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A morte contada às crianças

2017
joana.collaco@gmail.com
Psicóloga com Mestrado em Psicologia Educacional pelo ISPA - Instituto Universitário. Pós-graduada em Neuropsicologia pelo Instituto CRIAP. Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Possui experiência na área do desenvolvimento infantil, exercendo funções em contexto clínico e em agrupamentos de escolas, prestando serviços ao nível da saúde e da educação, com crianças e adolescentes.

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A morte contada às crianças

Hoje estava mesmo a precisar de ir à minha psicóloga. Ando muito triste, nervosa e precisava de desabafar. Ela olhou logo para mim e pediu-me para sentar no tapete com ela e depois ficou calada.

Só me apetecia chorar e assim foi… depois comecei a contar-lhe que há seis meses a minha avó morreu e eu não percebi porquê. Fiquei muito triste e os meus pais também.

Naquele dia deixaram-me em casa da vizinha enquanto diziam que se iam “despedir” da minha avó. Bem sei que só tenho cinco anos, mas fiquei muito magoada com eles. Primeiro porque não me explicaram o que era isso da morte e, depois, porque não me deixaram ver a avó. No final da noite, quando chegaram a casa, o pai foi ter comigo ao quarto e disse-me que a avó tinha ido viajar e que já não voltava mais. Agarrou-se a mim a chorar e assim ficámos os dois até adormecer.

No outro dia de manhã, acordei muito baralhada e fui ter com a minha mãe que estava na sala sozinha. Disse-lhe que não tinha percebido o que tinha acontecido à avó e ela respondeu-me que a avó tinha ido para o céu, que estava nas estrelas e que todas as noites eu procurasse a estrela mais brilhante do céu. Quando ouvi isto fiquei ainda mais baralhada!

Todos os dias à noite olho pela janela, observo as estrelas e procuro aquela que brilha mais. Devo confessar que é um pouco difícil, pois todas as estrelas são muito brilhantes, mas eu lá me esforço para encontrar. Fico a olhar para a estrela que eu acho ser a mais brilhante e a pensar como é que, naquela coisa tão pequenina, cabe a minha avó que até era bem gordinha.

Penso ainda como é que ela foi lá parar e, rapidamente, descubro que aquilo que o meu pai disse afinal faz sentido. A minha avó chegou às estrelas de avião. Só pode! Mas como é que o avião aterrou na estrela? Continuo sem perceber!

Agora o que mais me preocupa é que os meus pais disseram que daqui uma semana vamos à Disneyland. No início fiquei muito entusiasmada. Sempre sonhei ir à Disney! Mas ontem à noite disseram-me que íamos de avião e eu comecei a chorar. Não quero andar de avião! E se também fico presa nas estrelas como a avó?

Foi então que a minha Psicóloga me agarrou, me deu um abraço e disse: “Sabes, os pais gostam tanto, mas tanto dos filhos que não os querem ver tristes, nem a sofrer. Por isso, às vezes dizem coisas que não são exatamente como acontece na realidade.”

Depois foi buscar um livro. Contou-me uma história sobre animais, onde dizia que quando os nossos animais favoritos morrem já não os voltamos a ver mais. O seu corpo vai para uma caixinha e são enterrados debaixo de terra, num local que se chama cemitério, tal como acontece com as pessoas.

No final, a minha psicóloga disse que o que importa é guardar na nossa memória e no nosso coração todos os momentos bons que passámos com a avó e relembrar o quanto ela adorava viver e brincar comigo. Saí de lá bem mais aliviada e feliz por já poder ir à Disneyland!

 

Joana Collaço

Joana Collaço é psicóloga, tendo obtido o seu Mestrado em Psicologia Educacional no ISPA - Instituto Universitário. É também pós-graduada em neuropsicologia pelo Instituto CRIAP e membro efectiva da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Além de formadora e palestrante, possui experiência na área do desenvolvimento infantil, exercendo funções em contexto clínico e em agrupamentos de escolas, prestando serviços na nível da saúde e da educação, com crianças e adolescentes.

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