam o conflito infantil não resolvido e são vividas com uma sensação de medo e ameaça constante pelo surgimento de um rival (terceiro elemento) capaz de roubar a figura amada. Há uma expetativa permanente e infundada de ameaça na relação, ela própria idealizada e com aspectos infantis relacionados com a ilusão de amor e dedicação exclusivos e incondicionais.

Nos casos de ciúme patológico, verifica-se uma permanente desconfiança e um estado de tensão, angústia e insegurança pelo temor de se ser traído, conduzindo a uma constante monotorização das ações do parceiro, mesmo que este não tenha dado razões para tal. As reacções são desproporcionais e podem mesmo ser agressivas do ponto de vista físico e psicológico, gerando sofrimento para ambas as partes.

Estas pessoas normalmente revelam uma elevada centração nelas próprias e na satisfação das suas necessidades (egocentrismo), sendo muito possessivas, controladoras e levando em pouca consideração a individualidade do outro. Pode igualmente estar presente uma auto-estima deficiente que se traduz no medo em se ser trocado por outra pessoa percecionada como mais interessante e com mais valor.

A reação face à ameaça da perda e abandono poderá traduzir-se num conjunto de emoções que vão desde o pânico à raiva descontrolada, na medida em que a ausência do outro se traduz numa perceção da perda da própria identidade pessoal. O ciúme aqui descrito não mede a intensidade do amor mas acima de tudo o grau de dependência e a imaturidade emocional.

A intervenção psicoterapêutica nestes casos revela-se fundamental, já que o grau de sofrimento é elevado, podendo haver prejuízo nas esferas profissional, familiar e social.

Sendo uma emoção intrínseca à natureza humana, o ciúme, relacionado com o desejo de exclusividade afetiva, não pode ser simplesmente eliminado mas importa saber geri-lo, controlá-lo, aprender a lidar com ele e minimizar os seus malefícios.

A comunicação entre o casal é fundamental e é legítimo que aquele que sente ciúmes possa informar o seu parceiro que esse sentimento o está incomodar mas sem limitar a sua ação, na medida em que essa vivência emocional não lhe dá o direito de agir agressiva e autoritariamente sobre o outro.

Quando é experienciado de forma positiva, o ciúme associa-se a uma conduta de zelo e de motivação para investir no próprio, no outro e na relação.

 

Joana Valério

Joana Valério é Psicóloga, Membro Efetivo da Ordem dos Psicólogos e especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e Especialista em Psicologia da Educação. Possui licenciatura e mestrado em Psicologia (área de especialização de Psicologia Clínica) pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). Realizou formação em Psicoterapia Psicanalítica pela Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica e é Formadora Certificada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). Desenvolveu atividade clínica no Serviço de Psicologia e na Equipa de Almada (consulta externa e internamento) do Hospital Psiquiátrico Miguel Bombarda, ao nível da avaliação psicológica e psicoterapia. Exerceu atividade como formadora e, desde 2012, é técnica do Centro de Recursos para a Inclusão da Cerci, integrada no projeto de parceria com os agrupamentos de escolas locais, onde presta acompanhamento psicológico e psicopedagógico aos alunos referenciados com necessidades educativas especiais. Exerce clínica privada e, desde Março de 2016, integra a Equipa da ClaraMente, Serviços de Psicologia Clínica e Psicoterapia, que visa a promoção da saúde mental e da qualidade de vida daqueles que a procuram.

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