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Distúrbios em rede na escola: escola um organismo vivo

2011
veramendes.caminho@gmail.com
Licenciada em Psicologia Clínica e do Aconselhamento pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Especialidade em Consulta Psicológica e Psicoterapia administrada pelo IPAF e em Gestão de Recursos Humanos pelo CIDEC. Formadora nas áreas de ´Psicologia/Psicossociologia, Orientação Vocacional, Práticas de Aconselhamento e Orientação e Relações Humanas´, credenciada pelo Conselho Científico-Pedagógico de Formação Contínua. Prática em consulta privada desde 2000 até à data. Terapeuta Internacional Regressiva (abordagem transpessoal, Deep Memory Process, DMP), Psicóloga do Agrupamento de Escolas Francisco Arruda.

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Distúrbios em rede na escola: escola um organismo vivo

A noção da entidade Escola enquanto local de ensino estático e absoluto, onde a figura do Professor ocupa um lugar isolado não faz, hoje em dia, qualquer sentido. Não traduz uma realidade, não alcança objectivos, não produz resultados.

Consequências?

A Escola está doente e urge por cuidados que lhe devolvam o sentido, a orientação e a dignidade própria.

A realidade do acto de ensinar, entendido como obrigação inerente a uma função profissional - a de Professor – função essa que se estudou na faculdade para depois ensinar aos supostos alunos, corresponde a uma «colagem» directa e linear que não encontra terreno fértil nem nos próprios Professores, quanto mais em Seres Humanos (alunos) que, continuamente, lhes lembram dos seus «falhanços», mexem nas emoções e os frustram diariamente. No Final, demonstram à Sociedade em geral que trabalham pouco, mal e são os “sortudos que têm um período de férias enorme”.

Ora, se antes «os culpados» eram os alunos que não aprendiam porque não se aplicavam o suficiente, ou adormeciam nas aulas pelo cansaço do trabalho no campo e os pais precisavam de mais braços trabalhadores na lavoura… hoje «os culpados» são, comodamente, os Professores que não ensinam, que não sabem impor o respeito, que não valorizam o empenho mas apenas os resultados das provas escolares, que não compreendem as dificuldades dos alunos. Para completar a panóplia dos “nomeados para os melhores culpados” temos os Pais dos meninos que não aprendem – os Encarregados de Educação - que depositam os filhos na Escola e “não querem saber”; temos a Direcção Escolar que não “avisa de nada a tempo e nem eles próprios percebem o que andam a fazer”; temos o Ministério da Educação que “sabemos bem para onde vão os dinheiros” e, claro - «last but not lest» - temos o Governo que enfim, “os políticos são uns aldrabões e falam falam mas fazer… é a desgraça que se vê!”.

Bom… e o “òscar vai para!!... e porque os concorrentes são todos muito bons mas só podemos ter um vencedor…” – a Doença!! A doença física e mental, as perturbações psicológicas e psiquiátricas, as dificuldades de aprendizagem, as reformas antecipadas, o esgotamento profissional ou «bur-out», o desemprego, ui !... e aí vem ela… a famosa «Crise» que é tão famosa, mas tão famosa ! que não temos dúvidas… vence este «concurso» e não deixa margem para dúvidas !!

Mas então vejamos:

- Se o Ensino Especial “está atolhado até ao teto e sem recursos de resposta”;

- Os Psiquiatras “drunfam os alunos e têm listas de espera superior a 2 meses”;

- O apoio individualizado “serve para fazer os TPC que deveriam ser feitos com os pais”;

- Os Educadores Sociais e Mediadores “são poucos para os alunos complicados que há”…”;

-Os dos Centros de Saúde e Hospitais não têm mãos a medir e não podem dar resposta só aos “meninos da Escola” e…

-Os Psicólogos existem em cada vez menos Escolas e não “se percebe muito bem o que andam lá a fazer… … então se todos estes «Especialistas» existem e “até temos bons especialistas em Portugal”, todos os sabemos…porquê que a Escola está doente e o “ambiente que se respira envenena tudo e todos”?!!?…

Resultante da experiência e reflexão, ao longo de 9 anos, enquanto Psicóloga de uma Escola Pública e da confirmação diária sobre o empenho e valor próprio de cada destes «Especialistas» que constituem a entidade ESCOLA, torna-se evidente não são apenas os alunos a trazerem com eles toda a «bagagem» sociocultural e emocional advinda de um contexto pessoal, familiar e social, cada vez mais complexo e difícil de lidar. Esta bagagem individual e contextual, contamina apetências naturais para crescer, maturar e aplicar saberes que aguardam por um local contentor que alimente por inteiro cada esforço, cada ensaio. Do ponto de vista físico/biológico, sabemos que somos constituídos por cabeça, tronco e membros; mas também de articulação, tendões, capilares vasos e artérias… ligações em REDE que, paralelamente ao que acontece no organismo Escola, devem permitir uma comunicação saudável, fluida e genuína entre os diversos órgãos, quer sejam os órgão físicos quer sejam os órgãos escolares.

