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Don Juan… apresentado

2018
pvpassos@gmail.com
Psicólogo clínico (ACES do Cávado I – Centro de Saúde de Braga, Portugal)

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Don Juan… apresentado

 “(…) Então, Don Juan, ou Dona Joana, como todo viciado, sai de novo em busca de mais uma dose. No seu caso, de amor.”

Inma Ruiz.

 

PREFACIANDO

 

O EL PAÍS, em 20 de Setembro de 2017, publica uma acessível e esclarecedora matéria sobre o DON JUANISMO ou MITO DE DON JUAN, que merece ser lido e, entendido, como denúncia e como arma de protecção aos encantos de todos os que se movimentam na esfera do narcisismo psicopático, embebido numa doce e sedutora disponibilidade e empolgamento, até que a vítima deixe de estar na sua alçada manipulativa.

A competência de encantar, encantando-se a si próprio, é falível, como todas as outras competências…! Basta não cair nas pálidas tentações que dele emanam, e as feridas do encanto e da magia começam a manifestarem-se.

Recusar e contrariar os intentos do juanismo, obriga-o a mostrar o seu verdadeiro rosto.

Surge, de imediato, a frustração, o ódio, a impaciência, o medo, o desespero, tatuado em todo o fácies.

Desaparecem as cores do psiquismo da sedução e aparece o baço do tirano.

Contrariar e não ceder…e a imaturidade e o carácter enfermo, do juanismo, mostram as suas garras.

Posturar adultícia e determinismo é letal para o manipulador conquistador.

Surgem as ambivalências e inseguranças quando as convicções da sua admiração e desejo de ser amado são beliscadas.

A validação do mito de Don Juan é aplicável tanto em relações de natureza amorosa, como em relações profissionais, familiares, sociais ou quaisquer outras. Resta perceber o antídoto para que o extermínio da praga comece.

Enquanto lhe é vantajoso, o Don Juan injecta-se de delicados e sedutores sorrisos, promessas e predicados de encanto, eternas dedicações, declaradas benfeitorias e paixões disponíveis. O desprezo, a saturação, o sadismo e a humilhação sobre a vítima, surgem depois, quando precisa de novo sangue, repetindo e perpetuando o seu esquema.

Em suma, Don Juan… é uma bicha (no depreciativo sentido da expressão) oportunista, incompleta e incubada…travestida de narcisismo psicopático, exibindo-se para se esconder.

 

O artigo de Inma Ruiz:

 

  “DON JUANISMO ou MITO DE DON JUAN

(INMA RUIZ)

Da psicanálise à falta de hormônios: as explicações para o “donjuanismo.

O Don Juan é um viciado: sedutor compulsivo, infiel e insatisfeito.

 

Poucos mitos nascidos na Espanha são tão universais como o de Don Juan.

O sedutor insaciável inspirou artistas e escritores, de Tirso de Molina a José Zorrilla, sem esquecer de Prosper MériméeAlbert Camus e Lord Byron. Seja sob o nome de Don Juan ou de Casanova, o arquétipo foi alvo de incontáveis análises para tentar explicar o comportamento desse tipo de gente. Embora o donjuanismo possa ocorrer em ambos os sexos, costuma ser associado aos homens.

Quem sofre dessa síndrome é um sedutor compulsivo, infiel e insatisfeito. Sabe bem como conquistar, porque é um sábio manipulador das emoções. Mas quando uma pessoa se apaixona por ele, a abandona na hora, para começar a seduzir a outra. O sexo é o de menos para ele, não é o protótipo do garanhão que vai de cama em cama. O que lhe interessa, o que verdadeiramente lhe excita, é o cortejo sentimental, a paixão dos primeiros dias. Uma vez que a consegue, quando tem a certeza de que esse alguém está disposto a tudo por seu amor, perde o interesse. Pode manter uma relação de anos por pressões sociais, inclusive pode sentir afeto, mas não será fiel. Platão dizia que só se deseja o que não se tem, e é isso o que acontece com os afetados pelo donjuanismo. Muitos especialistas já tentaram explicar o porquê dessa conduta compulsiva e insaciável, da sua incapacidade de construir um amor estável e duradouro.

Para Freud, pai da psicanálise, o Don Juan está preso na fantasia edipiana de ser o alvo da paixão materna. É um homem emocionalmente imaturo, de perfil narcisista, que procura a figura da mãe em cada mulher que seduz. Quando consegue seu amor, não pode senão abandoná-la, fugir dessa relação que, para seu inconsciente, seria incestuosa. Assim, jamais conseguem estabelecer uma relação amorosa; vivem retidos nesse loop de busca e abandono, passando da entrega absoluta ao mais desalmado rechaço.

