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A depressão no colo da pessoa que me ama

2017
psi.tsb@gmail.com
Psicólogo. Terapeuta de casal e familiar. Autor do livro “Sentimento de Pertença – Um caminho a percorrer por mim e por ti”

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A depressão no colo da pessoa que me ama

«O oposto da depressão não é a felicidade… é a vitalidade»

Andrew Solomon

 

A depressão é um peso pesado e doloroso que muitas pessoas carregam. De tal modo gravativo que podem afundar-se no terreno vulnerável da sua vida, ao ponto de deturparem significativa e seriamente a sua visão da relação consigo próprias, com as outras pessoas e com o mundo. Se algumas pessoas acreditam (ou lançam a mensagem) que o passar do tempo é a resolução de todos os problemas, para quem carrega uma depressão, acredite, o tempo que passa é uma triste realidade do agravamento da sintomatologia, aumentando a sensação de impotência, a desilusão, o desencanto e a incapacidade. Acentua-se um cenário em tons negros, transformando-se numa insuportabilidade. Não há luz! Não há saída! Há a perceção de perpetuação do sofrimento, sendo muito difícil acreditar que um dia tudo vai melhorar. Há o comprometimento das dimensões afetiva (por exemplo: perda de interesse e sentimentos de tristeza e vazio), cognitiva (por exemplo, expectativas negativas e pessimistas em relação ao futuro e ideação suicida), somática (por exemplo, perda de energia, alterações significativas no peso e alterações no sono) e comportamental (por exemplo, isolamento social e lentificação verbal). Como se constata facilmente, há uma falta de vitalidade instalada nas pessoas que sofrem com a depressão. Tal como se retira do testemunho do autor que citei inicialmente, a vitalidade é um elemento-chave da vida, pois sem ela, muito mais facilmente, a pessoa cria uma visão limitada do mundo, carregada de tons escuros, e instala em si uma desesperança dilaceradora, caindo num buraco bem fundo.

Considerando o parágrafo anterior, imediata e inevitavelmente coloca-se a seguinte questão: como pode uma pessoa neste estado de profunda tristeza, desprovida de energia (física e mental), sair de um local tão distante e de difícil acesso à realidade desejável ou equilibradora? Para mim, o que há a fazer, sendo simples de dizer e complexo de executar, é mobilizar esforços para ajudar a pessoa a sair da difícil situação. Sozinha muito dificilmente conseguirá. É essencial o apoio de profissionais na área da saúde, familiares e amigos. Contudo, o trabalho inicial vai requerer uma comunicação boa e persistente, efetuada de cima do buraco para baixo (onde está a pessoa com depressão), sabendo que as respostas da pessoa que está no fundo do buraco podem escassear, a recusa de ajuda poderá ser verbalizada ou entendida pelo silêncio e a crença na veracidade e capacidade transformadora dos atos e das palavras de quem está a tentar ajudar pode estar fortemente comprometida, pelo facto das tentativas de ajuda poderem ser percecionadas como palavras ou sugestões de intervenções provindas de quem não faz a mínima ideia do que é estar no fundo do buraco. Há que ser persistente! É a única forma. Porém, esta persistência requer a contribuição de um trabalho de equipa. Muito dificilmente alguém sozinho conseguirá tirar uma pessoa do fundo de um buraco tão grande. O trabalho de equipa é muito mais eficaz. Nesse sentido, os recursos humanos mobilizados devem ser do campo profissional, familiar e social. Estão todos convocados. Sem todos eles, a remar no mesmo sentido, o trabalho estará mais dificultado. Devem ser recrutados, treinados e capacitados para levarem a sua vitalidade e persistência na tentativa de ajuda, como motores exemplares da mudança desejada na vida do outro.

Sinceramente, custa-me ver a ligeireza como a sociedade encara a depressão! Basta pensar, para dentro de nós mesmos, se seremos capazes, de forma solitária e desprovidos de energia, sair de um buraco muito fundo. Numa visão mais individualista, ao estilo «salve-se quem puder», muitas pessoas acreditam que para sair da depressão basta ter (força de) vontade. Será que a solução passa exclusivamente pela vontade de mudar? Não! Somos bem mais complexos do que isso e a depressão é bem mais complicada do que uma grande parte das pessoas imagina. Não é um estado de tristeza passageiro! Este pensamento mágico da vontade, como se fosse um botão de ligar e desligar (e altamente culpabilizante para quem está num estado de sofrimento tamanho), é semelhante à expressão «querer é poder!». Querer é apenas uma parte do processo. Há todo um trabalho, preferencialmente conjunto, que incentivará o querer e transformá-lo-á num agir, planeado e organizado, em prol dos objetivos que se traçam. É um caminho carregado de dimensões impulsionadoras para a concretização dos objetivos, desejavelmente feito por várias pessoas (e não numa caminhada solitária, cujo primeiro passo rumo a este novo caminho pode nem sequer surgir). Apelo, assim, a uma maior corresponsabilização dos indivíduos pelos estados de saúde alheios, inclusivamente aquelas pessoas que são corresponsáveis pelo estado de quem está em sofrimento – presentes, por exemplo, no contexto político, social, laboral e familiar. Também são bem-vindas ao processo de ajuda, seja de forma direta (participando ativamente – normalmente as pessoas mais próximas: familiares e amigos) ou indireta (eliminando as práticas caducas e aplicando novas e eficazes – por exemplo, os agentes políticos e os responsáveis pelas políticas desprezíveis vigentes nalguns contextos laborais). Caso contrário, a manutenção ou agudização de práticas ineficazes e/ou irresponsáveis, sem dúvida nenhuma, reproduzirão consequências gravíssimas para a saúde das pessoas. Basicamente, acredito que podemos e devemos fazer mais pela saúde mental e, obviamente, de forma séria, num sentido micro (por exemplo: as famílias) e macro (por exemplo: as políticas, especialmente no âmbito da saúde).

