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Por que a Psicologia é ciência e sabedoria?

2009
ellen@medaumaideia.com.br
Doutorada em Psicologia e psicoterapeuta

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Por que a Psicologia é ciência e sabedoria?

Psicologia como ciência

Há décadas a Psicologia tenta se afirmar como uma ciência “igual às outras”. Psicólogos, sobretudo nos Estados Unidos, dedicam a maior parte de suas carreiras a executar experimentos em laboratórios que obedeçam aos parâmetros de ciência, ou seja, tratam de fatos, fenômenos mensuráveis, quantificáveis, e que podem ser replicados por outros cientistas em iguais condições. Penso que essa é uma tarefa inglória. Os fenômenos humanos são de tal complexidade, de tal diversidade, que a metodologia científica clássica nunca dará conta de apreendê-los tal como são. O que não quer dizer que os experimentos sejam inúteis. Está aí a neurociência e suas incríveis descobertas, muitas das quais reafirmam o que a clínica psicológica há muito conhecia. Com freqüência, os experimentos e pesquisas empíricas servem para os psicólogos conseguirem financiamento para seus trabalhos, ou seja, garantirem um emprego, uma fonte de renda para sua atividade laboral, uma vez que as agências financiadoras valorizam, em maioria, pesquisas que consideram “científicas”. É preciso olhar para as conseqüências desse fato: as pesquisas científicas eventualmente conduzirão à descoberta de medicamentos – logo a indústria farmacêutica tem interesse nelas e as financiam. E as universidades precisam desses financiamentos para sustentarem seus departamentos de Psicologia.

Um outro ponto é a procura da “respeitabilidade” oferecida pela ciência. Se a Psicologia não pertence à área privilegiada da ciência, os profissionais que a ela se dedicam são de “segunda classe”, seus rendimentos financeiros pequenos, seu lugar na academia sempre precário, dependente de fundos universitários orientados muito mais para as pesquisas tecnológicas.

Por mais que todos os dias falemos da rapidez da informação, da “aceleração do tempo”, das mudanças incessantes trazidas pela tecnologia ao nosso cotidiano, há algumas  coisas neste mundo que  demoram muito a mudar... Uma delas é a noção de ciência – e há tempos esta noção deveria ter sido ampliada. No começo do século XX, o matemático, e depois filósofo, Edmund Husserl estabeleceu um modelo para a ciência que se revelaria mais amplo do que o clássico, cartesiano, que nos rege hegemonicamente. Por que? Porque rompia com a dicotomia sujeito-objeto, consciência-corpo, com a pretensão de objetividade dela resultante, com seus critérios de verdade. A Fenomenologia postula que a relação do sujeito com o objeto é indissolúvel – portanto, não há uma objetividade que exclua o sujeito da experiência, de qualquer experiência, inclusive a de pesquisa de conhecimentos. A subjetividade está presente em tudo que se refere ao humano. Depois de Husserl, na década de 1920, Martin Heidegger, o filósofo alemão discípulo de Husserl, acrescentará: este sujeito é um Dasein, um ser-no-mundo. Todo conhecimento advem de seres humanos que se inserem em um mundo (físico, social, cultural, biológico) do qual qualquer separação é artificial, construída/teórica. Como poeticamente descreveu Maurice Merleau-Ponty:

 

“Retornar às coisas mesmas é retornar a este mundo antes do conhecimento cujo conhecimento fala sempre, e com respeito ao qual toda determinação científica é abstrata, representativa e dependente, como a geografia com relação à paisagem onde aprendemos primeiramente o que é uma floresta, um campo, um rio."

 

A Fenomenologia não exclui as premissas e a atuação das ciências clássicas, mas deixou o legado do questionamento de sua hegemonia no campo do conhecimento e, principalmente, afirmou o sujeito como presente na elaboração de toda produção científica. “Presente” como interessado, situado em uma cultura, economicamente condicionado, influenciado por seus preconceitos e valores, inserido no seu tempo histórico. Não existe “pureza” científica, entendida, inclusive, como  “objetividade” nas afirmações de verdade, neutralidade do cientista.

O que tudo isso nos revela?

A importância da valorização da Psicologia como ciência cujo paradigma não é o mesmo daquela inaugurada por Galileu e Descartes.

A consideração de que toda a realidade deve ser conhecida e investigada por meio de disciplinas múltiplas e integradas.+

A afirmação de que o sujeito humano não é um ser fragmentado em psique e soma, sujeito e mundo e, portanto, conhecê-lo e atuar nele e no mundo implica na adoção de princípios e métodos que respeitem estes entrelaçamentos.