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Por que eu sou psicólogo de um CRAS?

2014
faustomenon@gmail.com
Psicólogo pela Universidade São Francisco/Itatiba. Mestre em Educação pela FE/Unicamp. Psicólogo da Prefeitura Municipal de Itatiba/São Paulo.

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Por que eu sou psicólogo de um CRAS?

 

“O bem que se faz perfuma a alma”

 (VICTOR HUGO)

Quando me perguntam qual é a minha profissão, respondo: eu sou psicólogo. Digo ainda que trabalho atualmente no CRAS “Dr. Pimenta/Porto Seguro”, na cidade de Itatiba/SP.  Para muitas pessoas, parece-me que falar de CRAS ainda é de difícil compreensão. Pensando nesse aspecto, vejamos o que essa palavra realmente significa: Centro de Referência da Assistência Social. No meu entendimento, o CRAS oferece uma gama de serviços e programas sócio assistenciais, atuando com famílias e indivíduos no contexto comunitário, especialmente visando à orientação e fortalecimento de vínculos sócio familiares. Neste sentido, faz-se muito importante a intervenção técnica conjunta tanto da área do serviço social, assim como da psicologia. Em quase três anos de experiência no campo da psicologia social, posso afirmar, com certa ênfase, que essas duas áreas se complementam substancialmente entre si, formando, em muitas ocasiões, um todo não-divisível. Assim imaginando, na minha visão, o ser humano é composto de uma dimensão social e psicológica.  

Há um bom tempo, digo que a minha função é promover a diminuição dos agravos psicossociais dos beneficiários, que eu atendo no dia a dia. Sendo mais específico e igualmente concordando com as ideias do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas, compreendo que o meu papel de psicólogo no CRAS está pautado em...

“[...]promover e fortalecer vínculos sócio-afetivos, de forma que as atividades de atendimento gerem progressivamente independência nos benefícios oferecidos e promovam a autonomia na perspectiva na cidadania [...] diminuir os sofrimentos, evitar a cronificação de quadros de vulnerabilidade”[1].

 De certa forma, para ajudar prontamente os beneficiários, realizo as seguintes intervenções psicológicas: (1)atendimento individualizado em nível de acolhimento psicológico, (2)atendimento coletivo (grupos) e (3) palestras. Só para explicar um pouco mais, no acolhimento psicológico atendo individualmente o beneficiário, procurando focalizar na possibilidade de uma resolutividade de seu problema. Embora não seja um atendimento clínico (ou seja, psicoterapêutico), pode ter um efeito bem benéfico no acolhido. Várias vezes, após os acolhimentos psicológicos, os beneficiários demonstraram mudanças positivas, tanto nas atitudes, como inclusive na maneira de expressar os sentimentos.

Em um nível coletivo, isto é, no atendimento de grupo, tenho como proposta essencial fornecer um ambiente para a troca de experiências mútuas entre os participantes, bem como refletir em algumas formas de se pensar/sentir uma mesma situação vivenciada, para que sejam atenuados os conflitos no convívio social e especialmente familiar. Enfatizo que nos atendimentos individual e coletivo procuro sempre ter, como uma habilidade técnica, uma escuta atenciosa e acolhedora,  além de me embasar profissionalmente em uma conduta ética, priorizando, sobretudo, o sigilo das informações dos relatos dos beneficiários.  Por último, costumo realizar frequentemente várias palestras temáticas, com a finalidade de expor alguns temas de conteúdo psicológico, tais como: emoções, sentimentos, afetividade, valores e autoestima.

Em todas as intervenções, ajudo os beneficiários a terem algumas condutas proativas (por exemplo, resiliência, paciência, respeito, carinho e amor), que remetem a uma qualidade da vida psicossocial, mais particularmente no que se refere ao relacionamento familiar, para que haja trocas afetivas cada vez mais emocionalmente saudáveis e também um diálogo permeado pela tolerância, compreensão e ternura, tão imprescindíveis nas relações humanas.

