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Aprendizagem ao Longo da Vida - uma questão ontológica, mais que um princípio orientador de políticas educativas

2012

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Aprendizagem ao Longo da Vida - uma questão ontológica, mais que um princípio orientador de políticas educativas

Paulo Freire (1992), a propósito da educação permanente, apontava para a redundância da expressão, defendendo que a educação em permanência é a educação como prática da liberdade e, como tal, a educação é, na sua essência, permanente.

Para grandes epistemólogos do século XX, dos quais destaco Piaget (1970), a aprendizagem implica construção de conhecimento com vista à adaptação dos sujeitos. Ora, o processo adaptativo é intrínseco a qualquer organismo vivo. É ele que orienta a luta pela sobrevivência, quer nos reportemos ao meio natural, quer falemos dos sistemas mais complexos que integram os contextos sociais. Nesta perspectiva, a aprendizagem adquire um sentido ontológico e, como tal, pressupõe que ela se concretize ao longo de toda a vida.

Nas sociedades ocidentais, ditas civilizadas, a aprendizagem foi sendo conotada com o sistema educativo formal e, assim, direccionada para as primeiras fases do ciclo de vida, designadamente para a infância e adolescência. Por outro lado, com a industrialização e posterior advento informático/computacional, a educação passou a privilegiar a dimensão tecnológica e instrumental, de tal forma que "educar para a vida" foi progressivamente tomada como sinónimo de "educar para o trabalho e para o exercício da profissão". Pese embora a importância da preparação para o exercício profissional, outras dimensões do funcionamento humano foram sendo remetidas para circuitos periféricos.

Paradoxalmente, e face às vertiginosas mutações sociais que pautam a actualidade, apela-se ao exercício da cidadania ou, segundo alguns autores (e.g. Soromenho-Marques, 2006), ao exercício de uma nova cidadania, o que requer ferramentas que outrora não se equacionavam. Esta desvalorização da dimensão ética do ser humano foi concomitante com a desvalorização da dimensão estética e cultural. Educar para a profissão coartou aquilo que é mais relevante quando falamos de Aprendizagem ao Longo da Vida, a qual se pressupõe acontecer em contextos não formais e até informais de aprendizagem e se traduz num acumular de experiências que, se reflectidas e integradas de forma significativa, se revelam na sabedoria dos anciãos, reconhecida e enaltecida nas sociedades tribais e, portanto, não civilizadas.

Dito isto, parece-me desadequado, ou pelo menos restritivo, sobrepor a aprendizagem ao longo da vida laboral com a Aprendizagem ao Longo da Vida.

A problematização da Aprendizagem ao Longo da Vida tem sido uma constante nas últimas décadas. A sua tradução discursiva e operacional, em termos de políticas educativas, tem-se pautado pela diversidade e descontinuidade (Centeno, 2011). A este propósito, sabemos que este princípio orientador das práticas e políticas educativas tem vindo a ser apropriado de diferentes formas pelas organizações intergovernamentais com particular relevância neste domínio, designadamente pela UNESCO, OCDE e União Europeia. A UNESCO sustentou a sua abordagem à Educação de Adultos na conceptualização de uma política de Educação Permanente, a OCDE formulou-a em função do conceito de Educação Recorrente e o Conselho da Europa cruzou as duas opções. De facto, a perspectiva neoliberal consubstanciada nos princípios da OCDE tem vindo a contagiar o enquadramento estratégico de acção da União Europeia (Kleibrink, 2011), de tal forma que a problematização que actualmente faz da Aprendizagem ao Longo da Vida se traduz num conceito político híbrido (Centeno, 2011).

Estas diferentes formas de apropriação da Aprendizagem ao Longo da Vida fazem-me equacionar se efectivamente estamos a educar o ser humano naquilo que de mais nobre tem a educação, na sua perspectiva holística e integrada (Faure, 1972).

Sublinhando pilares ontológicos da aprendizagem, defendo que os mesmos sustentem de forma sistemática e inequívoca a concretização do princípio da Aprendizagem ao Longo da Vida, a partir da implementação de políticas educativas consonantes.

 

BLIBLIOGRAFIA:

Centeno, V. (2011). Lifelong learning: a policy with a long past but a short history. International Journal of Lifelong Education, vol. 30, nº 2, 133-150.

Faure. E. (1972). Learning to Be: the world of education today and tomorrow. Paris-London: UNESCO-Harrap.

Freire, P. (1992). Pedagogia da esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Kleibrink, A. (2011). The EU as a Norm Entrepreneur: the case of lifelong learning. Journal of European Education, vol. 46, nº 1, 70-84.

Piaget, J. (1970). O Nascimento da Inteligência na Criança. Rio de Janeiro: Zahar.

Soromenho-Marques, V. (2006). Educação, Cidadania e Direitos Humanos: Cinco questões numa era de crise global. Educação: Temas e Problemas, nº 2, 13-20.

 

Rita Barros

Rita Barros é Professora Coordenadora do Instituto Piaget, sendo responsável pelas unidades curriculares da área científica da Psicologia. É Licenciada e Mestre em Psicologia (especialização em Psicologia e Saúde) pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Porto. Possui Diploma de Estudos Avançados em Desenvolvimento Pessoal e Intervenção Social pelo Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade de Valência. É Doutorada em Ciências da Educação pela Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Santiago de Compostela. É Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos, com larga experiência profissional como psicóloga, quer em contexto hospitalar e de clínica privada, quer ao nível da intervenção comunitária. É investigadora integrada da RECI (Research Unit In Education and Community Intervention) e membro colaborador do CIIE (Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto).