PUB


 

 

Exclusão afectiva-emocional e isolamento social

2010
gelcinogueira@hotmail.com
Psicóloga Clínica. Especialista em Psicologia do Trânsito e Psicopedagogia (Brasil). Formação complementar em Geriatria e Gerontologia e Dinâmicas de Grupos. Equivalência atribuída em Portugal pela Universidade do Porto.

A- A A+
Exclusão afectiva-emocional e isolamento social

ONDE ASSENTA SUAS ORIGENS? Minhas experiências e vivências clínicas inclinam-me a intuir que é numa base de herança familiar-cultural, de sentimentos maternos dependentes e codependentes.

A prática quotidiana, em Psicologia Clínica, de longo anos, aos poucos nos revela e desvela o enredo psicossocial do desenvolvimento humano, em torno dos vínculos da função materna.

Minha experiência clínica abrange todas as faixas etárias, desde o bebé recém-nascido até o idoso demente.  E para ilustrar com maior clareza e credibilidade o que aqui vou partilhar com o leitor, abordo três casos clínicos, em três idades bem distintas, objectivando focar o que tem de comum, para destacar alguns pontos reflexivos.  

Mas primeiro vou lançar algumas questões interessantes e oportunas:

1. Caro leitor, em sua infância, sentiu-se alimentado pela sua mãe? Aquela mãe de leite alimentadora afectiva, atenta e calma?

2. Que tipo de relação tem ou teve com sua mãe?

Isto porque, em nossa vida de adulto, teremos o mesmo tipo de relação com o mundo material –“Família, dinheiro e trabalho”. Isto é, até nos darmos conta de que, determinados sentimentos tem força e poder subtil em nossas vidas diárias, inconscientemente, mas podemos assumir e eliminar, à luz do conhecimento.

Os desequilíbrios psico-afectivos, manifestam-se desde a mais tenra infância, em sintomas ligeiros ou persistentes, como: febres, diarreias, dores generalizadas ou de cabeça, dificuldades com alimentação e sono e de, concentração e atenção, na escola.

1º Caso:

Uma adolescente de 11 anos (hoje com 12 anos), obesa. Com um comportamento manifesto introvertido, incontido no choro, desatenta na escola e isolada em casa; severas dificuldades de comunicação com a família; traços latentes de suicídio, com um discurso verbal sombrio, depressivo e mórbido.

Quem a trouxe para o tratamento psicológico? Foi o pai. A função materna inapta e distante afectivamente, com exigências e apegos psicológicos nada benéficos, quase escravizantes. 

Primeiras sessões, total silêncio. O pai fez as vezes da função materna, para que fosse possível efectuar uma anamnese, inicial. Até se conseguir conquistar a presença materna, numa sessão com mãe e filha.  A situação fóbica da adolescente (em relação a mãe) era tão forte e profunda, a ponto de urinar na roupa e, por vezes na cama. 

Passado alguns meses de sessões, uma vez por semana, conseguiu manifestar-se, psicologicamente. De pais separados, cada qual com seu novo respectivo companheiro, com esta adolescente dividida entre o sentimento de ameaça de perdas, culpas, ressentimentos, e profundos medos inconscientes. Na escola padecia o doloroso e silencioso sofrimento ‘crítico’ instável e ansioso, por parte dos colegas, em forma de agressões verbais e, por vezes de professores; detestava a escola.

Passado um ano, reaprendeu a sorrir e se defender com a palavra, sentindo-se auto-confiante e com controle de suas emoções. Passou de ano, aprendeu a gerir sentimentos e emoções, libertando-se do isolamento familiar, do medo de se expressar e ser criticada, com maior controle do que come e bebe, passando a dormir, naturalmente e, diminuindo, gradativamente as queixas de gripes, dores de cabeça, dores de barriga, etc.

Pergunto: Como seria a vida dessa adolescente, aos 30 ou 40 anos, se continuasse com o mesmo comportamento afectivo-familiar e atitude de isolamento social?  Alguém arrisca-se a imaginar? Os próximos casos apresentam respostas à pergunta.

2º Caso: 

Um senhora casada, mãe de um casal de filhos, com 41 anos. Suas vivências de criança e adolescente foram semelhantes ao caso acima. Mãe distante, desenvolveu comportamentos doentios, obesidade, até descobrir como emagrecer agressivamente, deixando marcas profundas num corpo sem vida, vázio e depressivo. Apresenta sérias dificuldades para gerir os cuidados básicos em casa. Não trabalha, isolou-se em casa, já passou por muitos tratamentos clínicos e psiquiátricos. Toma muitos medicamentos, entre eles, fortes ansiolíticos.

Psicologicamente instável, mente ansiosa, pensamento confuso, medo mórbido de contacto com pessoas. Houve uma época de sua vida que fugiu de casa, largou família, filhos muito pequenos. Ainda sente que não é dona de sua vida, mantém-se refém de certos ressentimentos maternos.

Não tem profissão definida, mas ainda mantém um leve desejo de fazer alguma coisa por si. A relação com sua mãe é sofrida, depreciativa e negativa, até hoje.  É sensível, tímida e temerosa a qualquer contacto humano e toque físico. Mas está aprendendo a se auto-religar em suas bases internas, já manifesta o desejo de ajudar o marido e os filhos. Sua auto-confiança começa aflorar, tão delicada, como uma flor. 

Seu tratamento é recente, por iniciativa e escolha sua, através de uma amiga.  Ao lhe perguntar se conseguia imaginar-se envolvida com afecto materno bom, alegre e terno, ela responde-me: Como eu poderia me imaginar acarinhada e feliz com minha mãe, se ela nunca manifestou nem um abraço, um elogio? Mas eu quero ser diferente com meus filhos, mas não sei como.

