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Uma ode aos pais que nunca desistem dos seus filhos, mesmo que, apesar de todas as ofensas, continuem a teimar em dizer: amo-te filho!

2017
lmaia@ubi.pt
Licenciado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade do Minho. Mestre em Neurociências pela Faculdade de Medicina de Lisboa. Doutorado em Neuropsicologia pela Universidade de Salamanca. Especialista em Neuropsicologia e Psicobiologia pela Universidade de Salamanca. Pós-Doutorado em Ciências Médico-Legais pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar. Docente universitário no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade da Beira Interior. Neuropsicólogo e psicólogo clínico (prática privada). Editor associado da "Revista Psicologia e Educação" (UBI). Editor da “Iberian Journal of Clinical & Forensic Neuroscience” (Portugal). Editor da RUMUS "Revista Científica da Universidade do Mindelo" (Cabo Verde)

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Uma ode aos pais que nunca desistem dos seus filhos, mesmo que, apesar de todas as ofensas, continuem a teimar em dizer: amo-te filho!

Como terapeuta e professor universitário de psicologia, por vezes os dias são muito duros. Principalmente, é muito duro presenciar o aumento significativo de problemas relacionais entre pais e filhos que levam os pais a procurar ajuda para o filho / família.

É angustiante assistir, por vezes, ao enorme esforço financeiro, temporal, emocional, laboral, etc., que os pais têm que fazer para poder levar os seus filhos à minha consulta, e é nesse momento que me sinto abençoado!

Há milhares de variáveis a contribuírem para o facto de as práticas educativas dos pais parecerem cada vez mais estar associadas a algum processo de sofrimento atroz pois, tal como ao longo de toda a história da humanidade, os filhos estão, de facto, a levar os pais a níveis exacerbados de exigências para que se possa educar bem, de forma construtiva, e por forma a que todos estejam calmos e minimamente felizes com o papel de pai e filho.

Se tal processo sempre foi assim, nos tempos em que vivemos, com toda a parafernália tecnológica e ocupação dos filhos em milhares de atividades, supostamente “de enriquecimento curricular”, a situação está como nunca vista antes.

Alguns pais sentem-se verdadeiramente reféns dos seus filhos! O contrário também ocorre, é certo, mas o que estará a acontecer?

Não tenho pretensão de apresentar respostas. Apenas adoro escrever, e prefiro escrever acerca de “coisas” que me tocam profundamente como ser humano e, particularmente, como pai, do que escrever acerca da importância da vida alheia na produtividade de notícias na urbe. Para isso não contem comigo!

Precisamos mudar imediatamente as coisas! Todavia, abjeto e rejeito completamente qualquer comentário ou crítica que me façam, se alguém utilizar o argumento que as crianças hoje são mimadas, que devem ser punidas com castigos físicos, que uma palmada certa na hora certa não faz mal a ninguém, que no seu tempo também apanharam muito e só lhes fez bem. Poupem-me por favor!

Querem ater-se a tradições? Que antes é que era? Eu apresentaria milhares de tradições que é melhor que ninguém queira voltar a existirem. A tradição representa, em grande medida, a estética, a ética e a moral de um povo, num determinado momento sócio histórico e, felizmente, temos a oportunidade de pensar de que forma conseguiremos ultrapassar este flagelo. Hoje.

Admiro uma mãe ou pai que, mesmo ofendido, perdoa o seu filho e lhe mostra uma forma alternativa de viver a sua vida. Admiro os pais que pedem ajuda, não apenas para que, como psicólogo, possa ajudar a que a criança passe a apresentar um comportamento considerado adequado, mas porque entendem que também eles querem aproveitar para proceder às mudanças que se entendam necessárias e possam ser felizes. Mais ainda: serem felizes e levar os filhos a serem verdadeiros defensores de uma vida responsável, digna e demonstrando preocupação para com os pais.

Alguns poderão dizer que estou a ser ingénuo. É possível. Sempre admiti que me engano, que muitas vezes tenho dúvidas, que já passei pelo meu lado negro da vida e, apesar disso, houve alguém que nunca me abandonou: a minha filha, os meus pais (paz à alma do meu pai), os meus irmãos e o nosso tio Padre (paz à sua alma), que era um dos baluartes da família.

O que mais aprendi com a minha família foi a ideia que é com o perdão que reconquistamos a nossa paz, que nos reabilitamos como mulheres e homens em harmonia com a nossa vida, que permitimos que se interrompa o ciclo de agressões e, principalmente, que a maior dimensão de humanidade que existe em nós se expresse na sua verdadeira magnitude: o amor que temos por nós e por um filho!

Quem não perdoa fica preso a uma teia de rancor, ódio, raiva e frustração, e tudo isso cria as condições perfeitas para passar a lidar com os outros de forma agressiva, histriónica, ressabiada, recalcada. Perdoar não é sinónimo de fraqueza, mas sim de sabedoria e de uma humildade sem limites.

