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É possível erguer uma relação após uma traição?

2018
psi.tsb@gmail.com
Psicólogo. Terapeuta de casal e familiar. Autor do livro “Sentimento de Pertença – Um caminho a percorrer por mim e por ti”

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É possível erguer uma relação após uma traição?

«Os ventos favoráveis só protegem as embarcações com rumo.» Eduardo Sá

Excerto do seu livro: ‘Tudo o que o Amor não é’.

 

A traição tem uma ou várias definições dentro de cada relação amorosa. Porém, raramente este assunto é discutido entre os dois membros do casal. É debatido, inevitavelmente, quando o indesejado (e em muitos casos inesperado) acontece. O que é para si a traição ou quais são as situações em que considera estar a ser traído(a)?

Em terapia de casal entram muitos casais que se questionam sobre a capacidade individual e conjunta de superarem este acontecimento na vida a dois. Todavia, como deixo visível na primeira frase deste texto, cada traição tem uma forma e um significado diferentes para cada casal e para cada pessoa. De facto, por mais semelhantes que elas possam parecer, são bem distintas, pelas características únicas de cada uma das relações interpessoais amorosas e pela forma como se perceciona a traição e «aquela traição». Os casais entram no gabinete com um semblante pesado, sentam-se, olham nos olhos do terapeuta e iniciam um processo difícil. Há dúvidas, raiva, tristeza, desilusão, angústia, arrependimento, culpa, aversão, lágrimas a escorrer pela face e uma panóplia de sentimentos, emoções e pensamentos agitadores do corpo, da mente e da sua relação. Agarrados à consensualidade de sentimentos que os uniu, tentam encontrar razões, respostas (muitas vezes detalhadas), negar, rejeitar, levantar o «porquê?»… Há uma grande desorientação, um desgaste, um quebrar profundo de expectativas, um peso grande que é difícil de ser carregado. Contudo, é de extrema importância o passo que o casal dá: a procura de ajuda através da terapia de casal, a coragem que apresentam ao exporem a situação num momento e num estado de grande vulnerabilidade individual e relacional e, ainda, a esperança que sentem, mesmo que esteja bem lá no fundo, de erguerem a sua relação da «tempestade». Nalguns casos, o casal entra no processo já em fase de rutura, sem o «nós» assumido, perguntando ao terapeuta qual deve ser o caminho a seguir e se é possível fazê-lo ainda em conjunto. Obviamente, não é o terapeuta que sabe o caminho, mas pode e deve ajudar a díade a descobrir, por si, o melhor para cada um e para a relação, apurando a capacidade e disponibilidade de ambos para perdoarem a traição e recriarem o seu relacionamento amoroso. Nalguns casos a pessoa que almeja o perdão, em prol da relação, verbaliza: «Se estivesse no teu lugar, acho que não seria capaz de perdoar!». E você, caro(a) leitor(a), seria capaz de perdoar uma traição?

Sem surpresa, posso afirmar que esta temática é bastante complexa e, por tal facto, devemos ser sérios quando falamos da mesma, se possível evitando julgamentos, em prol do bem-estar das pessoas e dos casais. Para que tal seja possível, reitero, devemos promover a ausência do julgamento fácil, dos palpites «ocos» e das acusações iradas. Sabe porquê? É simples! Ao contrário do que possa imaginar, há casais que sobrevivem a uma traição e, para além disso, fazem renascer a própria relação, tornando-a «melhor do que nunca». Já escutou a expressão, repetida em vários contextos, «as crises são excelentes oportunidades de mudança»? É mesmo verdade! Nalguns casos essa mudança é colocar um ponto final na história que vem sendo criada, noutros casos é reiniciá-la, com novas cores, regras e ingredientes saudáveis. Assim, as crises são também oportunidades de ajustamento relacional, se estivermos a falar de relacionamentos interpessoais e assumindo que ambos têm essa vontade. Se, por um lado, mesmo com esta oportunidade e esforço de ambos, com a redefinição de objetivos e de práticas para a relação, há casais que não resistem, por outro lado, há díades que se fortalecem. Que fique claro que a traição não é uma receita para uma maior satisfação conjugal e para maiores níveis de intimidade, mas, se este cenário surgir, a capacidade de escuta, de negociação e superação, a abertura à mudança e à aprendizagem no seio de uma relação de amor e a assunção de compromissos, pode transformar positivamente uma relação. É a reflexão e a recriação dentro da relação (traída) que pode potenciar a melhoria do relacionamento e não a traição por si mesma. Como é óbvio, a traição é um sismo de magnitude elevada para uma relação amorosa, abalando estruturas basilares da mesma (p.e., a confiança), tendo como efeito a rutura ou, com grande esforço e mudança de atitudes e comportamentos (de ambos), o (re)erguer relacional.

