PUB


 

 

Breves notas sobre as feiras científicas

2018
simaopedromata@gmail.com
Licenciado e Mestre em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Membro efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Psicólogo na Norte Vida - Associação para a Promoção da Saúde e Investigador externo do Centro de Ciências do Comportamento Desviante (CCCD) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Os seus interesses de investigação são o fenómeno droga, a exclusão social, a marginalidade urbana e a intervenção psicológica nos comportamentos adictivos. É ainda membro do Serviço de Consulta Psicológica nos Comportamentos Adictivos (SCPCA) da FPCEUP e estudante de Doutoramento do Programa Doutoral em Psicologia na mesma Instituição.

A- A A+
Breves notas sobre as feiras científicas

Advertência inicial: Não tenho rigorosamente nada contra as Feiras. Antes pelo contrário. Adoro deslocar-me entre as tendas que lá existem e deixar-me seduzir pelas gritarias dos vendedores.

Decorreu na cidade de Braga, entre os dias 12 e 15 de setembro, o 4º Congresso da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Nesse encontro científico apresentou-se uma autêntica avalanche de comunicações orais e escritas, assistiram-se a largas centenas de discussões e painéis sobre tudo e mais alguma coisa, falaram ainda umas boas dezenas de “key speakers”. O evento afirmou-se ainda pela presença de nomes sonantes de áreas que vão deste a Psicologia, a Política, a Economia, entre outras áreas.

Fui, tal como essas centenas de comunicadores, um dos que participaram no Congresso. Fi-lo com uma comunicação intitulada: “Entre o Tratar e o Punir: Breves Resenhas Biográficas sobre Consumidores de Drogas”. Nessa comunicação procurarei evidenciar alguns resultados empíricos recolhidos e analisados no âmbito do meu doutoramento em psicologia na Universidade do Porto. Mas não é sobre isso que quero refletir neste texto antes um paradoxo destes megacongressos onde tanto se fala e pouco se escuta. Vejamos abaixo.

Quem é que, afinal de contas, com tantas comunicações a decorrer ao mesmo tempo pôde, efetivamente, absorver ou escutar alguma coisa do que ali foi dito? Para o fazer cada um tinha que se multiplicar de modo a estar em muitas salas ao mesmo tempo! Um efeito pernicioso desta feira onde “entra tudo ou quase tudo” traduz-se em comunicações de baixa elevação teórica, empírica ou mesmo reflexiva, interessando apenas o “despejar” no Congresso, naqueles 10 minutinhos, o poucochinho para que fique no currículo. As receitas geradas com um evento deste género servem para financiar parte do evento seguinte com as mesmas características. É um ciclo vicioso que cabe a nós, cientistas em geral e psicólogos em particular, refletir, nomeadamente no que à divulgação da Ciência diz respeito.

Não será aquilo que nos dão a ver e a ouvir nos Seminários e nas Comunicações, manifestamente exagerado face à capacidade de absorção dos participantes que lá estão presentes? Não é, como sei, uma característica exclusiva dos Congressos da Psicologia sendo uma prática transversal às diferentes áreas científicas. Mas estou certo de que com feiras científicas destas, a Ciência é colocada apenas e só ao serviço de quem a pratica (quanto muito!) e muito menos de quem a procura para resolver ou atenuar, pelo menos em parte, os seus problemas.

Como psicólogos devíamos ter a obrigação de saber que existe um limite para o nosso processamento cognitivo dado que, atingido esse limite, qualquer estímulo não apresenta qualquer efeito nem gera nenhum tipo de resposta a não ser o mero desinteresse. Está na altura por isso de, pelo menos nós, psicólogos, pensarmos e refletirmos sobre os efeitos perniciosos destas “feiras científicas” onde muito se diz e fala e pouco se escuta.

Simão Mata

Simão Mata é psicólogo, especialista em psicologia clínica e da saúde e membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses. A sua prática profissional é realizada na Norte Vida – Associação para a Promoção da Saúde, uma IPSS que se foca na intervenção psicossocial com sujeitos em situação de vulnerabilidade social. Exerce atividade clínica em contexto hospitalar no Hospital Senhor do Bonfim (Grupo Trofa Saúde), integrando uma equipa multidisciplinar de Saúde Mental. Colabora ainda como psicólogo clínico no Gabinete Relaction – Psicologia, Terapia Familiar e de Casal.

É ainda investigador externo no Centro de Ciências do Comportamento Desviante (CCCD) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto tendo-se dedicado, nos últimos anos, ao estudo do fenómeno droga, da exclusão social, da marginalidade urbana e da intervenção psicológica nos comportamentos adictivos.

mais artigos de Simão Mata