3º Caso:

Idosa de 84 anos, com Alzheimer diagnosticada clinicamente, desde 2004, porém a médico acrescenta mais anos com a doença, que manifesta-se silenciosamente. E, na grande maioria, os familiares só vão perceber quando os sintomas graves de perda de memória manifestam-se em comportamentos estranhos. Tratei dessa idosa, como fonte de pesquisa, por três anos. Seu caso já apresentei num artigo do portal dos psicólogos portugueses e, irei apresentar no III CONGRESSO DE PSICOLOGIA, CIÊNCIA E PROFISSÃO,  em Setembro -03 a 07, em São Paulo, nas modalidades: COMO EU FAÇO...  e  Poster.

Apresento aqui somente uma síntese que pode elucidar o comportamento sensível e sua predisposição para desenvolver a doença de Alzheimer, que pode vir a ser um ponto decisivo para uma profunda reflexão e mudança de posturas profissionais, principalmente a do médico de família e posterior do médico neurologista e/ou psiquiatria.

A idosa, cuja histórico de vida evidenciou uma estrutura de fundo sensível, tímida, retraída, à nível afectivo familiar, centrada na figura materna, predominante mais agressiva e distante no afecto.

Desenvolveu uma função de maternagem com seus filhos, distante no gesto e toque físico afectivo. Jamais conseguiu expressar seus sentimentos íntimos maritais, uma palavra de elogio e um gesto físico de carinho para com os filhos. Viveu uma vida sombria, presa à tristeza, medos patológicos que lhe causavam instabilidade física geral, manifesta em dores generalizadas, e uma mente ansiosa, presa à angustia e dúvidas.

Teve uma vida social muito isolada, dedicou sua vida ao trabalho e ao marido (sua sombra dolorosa). Foi medicada a vida toda,  problemas de colesterol alto e tensões baixas até, iniciar tratamento para o Alzheimer, porque a partir dai apresentou um quadro clínico de tensões altas;  mas nunca foi encaminhada a um psicólogo ou psiquiatra.

Encontrei-a com doença de Alzheimer avançado, já não reconhecia os familiares, dois AVC, e completa instabilidade física e mental,  com todos os sintomas descritos na literatura medica sobre o assunto.

Após três anos de intervenção psico-afectiva, psicopedagógica, geriátrica e mudanças nutricionais, eis que ela resgata a calma corpórea-emocional e serenidade espiritual, revitalizando o corpo, neutralizando o quadro clínico do colesterol e das tensões. Passando a dormir naturalmente a noite toda, mantendo-se fisicamente saudável, com total controle dos esfíncteres e domínio das mãos. Perdeu o contacto com seu ‘Eu’ afectivo, centro de suas ligações afectivas familiares, o seu Eu auto-biográfico, nas palavras de Damásio (2005). Mas reaprendeu a manifestar gestos espontâneos de carinhos, sorriso e agradecimentos, com um: Muito obrigada!

Já não sabe dizer nada sobre suas necessidades, porém expressa-se com gestos corporais, é o corpo que fala, por exemplo quando sente necessidade de ir ao quarto de banho, levanta-se e passa a mão na barriga e vai em direcção ao corredor, se está no quarto, sai automaticamente da cama e entra no quarto de banho fazendo suas necessidades, porém precisa de alguém para lhe fazer a higiene. Vive como um bebé, alegre, saltitante, beija todos que se aproximam, pega tudo o que pode com as mãos e rasga, anda livremente pela casa, com tom de pele rosada, saudável e bem nutrida. Segundo seu médico neurologista: ela tem, hoje, o que nunca teve antes: qualidade de vida, indiscutível; no eu acrescento: afectiva.

O segredo é a forma como nos relacionamos uns com os outros, com que conteúdos e imagens nos alimentamos,  e  nutrimos nosso ‘Ser Afectivo’ . Este trabalho com a idosa com Alzheimer, reportou-me de volta à função materna, cuja base é a fonte material afectiva  de nossas vidas. Evidenciou que o estimulo é mais afectivo do que cognitivo.

O que tem em comum estes três casos distintos no tempo (faixa etária), mas convergentes no espaço geográfico?  Todas são de origem familiar residentes na grande região do Porto. Um padrão social e particular familiar, em atitudes domésticas  semelhantes, centradas na função materna. Todas apresentam traços de personalidade introvertido e sensível.

Pergunto-me: qual é possibilidade, em dados percentuais, de virem a desenvolverem a doença de Alzheimer, a senhora de 41 anos e a adolescente de 12 anos?  Penso, haver uma probabilidade de 70% no caso da senhora de 41 anos, se chegar a idade de 75 anos viva, a não ser que persista no tratamento psicológico, alternando com outros complementares e, mudar por completo seus programas infantis Imagens de si mesmo e conteúdos ruminantes inconscientes) internos.

E, quanto a jovem, se for assídua no tratamento e persistente no seu objectivo de vida, permitindo-se mudar por completo sua auto-imagem feminina, a probabilidade aqui é 2%.

Trata-se de sujeitos sensíveis, que desencadeiam instabilidade psico-orgânica, cuja base materna fora inapta, contaminando todo o sistema nervoso com sentimentos auto-depreciativos: as depressões, que por sua vez desencadeiam psicossomatizações generalizadas, por não conseguirem gerir sentimentos e emoções internamente à nível psicológico, vindo a fragilizar todo o sistema imunitário desencadeando doenças. Não há medicamentos para feridas da alma, produzidas por sentimentos auto-depreciativos. Mas sim, o que se fere com uma determinada palavra, somente com outra palavra se cura.

E qual será a herança familiar afectiva comportamental e social das gerações futuras dessa famílias? Repetições de sofrimentos em pessoas cada vez mais jovens.