PUB


 

 

Verdades, covas ou covardes? O que as chacinas nos ensinam

2017
pedrosampaiominassa@gmail.com
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Cursou um semestre da Licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal

A- A A+
Verdades, covas ou covardes? O que as chacinas nos ensinam

 “O fim está próximo!”, já o disseram vários clássicos do cinema. Mas espera: estamos realmente na fronteira ética da humanidade? Do despenhadeiro só se vê escuridão. O fundo não existe, é puro vazio. Nada mais importa, nem mais aquele irmão, mãe ou filho à espera, que algum dia, voltem a bater à porta. Gritam todos agarrando a voz, para que não a percam na rouquidão amarga do aperto. Querem que o tempo volte aos milésimos, para que possam só uma vez mais, sonhar com o abraço da liberdade e da paz. Querem ir a pé ver os seus, que seja, nas grades. É tarde! Só restam as lápides. Lápides de poucos sonhos, aliás, de um só: a liberdade. A gaiola de tão apertada explodiu e, aos berros, estraçalhou coleiros, sabiás e trinca-ferros. Foi quando sonhos, de tão porosos, tornaram-se ilusões eternas no coração de mães ternas e, no sofrimento, fraternas. Elas choram baixinho e limpam suas lágrimas na barra da blusa com o cheiro do seu menino. Choram pelas algemas, que não puderam ver cair, pelos filhos, que não puderam ver sair e por um futuro, que não tiveram nem como ir. 

Abrem-se buracos, sem paz e com pás. A terra sente a dor das cavidades que se abrem no seu leito, na mesma proporção que as mães o sentem no seu peito. Não são árvores que germinam nos lugares dessas covas, são pessoas, corpos e formas. Não tem espaço para tanto corpo, não tem corpo para tanto descaso. Não tem caco para tanto estilhaço, não tem afeto que resolva um não dado abraço. Pão não tem, esperança tampouco, mas tem um Estado, um atestado, de quem fala muito e faz pouco.

São lágrimas de sangue que escorrem na terra, dali não germina mais nada, senão fome, miséria e guerra. Vamos plantando corpos pela nação e esperando que algum dia (não eleitoral) apareça um governo, que governe, sem desviar um tostão da moral. "Eu pensei em mim, eu pensei em ti. Eu chorei por nós. Que contradição só a guerra traz." O último a sair apagou a chama da “para finada” vela. A lógica da culpa invade e procura, quer um agente em qualquer escalão e altura. Vai ao ministro, ao secretário, ao governo, vai ao sempre feito de otário, todo brasileiro. Vai ao presídio e vai ao hospício e o que se vê é morte, chacina e vício. Não há futuro nem para os (ante)passados mortos, nem tampouco para os presentes, já tortos. Mortos ou matados?

 Nessa ida e vinda do estado de barbárie, onde se convive com cadáveres ambulantes putrefatos, em um “vivo-morto” eterno, não há espaço para suspeito e nem sequer investimento de respeito. E agora, José? O que vale mais: o bem da vida ou o mal da liberdade? Foi de J. P. Sartre, a loucura mais sã que já se ouviu: "Estamos condenados a ser livres." Damos escolha aos que nascem na “clandestina idade”? É, José, se ficar o bicho pega, prende e aperta, mas se correr, o bicho come, mata e enterra. Brasil, não se abre cova para plantar gente, à espera de uma floresta que nunca vai florescer, pois em terra onde nada se cultiva, a não ser temor e ódio, nem cacto de resistência brota, só o óbito.

Aos prisioneiros da vida, condenados pela Corte da morte, damos as seguintes opções: ou sobrevivem como bichos de zoológico ou morrem em estado escatológico. Não há aqui, aos que se enganam, manifesto a favor de criminoso ou de crime, o que há é protesto em favor de dignidade e justiça, como regime. Enganou-se Pero Vaz de Caminha quando, em carta ao rei de Portugal, escreveu: "Nesta terra, em se plantando, tudo dá". Mal sabia ele, não seriam plantas a germinar no terreno miserável do sistema penitenciário da terra brasilis e não seria de água, o regadio, mas sim, corpos, regados a muito sangue avinagrado. Que os filhos desta pátria mal querida, sintam o cheiro dos seus parentes decompondo debaixo deste chão e se sintam empoderados a colocar os verdadeiros bandidos na prisão. Assim e somente assim, a darem um pouco de alento aos que sobraram. Brasil, aqui não se plantam árvores, se enterram homens.

 

Pedro Sampaio Minassa

Pedro Sampaio Minassa é brasileiro, graduando (já finalista) em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo e cronista nos tempos livres. É colaborador de diversos portais e jornais, tais como o P3 (Público, Portugal), Portal DUO, Portal do Envehecimento, Crônicas da Editora KBR.

mais artigos de Pedro Sampaio Minassa