 

Será que pode evitar um acontecimento desta natureza? Pelo menos poderá tentar melhor nutrir a sua relação. Como? Deixo-lhe nove dicas para essa intenção passar à prática. Reflita sobre elas e, pelo menos, pondere a sua utilização dentro da sua relação ao longo do tempo:

 

  • Defina as regras do seu relacionamento na fase inicial da construção do mesmo (e, desejavelmente, ao longo do tempo), podendo clarificar o que é a traição para um e para o outro.

  • Seja sincero(a) e comunicativo(a) com a pessoa que está a caminhar amorosamente consigo, apresentando as suas expectativas para a relação. Partilhem!

  • Comunique de forma assertiva. Lembre-se que o domínio q.b. das regras de uma boa e eficaz comunicação verbal e não-verbal (a expressão e a interpretação da mesma) é crucial na construção do «nós», com gestos de escuta ativa, atenção, partilha, reflexão e transformação.

  • Abra as suas fantasias com o(a) parceiro(a), se sentir que é fundamental partilhá-las, e erotize dentro do relacionamento. Explore o corpo e a imaginação.

  • Explore as potencialidades individuais e relacionais para que o seu relacionamento amoroso assuma uma importância destacada na vida de ambos. Contrarie o hábito de se centrar quase exclusivamente nos defeitos.

  • Conquiste-se e conquiste-o(a) sempre que puder. As pessoas e as relações estão sempre num processo de transformação, por isso se não estiver atento(a), vai «perder o fio à meada» (mais cedo ou mais tarde).

  • Dê bom uso à sua expressividade/expressão emocional e eleve a sua inteligência emocional, onde deve incluir boas doses de automotivação, autorregulação emocional, empatia, criatividade e esperança.

  • Assuma o caráter evolutivo das pessoas e das relações, reconhecendo e compreendendo as oscilações na linha do tempo, desafiando-se à adaptação, em ações com intencionalidade, num estilo cooperativo entre duas pessoas que se amam.

  • Independentemente das suas experiências passadas e dos conselhos que lhe vão chegando e influenciando (em muitos casos, carregados de parcialidade e com uma visão redutora), olhe para a sua relação amorosa como uma dança a dois: é sempre única e pode torná-la muito especial.      

 

Tiago Sá Balão

Tiago Sá Balão é psicólogo (licenciado e mestre em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade do Porto), terapeuta de casal e familiar, palestrante, formador e autor do livro «Sentimento de Pertença – Um caminho a percorrer por mim e por ti». Atualmente, no que se refere ao exercício profissional, assumindo funções em vários espaços, destaca-se a grande dedicação ao Relaction – Gabinete de Psicologia. Nos últimos tempos, de forma regular, tem colaborado com a imprensa, podendo destacar-se as presenças na TVI, Men's Health, Sábado e Vogue. A escrita é uma paixão e um meio que privilegia para impulsionar a reflexão crítica, desafiando os leitores a transformações pessoais, relacionais e sociais.

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