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Os irmãos de pessoas com deficiência - Parte II

2017
marinaalmeida@institutoinclusaobrasil.com.br
Consultora em Educação Inclusiva. Neuropsicóloga, psicopedagoga e pedagoga especialista

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Os irmãos de pessoas com deficiência - Parte II

A relação fraterna, conforme Anton (2000) é um treino que prepara as pessoas para não só reconhecer a diferença, como também para ser diferente e conviver bem com as diferenças. A autora também afirma que para viver o amor, amar e ser amado, é necessário que se saiba aceitar e administrar as diferenças.

Apesar da relação mãe-criança ser a matriz da formação da identidade, a descoberta das diferenças promove a individuação e é acentuada a partir da ambivalência em relação aos rivais.

A posição do nascimento pode ser um dos fatores que contribuem para o estabelecimento de alguns comportamentos, mas não o único. Berthoud (2000) afirma que “é difícil fazer previsões, em relação ao sistema, decorrentes de acontecimentos isolados de um ou outro membro ou de qualquer aspecto do meio externo que sempre se relaciona ao sistema”. É preciso ampliar o contexto e buscar a compreensão da totalidade. A ordem de nascimento é apresentada como um fator que pode contribuir para a construção do relacionamento, mas não é vista como determinante na construção da diferença. A ordem de nascimento dos irmãos não é considerada, como única determinante do comportamento e das características dos irmãos, mas sim como mais um fator, entre tantos outros, que podem ser significativos na construção da diferença no relacionamento fraterno.

A rivalidade pode estar presente no relacionamento entre irmãos, e pode ter iniciado e ser mantida por uma série de fatores e contextos.

A rivalidade fraterna é bastante conhecida através da simbólica história bíblica de Caim e Abel. Rivalidade esta tão grande, que levou um irmão a matar o outro. Nesta história tão conhecida estão presentes os três fatores, que são considerados por Brito (2000) o tripé da rivalidade: a hostilidade, a inveja e o ciúme. Os sentimentos de inveja são direcionados de um irmão ao outro e o ciúme ocorre pela relação do irmão com os pais. O sentimento de ciúme é baseado, em condutas de proteção e privilégio de um filho em detrimento do outro.

A hostilidade surge como que destes sentimentos de ciúme e inveja. A manifestação da rivalidade pode ser discreta ou até mesmo camuflada e pode chegar a ser declarada podendo chegar a níveis patológicos.

Meynckens-Fourez (2000) afirma que o sentimento de injustiça surge com certa freqüência no relacionamento entre irmãos. E completa exemplificando que “mesmo que cada filho receba o mesmo pedaço de chocolate, ele nunca será realmente o mesmo!”.

Sugerimos abaixo algumas intervenções que poderão ajudar os pais e as relações fraternas tornando-as mais saudáveis.

Os pais podem utilizar as seguintes formas de comunicação para auxiliarem as relações com os filhos:

  • Ouvir atentamente: esperar o filho/a filha falar, formular a pergunta, caso não entenda pergunte novamente explicando para que ele possa dar mais detalhes sobre o assunto.

  • Não apressar a conversa: procurar não terminar a frase, palavra, ou concluir apressadamente a conversa. Se no momento estiver ocupado ou com pressa diga que ao voltar poderá conversar com mais tempo e atenção. Evite respostas apressadas e pouco refletidas.

  • Dar o exemplo: os pais devem dar o exemplo, fazendo perguntas francas, buscando informações válidas, expressando seus sentimentos honestamente.

  • Manter-se informados: Os pais devem se manter informados, realizar parcerias e trocas com os profissionais que atendem a criança com deficiência, desta forma poderão transmitir as informações aos filhos de maneira mais clara e segura.

  • Serem sinceros e honestos: Os pais mesmo bem informados podem sentir dificuldades em responder perguntas dos filhos. Não precisam se sentir envergonhados, podem dizer que não sabem e vão procurar quem possa ajudá-los ou que vão pensar sobre o assunto, ou apenas podem se emocionar com teor da questão que também é uma forma de resposta e depois conversar de maneira mais tranqüila sobre o assunto.

  • Fornecer informações equilibradas: Um enfoque equilibrado é aquele onde consideramos os dois lados da situação, seus aspectos positivos e negativos. Os pais precisam ficar atentos em sua forma de conversar evitando distorções, dramatizações, medos, ameaças, chantagens, excessos de positivismo/negativismo em relação ao assunto, etc.