Estes últimos, os órgãos escolares - como a Direcção, o pessoal Docente e não Docente, Directores de Turma, Tutores, Administrativos, Técnicos e Operadores Especializados internos e externos – necessitam urgentemente de ser cuidados e apoiados no trabalho diário que executam. As vozes que escutam continuamente não podem ser apenas as das exigências e reclamações da Escola na figura do aluno, do Enc. Educação, do Coordenador, da Direcção… necessitam de ser eles os ouvidos, os cuidados e apoiados ao longo do processo iminentemente interno de reconhecimento da sua própria «Voz Interior»… aquela jamais se extingue mas que talvez lá para traz, tenha ficado amordaçada fora das sala de aula, adormecida no esquecimento de um canto escuro, ou simplesmente desinvestida.

Dito de uma outra forma, a motivação/desmotivação pessoal que está na base de cada um dos diversos elementos da COMUNIDADE ESCOLAR encontra-se perdida e humilhada dentro deles próprios e sem forma de calar, apenas investida no problema que lhes cresce ao colo… o insucesso dos alunos, o descontentamento geral, a infelicidade de todos. Assim, ninguém pode estar disponível para coisa alguma, muito menos para ensinar a alegria de aprender, para redescobrir a vitalidade que, tal como na rede da circulação sanguínea no corpo humano, assegura a saúde de todos e de cada um dos órgãos vitais, quer sejam físicos quer sejam escolares.

Deparamo-nos com um Corpo Docente e Não Docente esgotado e desvalorizado na sua individualidade própria e profissional. Os alunos, tal como um «coração» físico colocado no Organismo Escola, constituem o órgão vital que manifesta a insuficiência de irrigação pelas redes parental, social e escolar.

Aprendi que, tal como acontece no Corpo Humano (físico), os órgãos vitais escolares poderão reencontrar a eficiência funcional, se a REDE DE INTER-LIGAÇÕES se basear em INTER-RELAÇÕES emocionalmente significativas e compensadoras. Quer isto dizer que se cada órgão ou elemento escolar encontrar disponível um suporte emocional que valide o seu empenho pessoal, redireccione o seu esforço criativo e estimule o auto e hetero-reconhecimento do trabalho desempenhado… a REDE FUNCIONAL ESCOLAR ganha saúde porque fica impregnada de sentido, de «significados partilhados», de relações que para além de «profissionais» são particularmente contentoras da especificidade humana … ou seja, imbuídas de um espírito que, para ser de cooperação como é o ideal, CONTEMPLA A «HUMANIDADE» INTRÍNSECA AO SER.

O trabalho no Serviço de Psicologia e Orientação que executo, tem crescido nesta aposta de uma perspectiva iminentemente Relacional, de ligação «com e entre» os elementos da Comunidade Escolar alargada, buscando o valor e a harmonia das «partes» visando o equilíbrio do «Todo» sentido como Escola. Concretamente este objectivo assenta em métodos activos de escuta e de abordagem, práticas de consciencialização corporal e emocional centradas na informalidade relacional e na disponibilidade para o aconselhamento directo; nas actividades e respostas baseadas no enquadramento holístico que potencializa o desenvolvimento de relações interiormente e contextualmente suportadas por laços emocionalmente significativos que constituem elos de ligação fértil para a aprendizagem natural, mas também para o crescimento e maturação. Resumindo, entendo esta abordagem como acções em que o efeito terapêutico que promove é a activação de recursos internos de bem-estar pessoal que necessariamente, se repercutem no Organismo Escola.

Vejo-a a deixar de «RESPIRAR» aos poucos… afundada nos problemas que lhe drenam a Humanidade e o Sentir. A Lógica e a Racionalidade perdem a originalidade e turvam as soluções… Se se pretende que volte à «VIDA», sugiro este «RESPIRAR FUNDO» que devolva o pulsar de cada um dos corações físicos num que seja, orgulhosamente, o da ESCOLA!