Bom conhecedor de Freud, o médico e escritor espanhol Gregorio Marañón (1887-1960) também estudou a fundo a figura de Don Juan e lhe atribuiu uma personalidade narcisista, com uma homossexualidade latente sob seu caráter gozador. Embora o escritor Albert Camus argumentasse que esse personagem se apaixonava por todas as mulheres, o psiquiatra e sexólogo Adrian Sapetti suspeita que ele só “acredita estar apaixonado”, já que depois da conquista esse sentimento nunca chega a se fortalecer. Se a presa se mostrar indiferente ou o rejeitar, o sedutor insatisfeito, valendo-se de todas as suas artimanhas, persiste até conquistá-la. Trata-se, portanto, de um sentimento muito primário, carente de profundidade.

Manuel de Juan Espinosa, catedrático de Psicologia da Universidade Autônoma de Madri e especialista nos mecanismos do amor, sustenta que os Don Juans sentem, de fato, um tipo de amor real, embora sua essência seja volátil e fugaz. “É uma espécie de sentimento que estoura feito rojão; essas pessoas da mesma forma que sentem uma euforia sofrem um baque.” O professor explica que os sedutores compulsivos são “predadores amorosos que na verdade se apaixonam pelo amor, pela sensação que lhes produz o fato de alguém se apaixonar por eles, e pela ideia de estarem apaixonados”.

Essas poéticas afirmações têm uma explicação muito prosaica: esse tipo de personalidade se caracteriza por níveis excepcionalmente baixos de vasopressina, um hormônio segregado no momento inicial da relação, junto com a oxitocina, causadora do bem-estar que o apego provoca. Essa substância é que desencadeia os sentimentos de fidelidade, coesão e confiança, três pilares sobre os quais se assenta o desejo de que uma relação perdure, e no caso desses sedutores ela se encontra em níveis mínimos.

Segundo a descrição de Manuel de Juan, o amor tem três etapas: uma primeira de atração amorosa, não necessariamente sexual; outra de paixão, e uma terceira de apego e comprometimento. E o que o Don Juan vive é esse amor lúdico já descrito por Aristóteles. Entende a primeira etapa como uma espécie de rapina. Só ativa a fase seguinte quando percebe que a outra pessoa está apaixonada. Esses indivíduos vivem intensamente os momentos iniciais: produzem mais dopamina e noradrenalina do que o normal e sentem o chute bioquímico do amor com mais intensidade que os demais. Isto lhes produz uma espécie de embotamento rápido, o que os especialistas chamam “saturação do estímulo”, fazendo com que rapidamente se desinteressem e passem a procurar uma nova presa que os sacie outra vez. Seja qual for a explicação psicológica ou analítica que se queira dar a esse comportamento, o que está claro é que tais pessoas sofrem uma disfunção hormonal que as deixa sempre às portas do “verdadeiro amor”, se assim entendermos o amor duradouro.

O Don Juan é, portanto, um viciado. Excita-se com esse coquetel de endorfinas segregado no início da relação – uma vertigem que acaba com a mesma rapidez com que surge. Pode se apaixonar em poucas horas e se cansar no dia seguinte, ou em semanas. Mas não muito mais: o tempo necessário para que seu organismo pare de segregar opiáceos e seu nível hormonal se equilibre. Então, Don Juan, ou Dona Joana, como todo viciado, sai de novo em busca de mais uma dose. No seu caso, de amor."

 

POSFACIANDO

 

O contributo explicativo hormonal e farmacológico, acarreta em si uma exequibilidade fácil…!

E o contributo explicativo psicanalítico? Tem exequibilidade eficaz mas de difícil acesso, com muitos obstáculos na sensibilização de consciências…! E não dá jeito… consciencializar…!

A arma, contra o juanismo, é um frasco de antídoto no local de trabalho, em casa, nas ruas, na cama, nas fortuitidades…!

O poderoso antídoto contra o veneno do juanismo é a hombridade do carácter, é a verticalidade sustentada da personalidade …!

A arma é gente completa, madura, regida pela essência ética e estética.

Gente que denuncia maquilhagens de persona.

Gente que rejeita maquilhagens de persona.

Gente que repele maquilhagens de persona.

São armas.

Um Dom Juan (ou uma) é um aflito a procurar, desesperadamente, ancoradouro, mãe (que nutra disponibilidade, porto, suporte …).

É um aflito a fugir, desesperadamente, da ebulição das marés, da mãe que é a sua.

Namorou o pai … intentou-o.

Anima-se e aninha-se (ainda que, mentalmente, inconsciente) com o homem.

Quando homem, suga e suga-se nos aromas das masculinidades.

Vibra nas virilidades que não são suas.

Vibra enquanto vibra … não descansa de buscar.

Se pudesse ter acesso à vontade … ficaria homem (nas suas múltiplas sintonias, aspirações e tesões), abandonando as pérfidas necessidades de oportunista e de incompletude.

Se pudesse ter acesso à vontade … deixaria de ser um incubado, deixaria de andar travestido com a pulsão de narcisismo psicopático (que o corrói).

Se pudesse ter acesso à vontade … esconder-se-ia pouco, enfeitar-se-ia menos e seria (quase) GENTE.