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O papel das ´marcas´ enquanto potenciadoras de melhorias comportamentais e inibidoras de abandono escolar precoce

2006
univa@fcsh.unl.pt
Socióloga do Trabalho (ISCSP-UTL). Responsável pelo Gabinete de Estágios e Saídas Profissionais/UNIVA da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL - DCI - Divisão de Comunicação e Imagem

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Resumo

O presente trabalho faz parte de um conjunto de contos não editados a que a autora chama “Contos da FCSH - As técnicas de reflexão na tomada de decisão face ao Mercado de Trabalho” .

Este como todos os outros contos, reflectem casos verídicos, com nomes fictícios, e procuram ilustrar de alguma forma, o trabalho desenvolvido com os alunos de Licenciatura e Mestrado, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, aquando da procura do Gabinete de Apoio a Inserção Profissional.

O papel das “marcas” enquanto potenciadoras de melhorias comportamentais e inibidoras de abandono escolar precoce

O Papel do “Técnico de Orientação para o Emprego” não raras vezes, é em si mesmo um momento de descoberta. Do próprio e dos outros.

Do Balanço de Orientação que se impõe no momento de um primeiro encontro, em que se avaliam não só as competências individuais, sociais, organizacionais, linguísticas, etc... mas também, os percursos individuais em função de um “tempo” - daquele que procura, consciente ou inconscientemente, um serviço de apoio e de promoção de emprego – e do somatório do que são ou parecem vir a ser as suas expectativas face ao futuro profissional, resulta em regra, uma Fórmula Mágica decifrável, não no momento desse encontro, mas, e em regra, depois de maturada reflexão, sobre o que foi dito, o que foi percepcionado, ou ainda, sobre o que o Técnico não disse implicitamente, mas que o indivíduo percepcionou por si e para si próprio. Desse encontro, resulta a escolha!

Esta “Fórmula Mágica”, aparece igualmente, em cada um dos orientados, de forma diferente para o técnico. Acontece que, a cada um destes momentos, o segundo junta novos ingredientes – as suas próprias vivências, as suas experiências e, claro, o seu estado de alma, e predisposição para a descoberta. Do outro e de si próprio. Ouvir, “Balancear” e ser ouvido. E “Balancear” de novo. Numa espiral interminável, numa riqueza de experiências a que não se pode ser indiferente. Ou se gosta ou não se gosta. Ponto! Foi num destes momentos de “descoberta” que aconteceu esta pequena história.

O Gabinete de Orientação e Saídas Profissionais de uma Faculdade não é, nem pode ser, um Guichet de Atendimento estandardizado, do tipo pergunta/resposta. Por de trás de um aluno, finalista ou não, está uma história de vida, uma família, uma estrutura (social e económica) diferente. E o técnico tem que saber interpretar os sinais. Gerir as expectativas, descodificar mensagens, “destorcer” informações recolhidas aqui e ali e desprovidas de contexto ou significado. E foi o caso! Sem hora marcada “só uma pergunta, Dr.ª, coisa rápida...”.

O “Manuel”, vamos chamar-lhe assim, foi entrando pelo Gabinete e olhando para a cadeira vazia à minha frente...

“Sente-se, pergunte tudo, mas com calma...” e, brincando um pouco, “...conte-me tudo, como se eu tivesse 4 anos...”.

Estava ganha a primeira etapa. Estabelecida a confiança!

O Manuel sentou-se e foi falando de “possibilidades de cursos de formação – sabia que os havia sem “encargos” ... de que estava a concluir o Curso de LLM (Português/Inglês), mas não como um futuro em si mesmo” ... “uma ferramenta, de uma caixa de múltiplas ferramentas” – “aconchegava eu”.

“Sim, uma ferramenta.... o que eu gosto mesmo, é da Área Social... até tinha gostado de ter escolhido ser “Educador de Infância”, mas os meus pais ... – estava na altura a “rebentar” o escândalo da Casa Pia... acharam que isso não era profissão para homens.”... Um sorriso tímido.... O medo do estigma – mais na família, também no aluno... Descodificar! Era preciso, imperativo, descodificar...

“Nada a ver... como sabe, as crianças necessitam dos dois pontos de referência: masculino/feminino...”.- fui-lhe dizendo. E cada vez mais, esse é um papel muito, muito importante.... demasiado importante, até.

Mais confiante, o Manuel avançou: “Agora até tenho uma proposta para ir trabalhar para uma loja que vai abrir... da mãe de um amigo, que fez um Profissional de Marketing”.... Não tem relação ... – continuou – mas como é uma área em que passam montes de miúdos do Secundário, e é uma loja de “marcas”, talvez possa passar algumas mensagens... Sabe, Dr.ª., nessas idades, os amigos mais velhos são muito importantes.... Para não se perderem...”

Estávamos os dois em fase de descobertas! O Manuel revelava-se! Afinal o “bichinho” do social não havia morrido.... e eu, tentava juntar as peças daquele puzzle.... Desenhava arabescos, como é meu costume, e mentalmente fazia as conexões – factos, casos anteriores, o eu e o outro, a interligação, a inter-ajuda, a pesquisa... os arquivos ....

“Marcas, disse marcas???” – Que marcas???.

O Manuel lá foi adiantando – “Todas as que os adolescentes querem ter e para isso arrastam os pais – quer possam ou não possam. Os pais acabam por ceder!”

Nesse momento, fez-se luz dentro da minha cabeça. A gaveta da minha infância abriu-se e nela encontrei o conceito do prémio pelo mérito. Na primária, uma professora muito sábia (decorriam os anos sessenta), conquistava a nossa atenção para o estudo aturado através de um alfinete de dama, colocado na bata, em jeito de pregadeira, onde suspendia, dia após dia, um conjunto de fitas multicores, cada uma representativa de uma valência – leitura, ditado, contas, redacção, etc. Todas (era uma turma feminina) ambicionávamos ter o alfinete completo. Era o prémio e o reconhecimento pelo nosso trabalho. Uma ideia simples, mas eficaz....

Os tempos são outros, os jovens adolescentes já não se motivam por cores de fitas – mas por “marcas” que os identificam face a um grupo de pertença!

Estava encontrada a chave do enigma! Porque não, uma parceria com a(s) marca(s), com a autarquia, com a escola e claro com a loja em causa?? Veiculei!

O Manuel estava atónito! Aquilo que eu estava a dizer fazia-lhe algum sentido? – perguntei-lhe.

“Sim, sim, sim.... muito, muito mesmo, nunca tinha pensado nisso...”

Eu continuava a pensar em voz alta:

  1. Vestir a dita “marca” não passaria por ser condição resultante de um poder económico ou esforço económico, mas sim, o resultado de um trabalho estudantil, traduzido em aproveitamento, assiduidade, urbanidade, etc...
  2. Vestir a marca, não seria para qualquer um.
  3. As marcas “escolheriam” o seu público alvo, com base no mérito e na progressão de estudos.

Ao Manuel, caberia a difusão da ideia, e claro, a sua concretização! À marca, uma ligação vital com a Responsabilidade Social, a que nenhuma empresa de bem pode estar alheia e, à comunidade (escolar e familiar), a sensibilização para este assunto.

De repente, sorrimo-nos os dois e apercebem-nos de que tínhamos dado passos largos no projecto do Manuel.... um projecto inovador, a ser aprofundado, estruturado, mas com pernas para andar....

Saiu do Gabinete, com os olhos a brilhar e eu dei-me conta, uma vez mais, de que não existe Fórmula Resolvente - “Fórmula Mágica” - para cada caso. Porque cada um é igual a si próprio. E, claro, hoje senti que ficara mais rica!