  • A comunicação não-verbal: Os pais às vezes não percebem outras formas de comunicação que estão transmitindo aos filhos através das expressões faciais, dos movimentos do corpo, tom de voz, que são demonstradas na conversa e podem estar em desacordo ou em acordo com o que dizem pela maneira como falam, sentam, movimentam-se, etc.

Podemos destacar os seguintes aspectos de apoio e continência entre os pais e os demais filhos:

  • Escutar os filhos: Ouvir primeiro o que os outros filhos/filhas sentem, esperam, temem, sabem, sobre o irmão/irmã portador de necessidades educacionais especiais.

  • Informação: Esclarecer de forma clara, delicada e simples qual o problema do filho/filha com necessidades educacionais especiais.

  • Dissolver as dúvidas e fantasias: Tirar as dúvidas das perguntas que os demais filhos/filhas possam fazer sem ressentimento, raiva ou punição.

  • Apoiar: Incentivar os filhos/filhas a brincarem, fazerem tarefas, passeios ou atividades juntos.

  • Elogios e Agradecimentos: Recompensar, elogiar e agradecer os filhos/filhas sempre quando ajudam, quando brincam sem brigar, quando têm iniciativas, quando expressam carinho, quando ajudam em algum problema familiar, quando se oferecem para fazer algo, quando ensinam os pais, etc. Quando os filhos/filhas são reconhecidos e têm o exemplo dos pais se tornam mais cooperativos e afetuosos.

  • Mediar, Perdoar e Desculpar: Ponderar as brigas e divergências entre os filhos/filhas, evitando punir sempre de forma tendenciosa, mas sempre verificar o que aconteceu. Brigas, ciúmes e rivalidades fazem parte do crescimento dos filhos/filhas, a ponderação, mediação, o perdão e a maneira como os pais incentivam cada um destes comportamentos podem gerar mais conflitos ou diminuir. É importante que os pais observem a freqüência, motivo dos conflitos e brigas, só depois tomar uma atitude. Incentivar sempre o perdão pela atitude quer seja intencional ou casual e desculpar-se pelo comportamento, isto serve para os pais também, quando fazem avaliações ou punições injustas. Quando houver muita dificuldade, procurar alguém para conversar sobre o fato com o objetivo de ter uma solução mais adequada para todos.

  • Brinquedos, Jogos: Escolher alguns brinquedos aonde todos os filhos/filhas possam ter algo em comum, assim desenvolvem um senso de igualdade e de suas diferenças e preferenciais individuais.

É importante que os pais saibam ter um manejo seguro dos comportamentos entre os irmãos e entendam que eles deixam de brigar com o passar do tempo. À medida que amadurecem, vai passando o egoísmo, a competição, e surgindo comportamentos mais solidários e de colaboração.

  • Servir de Exemplo: Os pais devem se esforçar para controlar seus próprios sentimentos de ciúme e competição, mas demonstrarem uma maneira cooperativa, fornecendo assim o exemplo para os filhos.

  • Estabelecer Limites: Os pais devem estabelecer um conjunto de regras para as interações e devem ser fiéis a elas. Regras como não atirar coisas, não machucar, não praguejar, ser responsável, cuidar das coisas, ter horários, recolher os brinquedos e guardar, ajudar nas tarefas domésticas, etc. Cada família cria suas regras diferentes, mas o importante é deixá-las bem claras para todos.

  • Usar as Penalidades: Quando a disciplina é necessária, os pais devem usar uma penalidade: desligar a televisão se os filhos estão brigando por um filme e ninguém consegue assistir e não chegam a nenhum acordo, ficar sem o brinquedo preferido (vídeo-game, bicicleta, boneca) até fazer a tarefa escolar ou cumprir um acordo, perder por um tempo privilégios conquistados, procurar tirar da situação o filho/filha que está provocando a briga e colocar em outro cômodo da casa e ir conversar para ouvir as partes, evitar castigos físicos, xingamentos, ameaças de qualquer ordem. Este comportamento dos pais acaba por retirar sua própria autoridade, pode surtir efeito por um tempo, mais pelo medo e pelas conseqüências do ato do que pelo respeito aos pais. Evitar penalidades que retirem alimentos ou refeições importantes salvo alimentos supérfuros como: sobremesas, doces, sorvetes, salgadinhos, refrigerantes, etc.