O que não perdoa fica sentado eternamente no seu castelo, cheio de certezas, à espera que lhe venham pedir desculpas para, aí, e apenas aí talvez, depois de fazer todo o mundo saber que a outra pessoa se rebaixou aos seus pés, talvez ponderar perdoar-lhe (para mostrar a pretensa grandiosidade e o quanto é uma pessoa especial, pois que até perdoa quem não lhe parece merecer perdão!). Que soberba!

Aquele que realmente perdoa nem precisa que o filho ou outra pessoa lhe peça perdão. O perdão não vem de fora, de quem ofende, de quem não cumpre… O perdão vem de cada um de nós, vem da MINHA ESCOLHA DELIBERADA EM SER LIVRE DE PERDOAR E, ASSIM, LIVRAR-ME DO FEL E AMARGURA QUE ESTAVAM DENTRO DE MIM!

É preciso coragem? Claro! Mas a sabedoria e a humildade são muito mais importantes neste ato de perdoar. Reparem que se eu perdoar quem me magoou, mesmo que a pessoa não queira pedir desculpas e nem considere que deve fazê-lo, eu estou a exercer um direito MEU… SOU EU QUE PERDOO O OUTRO, E NINGUÉM ME PODE TIRAR ISSO!

Quem ofende fica perdido e mergulhado em certezas efémeras, em ressentimentos que apenas o destruirão, que o transformarão numa pessoa frustrada e adoentada, e cujo futuro se vai encarregar de lhe mostrar e devolver esse rancor.

Quem perdoa, liberta-se! É como se tivesse no peito uma enorme esponja cheia de veneno e, em vez de a manter e cultivar, optar por espremê-la. Assim, toda aquela mágoa sai naturalmente de si, e resta então um espaço, havendo que aprender a ser preenchido de outra forma. O que trabalho com os pais e filhos é que aceitem preencher esse espaço com o relevar da capacidade de nem sequer se sentirem ofendidos. É curioso que, depois de algum tempo, alguns pais e filhos são já muito capazes de não se sentirem minimamente ofendidos, mesmo quando um filho é inadequado. Isso ocorre porque já não são alimentados por este sentimento de amargura quase castradora e retributiva.

Quanto ao leitor não sei, mas cada vez mais trabalho com os pais e filhos a capacidade de amar e pedir ajuda quando precisam.

Posso ser ingénuo no que defendo, mas sei que, possa a minha filha fazer o que fizer, eu nunca ficarei verdadeiramente magoado com ela. E uma das coisas que mais a desarmam quando é teimosa comigo é eu dizer-lhe, “estou triste contigo, porque te amo, e não há nada que faças que me obrigue a deixar de te amar!”

Que todos os pais e filhos desenvolvam mais uma linguagem de perdão e de amor. O rancor apenas destrói a pessoa que não perdoa (e é tanto mais uma pena, pois que perdoar é uma escolha apenas sua). O perdão eleva-nos a um patamar em que pode haver desavenças - isso é impossível de evitar, e até são saudáveis - mas a mim, ninguém me pode impedir de amar e perdoar os meus!

E se alguém considerar que estou a usar a linguagem de oferecer a outra face, é porque não percebeu nada do que escrevi: se a linguagem for de amor e perdão, nem sequer existe a primeira bofetada, pois quem ama, perdoa, respeita e não agride!

Um beijo a todos os pais e filhos que precisam descobrir este caminho.

Luis Maia

Luis Alberto Coelho Rebelo Maia é Licenciado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade do Minho, Mestre em Neurociências pela Faculdade de Medicina de Lisboa, Doutorado em Neuropsicologia pela Universidade de Salamanca, Especialista em Neuropsicologia e Psicobiologia pela Universidade de Salamanca e Pós-Doutorado em Ciências Médico-Legais pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar.
É docente universitário na Universidade da Beira Interior, no Departamento de Psicologia e Educação, onde lecciona nas áreas das neurociências, metodologias de avaliação e intervenção psicológica e psicologia do desporto.
É também terapeuta com consultório próprio na Cidade da Covilhã, onde exerce a sua função de neuropsicólogo e psicólogo clínico, abrangendo diversas áreas da avaliação e intervenção psicológica. Está registado na Ordem dos Psicólogos Portugueses, com Título de Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e Especialista em Neuropsicologia.
Autor de mais de duas dezenas de livros, conta com alguns best sellers, nomeadamente as obras “Educar Sem Bater”, “E tudo Começa no Berço”, “A psicologia do verbo amar e o erradicar da negligência”, “Violência Doméstica e Crimes Sexuais”, e ainda “Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica”.
É ainda autor de centenas de artigos científicos publicados nacional e internacionalmente, tendo sido galardoado com cerca de uma dezena de prémios de mérito nacionais e internacionais pelos seus trabalhos e desempenho no campo da psicologia.

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