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A psicologia liberta-nos, para sermos felizes, e não nos prende “ao olhar do chefe”!

2017
lmaia@ubi.pt
Licenciado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade do Minho. Mestre em Neurociências pela Faculdade de Medicina de Lisboa. Doutorado em Neuropsicologia pela Universidade de Salamanca. Especialista em Neuropsicologia e Psicobiologia pela Universidade de Salamanca. Pós-Doutorado em Ciências Médico-Legais pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar. Docente universitário no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade da Beira Interior. Neuropsicólogo e psicólogo clínico (prática privada). Editor associado da "Revista Psicologia e Educação" (UBI). Editor da “Iberian Journal of Clinical & Forensic Neuroscience” (Portugal). Editor da RUMUS "Revista Científica da Universidade do Mindelo" (Cabo Verde)

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A psicologia liberta-nos, para sermos felizes, e não nos prende “ao olhar do chefe”!

Tem-me ocorrido ao longo dos vários anos de intervenção psicoterapêutica junto a várias populações de utentes um tema bastante divulgado e propagandeado: a ideia que se qualquer um de nós fizer um esforço, tomar as atitudes correctas, orientar a sua vida de forma estável e consciente, então a felicidade individual estaria quase que assegurada, e os momentos de maior fragilidade ou de tristeza seriam apenas isso, apenas pequenos momentos.  

Ora, o que parece ocorrer na maioria de nós é algo um pouco diferente. A maioria de nós parece travar uma batalha consigo próprio para que essa busca pela felicidade seja uma constante, mas parece-me, apenas até uma certa altura da vida. Depois, com o tempo, com as experiências, as dificuldades vão-se acumulando e vamos percebendo que viver é uma tarefa árdua, e que por vezes mesmo, apenas em determinados momentos ou fases da nossa vida é que nos sentimos efectivamente felizes e realizados.  

O que procuro aqui referir é que, se reflectirmos bem, veremos que muitas das nossas angústias vêm do facto de esperarmos sempre demais dos acontecimentos. Esperamos sempre que tudo aquilo que fazemos, todas as pessoas que conhecemos mais proximamente, enfim, todos os nossos projectos nos realizem como seres felizes.  

Isto parece-me actualmente um contra-senso. Já repararam que quando começamos um projecto qualquer (um relacionamento, um novo emprego, novos amigos, o que quer que seja) se depositarmos logo todas as energias e todas as esperanças na satisfação que possamos alcançar estamos automaticamente a colocar-nos num grande risco: o de nos desiludirmos imediatamente?  

Peguemos como exemplo as relações de enamoramento, ou as paixões, que nos assolapam e nos fazem entrar numa espécie de transe, esquecendo muitas vezes que não se está preparado para tal tipo de acontecimento na vida. Alguém que esteja mais fragilizado, mais doente, mesmo psiquicamente, pode cometer um erro gravíssimo: iniciar esse relacionamento depositando de forma cega e com todas as suas esperanças todos os seus recursos, e espera, muitas vezes, da outra parte, o mesmo. Ora, pensemos bem: quando iniciamos algo, e logo de início utilizamos ou depositamos todos os recursos (psicológicos e emocionais) nesse mesmo desafio, o que acha que é mais provável acontecer? Manter a capacidade de esse relacionamento ou projecto, se manter num nível de constante realização ao mais alto nível, ou como por vezes costumo utilizar esta metáfora em psicoterapia, quando se dá tudo no início, o mais provável é que não se consiga manter, para sempre, esse mesmo nível de realização pessoal, e a partir daí, a partir desse momento, a maioria das vezes o que se pode esperar é a frustração de não se conseguir obter esse estado permanente de realização e felicidade?  

Utilizo também muitas vezes uma metáfora bem compreendida e vivida por pessoas que praticam atletismo de grandes distâncias, uma meia maratona, por exemplo. Qualquer atleta experiente sabe que não deve iniciar a prova com todas as suas forças e sair por ali a fora a correr desalmadamente, como se percorrer cerca de 21 quilómetros fosse algo que, se colocar todas as forças no início, passará de forma quase mágica. Qualquer atleta experiente sabe que deve iniciar a prova com cautela, controlando os seus esforços e os dos seus adversários, e apenas se se sentir em forma, se se sentir com forças para forçar o andamento da prova, para impor um ritmo mais forte que os seus adversários para depois sim, estabelecer-se confortavelmente numa posição que possa manter até ao final da prova; se não fizer isso, corre o risco de não conseguir manter esse mesmo desempenho, e acaba por ser ultrapassado por muitos ou ter mesmo que desistir, e mais uma vez o processo repete-se: quando se colocam todas as forças no inicio de algo, para alcançar o seu fim, muitas vezes, eu diria, demasiadas vezes, nem se consegue alcançar esse mesmo fim, ou até por vezes, como também aqui já reflectimos, as vitórias tornam-se demasiado penosas e amargas.  

Por tudo o que referi, tenho cada vez mais trabalhado com os meus pacientes o desenvolvimento de um dizer antigo que gostaria de aqui partilhar convosco. Diz-se que, por vezes, a felicidade, ou na sua procura, se compararmos com uma viagem de comboio, muitas vezes, a viagem, com algumas paragens positivas e negativas, é muito mais importante do que pura e simplesmente a vontade de chegar ao destino. No fundo, diz-se, a viagem é mais importante que chegar ao fim!!!  