  • Respeito entre os Próprios Pais: De nada adiantará as regras e as punições aos filhos/filhas se cada um dos pais fizer uso diferente do que estabeleceram, ou só usarem de vez em quando. Os pais que brigam entre si, que não se respeitam ou ficam jogando a culpa ou a responsabilidade para um só do casal, geralmente terá como conseqüência o não cumprimento das regras, quebra dos limites, desrespeito e conflitos constantes.

  • Permanecer Neutro: Se os pais não conseguirem saber qual foi o motivo que gerou o conflito, é melhor não tomar partido, e especialmente se for sempre a favor da criança com deficiência, isto só intensificará a rivalidade. Perdoar todos e observar depois o relacionamento dos irmãos.

  • Ignorar as Simples Briguinhas: Os pais não devem intervir em todas as brigas entre os irmãos. Uma boa saída é ignorar as disputas que não infrinjam as regras estabelecidas pela família. Os próprios irmãos poderão arrumar uma solução para a briga, sem usar da força física, ameaças, chantagem ou xingamentos.

  • Ser Coerente: Os pais precisam ser coerentes ao orientar um conflito ou decidir por uma atitude responsável. Usar “dois pesos e duas medidas” para situações iguais ou semelhantes pode causar insegurança e confusão entre os filhos/filhas.

Sugerimos algumas brincadeiras que poderão ajudar as relações fraternas, mas cada ambiente familiar pode se beneficiar de outras atividades de lazer e convívio entre os pais/filhos e irmãos/irmãos de forma criativa e variada.

Faixa etária de 0 a 6 anos:

  • Jogar bola

  • Brincar com blocos

  • Material de sucata

  • Representar Histórias, cenas de televisão ou cinema

  • Boliche

  • Brincar de loja

  • Bonecas

  • Carros e caminhões

  • Brincar de escola

  • Brincar de casinha

  • Soprar bolinhas de sabão

  • Bolas de gude

  • Dançar

  • Cantar

  • Marchar

  • Brincar de índio, policia, bombeiro, etc

  • Brincar com animaizinhos de plástico ou reais

  • Usar marionetes

  • Recortar, colar, pintar, desenhar

Faixa etária de 7 a 10 anos:

  • Jogos com regras: xadrez, loto, dominó, cartas, ludo, etc

  • Basquete

  • Empinar pipa

  • Vídeo Games

  • Preparar lanches

  • Dançar

  • Jogos de fantasia

  • Passear juntos

  • Pingue-pongue

  • Piquenique

  • Nadar

  • Andar de bicicleta

Faixa etária de 11 anos em diante:

  • Fazer compras juntos

  • Arrumar o quarto

  • Ouvir músicas

  • Preparar refeições

  • Jogos

  • Esportes

  • Escolher programas de TV, cinema, etc.

  • Artesanato

  • Teatro

  • Ensinar utilizar meios de transporte

  • Ensinar a atravessar a rua

  • Fazer bailinhos ou festas em casa

 

Referências Bibliográficas

BRITO, N.. Rivalidade Fraterna: O ódio e o ciúme entre irmãos. São Paulo: Ágora, 2002.

CASTRO, K. R.P. de. Visitando a família ao longo das fases do ciclo vital: O olhar dos filhos, 2003. 371p. Dissertação (Mestre Psicologia Clínica) PUC. São Paulo.

CEVERNY, C. M.O. Ciclo vital. In: CEVERNY, C.M.O.; BERTHOUD C.M.E. e col. Família e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

OLIVEIRA, A. L. de. Irmãos ao longo da vida: “Construindo uma memória compartilhada – compartilhando uma memória construída”, 2000.p. Dissertação (Mestre em Psicologia Clínica) PUC. São Paulo.

OLIVEIRA, A. L. de. Irmãos, meio-irmãos e co-irmãos: A dinâmica das relações fraternas no recasamento, 2005. 371p. Dissertação (Doutora em Psicologia Clínica) PUC. São Paulo.

MEYUNCKENS-FOUREZ, M. A fratria do ponto de vista eco-sistêmico. In: TILMANS-OSTYN, E. & MEYUNCKENS-FOUREZ, M. (org). Os recursos da fratria. Trad. Carlos Arturo Molina-Loza, Ana Maria Prates. Belo Horizonte: Artesã, 2000.