Citando um exemplo de atendimento em grupo, o “Roda de conversa” está sendo desenvolvido há mais de um ano no CRAS. Apresenta um foco psicossocial e objetiva oferecer aos beneficiários um espaço para o diálogo. A minha principal finalidade é escutar atentamente as diversas opiniões e as vivências das pessoas, pois afinal alguém sempre tem algo importante a nos falar e essa história de vida merece ser compartilhada coletivamente. Realizado uma vez por semana, converso com os participantes sobre um tema específico (que pode ser: autoestima, motivação, confiança, despreocupação, ressentimento, felicidade, boas lembranças, perdão, relacionamento interpessoal...), que irá ajudar no caráter informativo e no aprendizado pessoal. Com frequência, tenho observado que as pessoas que vêm ao grupo se tornam mais conscientes de suas atitudes e dos seus sentimentos: pensando antes de agir.

Quanto à metodologia do “Roda de conversa”, primeiramente proponho um tema para a reflexão no grupo (por exemplo, pergunto:  para vocês, o que seria a autoestima?). Escuto generosa e atentamente as diferentes opiniões do grupo (cada pessoa tem algo a falar, uma experiência significativa sobre o tema), procurando desenvolver as ideias dos participantes. Em alguns momentos, exponho o tema através de dinâmicas de grupo, usando várias estratégias psicológicas. Antes do término do grupo, faço uma síntese do que fora discutido.

Apenas para ilustrar, quando discorri sobre o tema sentimento, enfoquei em um primeiro momento a questão informativa, esclarecendo o que significa tal termo. Defino o sentimento como o significado, ou melhor, o valor, que a nossa cabeça dá a algo que nos acontece, tal como uma experiência emocional, a qual pode ser uma tristeza, uma alegria, um amor, um ódio, entre outros. A frase que melhor traduz o sentimento é: o quanto algo ou alguém nos significa. Nessa conceituação apresentada pode existir a ideia de afeto bom.

Afetos bons são todos aqueles que trazem algo de positivo. Um exemplo de afeto positivo é o amor. Muito próprio dos seres humanos, ao amar alguém, a pessoa consegue entender o significado de gostar de, sem a necessidade de algo em troca. Dar carinho pelo simples fato de dar, pois afinal há um alguém especial ao seu lado. Sobre o sentimento de amor, Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), autor do livro Pequeno Príncipe, escreve elegantemente:  “o verdadeiro amor nunca se desgasta. Quanto mais se dá mais se tem”.

Também com a leitura de pequenos textos, sensibilizo os beneficiários a pensarem sobre as suas vidas emocionais, mas de uma maneira mais proativa; ensinando-os, do ponto de vista psicológico, a lidarem positivamente com as inúmeras situações conflituosas e adversas, sem com isso se sentirem hesitosos, raivosos, odiosos ou culposos. Sempre friso a eles que devem ensinar os seus olhos a serem mais sonhadores, percebendo as belezas ao redor, tanto com relação aos objetos, como também às experiências, vividas presentemente ou no passado. Metaforicamente, para que seja formado um baú mental de boas lembranças, de modo que os seus corações possam relembrar, com uma doce saudade, das lindas histórias das suas vidas.

De maneira geral, venho notando que as pessoas, tanto em nível individual, quanto grupal, procuram fazer verdadeiramente um autoconhecimento. No momento em que fazem um autoconhecimento, estão fortalecendo a autoestima, a autoconfiança, e também melhorando a convivência sócio familiar. Dizendo de outro modo, passam a valorizar a si mesmas e as suas famílias. Incorporando-se psicologicamente valores morais, notadamente essenciais: responsabilidade, gratidão e respeito; que, em minha opinião, vão perdurar expressivamente  por toda uma vida e ampará-las, certamente,  na tomada de decisões futuras.

Neste tempo no CRAS, procurei reciclar o meu conhecimento psicológico, pesquisando, estudando e debatendo os casos com as assistentes sociais. Reconheço que na minha área de atuação há muito ainda que ser feito, melhorado. Mas também muitos objetivos já foram quão significativamente alcançados.  Por que eu sou psicólogo de um CRAS? Porque é neste meu trabalho que eu me sinto gratificado, como ser humano e como psicólogo. Para finalizar, reafirmo as esplêndidas palavras de Victor Hugo (1802-1885), famoso poeta e dramaturgo, escritas logo no começo deste material:   “o bem que se faz perfuma a alma”.


[1]Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) (2008). Referências técnicas para atuação do(a) psicólogo(a) no CRAS/SUAS. Brasília: Conselho Federal de Psicologia (CFP) (página 24).