Obviamente que para alguns de nós tal metáfora pode não fazer sentido. Até porque muitos utilizamos a metáfora ao contrário. Por exemplo, é muito comum ouvirmos alguém dizer: não interessa muito que a viagem seja muito longa, demore muitas horas e tenha muitas paragens – no fim, tudo terá passado, e eu já estarei em casa. Obviamente que por vezes vamos sentido isso, que as nossas viagens em busca do que queremos, apesar de penosas, acabam por passar, e acabamos por, finalmente, alcançar os nossos objectivos.  

Bom, no fundo o que queria refletir, e termino como talvez devesse ter iniciado esta crónica é que, por vezes, parece que é o facto de se estabelecerem expectativas demasiado elevadas para aquilo que queremos alcançar ou para aquilo que já alcançámos, mas que queremos continuar a manter eternamente, que contribuiu para o nosso sofrimento. Eu explico a minha ideia: é que para que tal aconteça, cada um de nós deve ser capaz de ir passando pelas fases menos positivas da nossa vida, desde o mais simples às coisas mais significativas, e retirar daí os ensinamentos necessários para lidar com situações semelhantes no futuro. Mais ainda, cada um de nós deve perceber que os momentos, as situações, o dia-a-dia, não tem que ser preenchidos por momentos de grande realização e satisfação plena.  

Muitas vezes ocorre que, é porque são tão escassos esses mesmos momentos de felicidade e realização, que vamos dando mais valor a cada momento e àquilo que para cada um de nós é mais importante.  

Contudo, como por vezes não somos capazes de ter uma percepção mais calma da vida, com menos expectativas, começamos a adoecer, começa-se a tornar patológica, doentia, esta procura de felicidade ou aceitação. Posso dar um exemplo: em psicologia, utilizamos por vezes o termo síndrome do olhar do chefe, eu repito, síndrome do olhar do chefe: o que isto significa? Bom, tal expressão caracteriza aquelas situações em que chegamos ao trabalho pela manhã e cumprimentamos os nossos colegas e o nosso chefe (se for caso disso). Se as pessoas no cumprimentam adequadamente nem valorizamos isso (é normal as pessoas cumprimentarem-nos bem); ser por acaso consideramos que a pessoa nos parece chateada, aborrecida ou mesmo zangada, e por isso não nos cumprimenta adequadamente na mesma medida que nós, vem-nos à mente, quase que imediatamente uma questão? O que é que eu fiz de errado? Eu devo ter feito algo de mal. Já fiz asneira, pois se não, a pessoa tinha-me cumprimentado bem.  

Ora, já repararam que alguns de nós pensamos logo nisso, sem sequer considerar que a pessoa pode estar envolta nos seus próprios problemas, preocupações, doenças, enfim. Fazemos depender o nosso bem-estar de uma resposta adequada das pessoas que nos rodeiam, e por vezes, quando não a obtemos, deprimimos e chegamos a esta brilhante conclusão, que julgo só nós humanos sermos capazes de fazer “tão bem”: a pessoa parece-me chateada, deve estar chateada comigo, por isso eu devo ter feito algo de mal, e já agora, eu devo mesmo ser um mau funcionário, ou má pessoa, caso contrário a pessoa não estaria chateada comigo!!!  

Que brilhante conclusão!!! Só mesmo nós!!! Nada existe na situação que nos assegure, à partida, que exista algum problema connosco, mas a nossa insegurança impede-nos de pensar em algo diferente. Enfim… humanos.  

Por vezes, repito, o melhor é centrarmo-nos em nós próprios e naqueles que nos são queridos, e lembrar-nos que para alguns, a viagem é mesmo muito mais importante do que a estação final a que se quer chegar.  

Ser feliz pode ser uma meta, mas não deveria ser uma obrigação… apenas a mera consequência das nossas ações neste mundo.  

Se conseguirem, sejam felizes nos pequenos momentos, e até à próxima crónica.

Luis Maia

Luis Alberto Coelho Rebelo Maia é Licenciado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade do Minho, Mestre em Neurociências pela Faculdade de Medicina de Lisboa, Doutorado em Neuropsicologia pela Universidade de Salamanca, Especialista em Neuropsicologia e Psicobiologia pela Universidade de Salamanca e Pós-Doutorado em Ciências Médico-Legais pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar.
É docente universitário na Universidade da Beira Interior, no Departamento de Psicologia e Educação, onde lecciona nas áreas das neurociências, metodologias de avaliação e intervenção psicológica e psicologia do desporto.
É também terapeuta com consultório próprio na Cidade da Covilhã, onde exerce a sua função de neuropsicólogo e psicólogo clínico, abrangendo diversas áreas da avaliação e intervenção psicológica. Está registado na Ordem dos Psicólogos Portugueses, com Título de Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e Especialista em Neuropsicologia.
Autor de mais de duas dezenas de livros, conta com alguns best sellers, nomeadamente as obras “Educar Sem Bater”, “E tudo Começa no Berço”, “A psicologia do verbo amar e o erradicar da negligência”, “Violência Doméstica e Crimes Sexuais”, e ainda “Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica”.
É ainda autor de centenas de artigos científicos publicados nacional e internacionalmente, tendo sido galardoado com cerca de uma dezena de prémios de mérito nacionais e internacionais pelos seus trabalhos e desempenho no campo da psicologia.

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