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A geração de jovens considerados ´multitarefa´ e o modelo de educação cartesiano - paradoxos contemporâneos necessários na direção de novos paradigmas para a escola

2010
fatimaburlamaqui@terra.com.br
Psicóloga, psicopedagoga, mestre em educação e professora universitária

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A geração de jovens considerados ´multitarefa´ e o modelo de educação cartesiano - paradoxos contemporâneos necessários na direção de novos paradigmas para a escola

1. INTRODUÇÃO

A mídia vem tratando das demandas dos jovens urbanos, apontando, entre outras informações, a prática cada vez mais comum, especificamente em torno de dois terços dos jovens pesquisados pelo canal de música MTV, veiculado pelo jornal Estado de São Paulo, admite que fazem mais de duas atividades ao mesmo tempo, como ver TV e ler.

No contexto escolar tal comportamento é tido como inadequado em tendo em vista as funções superiores da atenção concentrada que estariam prejudicadas pela multiplicidade de informações.

O modelo cartesiano que é marca da educação que tivemos e ainda temos, desconsidera os múltiplos aspectos envolvidos na concepção de homem pós-moderno. O racionalismo que explicou a filosofia e pensamento do século XVII, apresentada por Descartes como um marco histórico para o desenvolvimento da ciência, não consegue explicar o processo de construção do conhecimento.

Desta forma, reduzir o homem aos seus aspectos racionais é limitador, assim como é limitante, o ensino que considera somente tal dimensão, correndo o risco de ser enfadonho e cansativo, ao propor aulas que atingem somente a vertente cognitiva, desconsiderando a multideterminação em sua constituição.

As revistas especializadas no campo das corporações, já vem apontando as características comportamentais da Geração Y, referindo-se àqueles que nasceram entre os anos 1982 e 2000, como impacientes e insubordinados, buscando novos desafios como critério para se manter no emprego.

 Estes sujeitos também trazem comportamentos similares aos jovens “multitarefa” no que se refere ao uso das ferramentas virtuais e de comunicação ao mesmo tempo em que desenvolvem um projeto. Retê-los tem sido um desafio importante nas organizações atuais, aspecto que aponta para a relevância de se compreender o processo de construção do conhecimento deste grupo social.

Assim, considerando esse aluno tido como “multitarefa”, e a corrente teórica que caracteriza o pensamento complexo pós-moderno, é que se pretende realizar uma investigação com o propósito de compreender quem é esse sujeito, como ele vem se apropriando do conhecimento com a pluralidade de conexões realizadas. Como esta construção tem se apresentado no que tange a extensão e profundidade de assimilação de conteúdos.

 

2. DESENVOLVIMENTO

Ao se tratar do processo de ensino e aprendizagem dos jovens e crianças na pós-modernidade não se pode deixar de considerar as características multidimensionais apresentadas por Morin (2001: pg.38) ao afirmar que o “o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional (...) O conhecimento pertinente deve reconhecer esse caráter multidimensinal e nele inserir estes dados (...)”

O que se observa em grande parte das escolas, é a relação de ensino e método calcado no modelo cartesiano que se apresenta na formulação dos conteúdos de forma fragmentada, sequencial e linear. Compreendendo, na maior parte das vezes, somente a dimensão racional daquele que aprende.

Para Santos (2003) os professores elaboraram, durante muitos séculos, o modo de educar o homem a partir da lógica da visão moderna (racional) e esse conceito tem sido a base para a formulação da metodologia de ensino denominada didática tradicional.

O jovem aluno, vivenciando seu momento de existência globalizada e multiconectada, se apresenta contextualizado e sofrendo todas as influências e influenciando o seu meio,

O indivíduo aprende não apenas usando a razão e o intelecto, mas também sensações, emoções, sentimentos e a sua intuição. Como um ser contextualizado, o indivíduo é uma organização viva, um sistema aberto, possuidor de uma estrutura própria de auto-regulação. (AKIKO, 2003, pg.54)

Suas funções psicológicas superiores sofrem as interferências sócio-culturais deste momento histórico marcado pela velocidade com que as mudanças ocorrem, o excesso de exposição nas redes sociais e, sobretudo, pela superficialidade e banalização com que a própria pesquisa vem sendo tratada pelos jovens alunos que se utilizam dos sites de busca, sem, muitas vezes, exercerem um movimento crítico de análise e aprofundamento teórico.

Tal ambiente de aprendizagem se apresenta, por outro lado, bastante criativo e rico em estímulos diversos que possibilitam sinapses neurológicas velozes, quadro esse que necessita de investigações no sentido de se compreender como o processamento desse excesso de informações vem sendo tratado e assimilado pelo sujeito que aprende.

 A criança e o jovem que se encontram na escola, já não apresentam um comportamento típico das gerações de seus pais, quando do método de estudo. Em geral são consideradas mais “inteligentes” que as crianças de outrora, haja vista o constante e crescente estímulo a que tem acesso, gerando um número bem maior de conexões entre os seus neurônios.

São essas as crianças e jovens que conseguem realizar várias tarefas ao mesmo tempo e ainda conseguem bons resultados na escola, é o que nos revelou a revista Veja em reportagem recente.

Vigotski (2001) já insistia em afirmar, em contraposição aos princípios da psicologia científica que a composição do ato de pensar é efetivamente mais complexa e incorpora momentos que são exclusivamente seus e não permitem reduzi-las a um fluxo de imagens simples e livre.

Morin (2001) insiste que a educação deve se voltar às possibilidades naturais da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular a inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos conhecimentos de conjunto em casos particulares.

A escola, ao fazer uso da fragmentação do conhecimento e mesmo de sua linearidade, revela incompetência em lidar com os processos globais que envolvem os acontecimentos da história do homem, bem como da construção da ciência e demais conteúdos acumulados.

Desta forma, seus alunos que processam as informações a partir de modelos com características de totalidade complexa e de hipertextos, como a linguagem da internet (metaforicamente falando), podem revelar dificuldades no desenvolvimento de competências dentro e fora da escola.

 

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

 

ACZEL, Amir D., O caderno secreto de Descartes: um mistério que envolve filosofia, matemática e ciências ocultas. Rio de Janeiro: Zahar: 2007.

BRASIL., Sandra., Tudo ao mesmo tempo e agora. [2008]. Disponível em: http:/:/veja.abril.com.br. Acesso em 08 de fevereiro de 2010.

BURLAMAQUI, Fatima. R.R. A psicopedagogia na escola: uma “nova roupagem” para antigas questões da relação psicologia e educação? . Campo Grande – MS. 2000. Dissertação de Mestrado.

MICHEL, T., Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez. 2004.

MORIM, E., Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez. 2001.

ROCHA, M., Impacientes, infiéis e insubordinados. [2008]. Disponível em: http:/portalexame.abri.com.br. Acesso em: 08 de fevereiro de 2010.

SALVADOR, César., C. Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artes Médicas.1999.

SANTOMÉ, Júlio, T., Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas. 1998.

SANTOS, A., Didática sob a ótica do pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina. 2003.