Não nos esqueçamos, porém, de uma outra reflexão importante. As pessoas que vivem mais perto, especialmente os familiares mais próximos, também vivem em sofrimento e são, muitas vezes, incapazes de darem as melhores respostas, por se sentirem incapazes, impotentes e desgastados pela vivência diária com uma pessoa em grande sofrimento, pelas tentativas de ajuda falhadas e pelo desconhecimento das melhores estratégias. Começam, também eles, a perder a vitalidade necessária para construir um rumo vitorioso. É por isso que o pedido de ajuda aos profissionais habilitados – por exemplo, psicólogos e psiquiatras – deve ser um recurso ativado imediatamente, não só no apoio à pessoa que vive em depressão, mas também às pessoas que convivem diariamente com a mesma e que, portanto, são parte essencial do processo. Como tal, estas últimas, não só precisam de estar bem consigo próprias, como também precisam de recursos para ajudar a pessoa que amam. Muitos elementos significativos, principalmente da família, carregam no colo a depressão da pessoa amada e, quando já não podem mais, nalguns casos, desistem do processo de ajuda, da outra pessoa e/ou de si próprias, podendo também cair num estado de grande sofrimento. Os sujeitos da família, como elementos mais significativos da história da maioria das pessoas, não podem ser esquecidos! Desta forma, é fundamental que o pedido de ajuda seja feito atempadamente (em muitos e muitos casos o pedido é demasiado tardio e noutros nem sequer chega) e que a família seja envolvida, para aumentar as probabilidades de sucesso no tratamento da depressão e na reconstrução dos laços familiares (que são elos de ajuda essenciais).

Finalmente, deixo uma frase que costumo usar no quotidiano profissional: «o pedido de ajuda é um ato de inteligência» (e não um sinal de fraqueza, como, infelizmente, muitas pessoas pensam), porque é o início de uma mudança imprescindível. Todavia, convém saber que em muitos casos não falta capacidade às pessoas para pedirem ajuda, pois, mesmo com essa vontade, o grande problema está nas barreiras do acesso aos serviços (por exemplo, pela dificuldade em suportar as despesas no setor privado, face às suas condições socioeconómicas, e pela dificuldade, de nível avançado, num acompanhamento regular nos locais públicos, em parte pela falta de colocação de psicólogos). Perante este cenário, há que, em primeiro lugar, incentivar todas as gerações ao pedido de ajuda, de preferência atempado, ou seja, normalizar a interdependência, a entreajuda, em substituição de uma cultura individualizada, onde predomina o lema «cada um por si»; e em segundo lugar, enquanto cidadãos e/ou profissionais de saúde, temos que ajudar a sociedade a exigir mais de quem tem poder para implementar ações que protejam e empoderem mais as pessoas nos seus contextos laborais, sociais e familiares e que, ainda, possibilitem (a todos os que precisam) um acesso mais rápido, acessível e de forma continuada aos serviços de apoio/ajuda especializados. Em ambas as situações, estou a falar de mudança de mentalidades e de ações, cujo objetivo principal é aumentar a qualidade de vida e o bem-estar de todos nós, ou seja, a vitalidade que merecemos e que necessitamos para almejar a felicidade

Tiago Sá Balão

Tiago Sá Balão é psicólogo (licenciado e mestre em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade do Porto), terapeuta de casal e familiar, palestrante, formador e autor do livro «Sentimento de Pertença – Um caminho a percorrer por mim e por ti». Atualmente, no que se refere ao exercício profissional, assumindo funções em vários espaços, destaca-se a grande dedicação ao Relaction – Gabinete de Psicologia. Nos últimos tempos, de forma regular, tem colaborado com a imprensa, podendo destacar-se as presenças na TVI, Men's Health, Sábado e Vogue. A escrita é uma paixão e um meio que privilegia para impulsionar a reflexão crítica, desafiando os leitores a transformações pessoais, relacionais e sociais.

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