Resumo

Foi realizada uma investigação com duas etapas. A primeira visava a identificação de factores caracterizadores da violência familiar, mediante um estudo analítico transversal de dois grupos de famílias, sendo o universo do estudo formado por todas as famílias da área de saúde “Ignacio Agramonte” de Camagüey, de Outubro de 1999 a Março de 2000. Por amostragem aleatória simples formaram-se dois grupos de 70 famílias cada: um de casos de violência familiar e outro de controle. Aplicaram-se o instrumento para identificar a violência familiar validado em Cuba e o FF-SIL para avaliar a funcionalidade familiar. Os grupos foram comparados quanto à idade, género, estado civil, escolaridade, ocupação, união familiar, tempo de convivência, antecedentes patológicos, comunicação familiar, participação social e funcionalidade familiar. Processaram-se os resultados com o programa EPI-INFO 6, fazendo-se estatística descritiva e inferencial. Utilizou-se o Chi Quadrado para a significância estatística (95% de confiança). A relação estatística entre violência familiar e problemas de consumo de álcool, problemas de comunicação familiar e predomínio de famílias disfuncionais foi significativa. A segunda etapa do trabalho consistiu em desenhar um projecto de intervenção comunitária para a violência familiar com perfil psicoeducativo.

Introdução

A violência, como actividade humana, pode apresentar-se na família e na sociedade em geral, onde o homem se interrelaciona e actua constantemente. Desde as suas origens até à actualidade, a violência tem sido um fenómeno intrínseco na história do ser humano. Sendo este um tema que a Humanidade tem tido dificuldade em abordar, encontra-se uma enorme dificuldade em identificar a violência; quiçá por isso podemos observar uma Humanidade, cuja história se baseia numa repetição constante e cada vez mais destrutiva de actos violentos. (1)

A violência converteu-se num problema cada vez mais sério para a Humanidade. Cada ano, pelo menos 3,5 milhões de pessoas morrem no mundo como consequência de actos de violência acidentais ou intencionais, nos quais são incluidos os familiares. Tal demonstra que este é um fenómeno universal no tempo e no espaço, pelo que é necessário políticas de saúde, de educação e de reorientação dos serviços, de forma a que a promoção e a prevenção permitam enfrentar este problema. O século XX foi considerado o de “A epidemia social do século” e o actual continua a sê-lo. O nosso trabalho pretende intervir neste problema relacionado com a família, mediante um programa psicoeducativo. (2)(3)(4)(5)

Objectivos

Geral: Desenhar um projecto de intervenção comunitária dirigida a aspectos preventivos da violência familiar.

Específicos:

- Identificar factores que caracterizem as famílias com problemas de violência familiar e que possam considerar-se em risco dela.

- Elaborar um plano de medidas de intervenção comunitária para as famílias com problemas de violência familiar.

Material e Método

Realizou-se uma investigação com duas etapas. Na primeira procurou-se identificar os factores que caracterizam a violência familiar, mediante um estudo analítico transversal de dois grupos de famílias: um grupo de casos com famílias violentas e um grupo de controle. Esta etapa decorreu de Outubro de 1999 a Março de 2000. Na segunda etapa desenhou-se um projecto de intervenção comunitária para as famílias com problemas de violência familiar.

Universo: todas as famílias da área de saúde “Ignacio Agramonte” de Camagüey. Amostra: 140 famílias seleccionadas por amostragem aleatória simples, divididas em dois grupos de 70 famílias cada um, com o critério de inclusão relacionado com comportamentos violentos familiares detectados através do Diagnóstico Comunitário de Saúde Mental previamente realizado.

Administrou-se a todas as famílias o instrumento para a identificação da violência familiar validado em Cuba (6) e o FF-SIL (7) para avaliar a funcionalidade familiar.

Variáveis:

- Dependentes: Violência Familiar

- Independentes: Comunicação familiar, participação social familiar, situações familiares geradoras de conflitos, discussões e outros actos violentos, vítimas de violência familiar e funcionalidade familiar.

- Complementares: idade, género, estado civil, tipo de união familiar e tempo de convivência, situação económica familiar, tipo e estado da habitação, escolaridade, ocupação e antecedentes psiquiátricos.

Os resultados dos grupos foram comparados segundo as variáveis mencionadas, tendo o processamento estatístico sido feito com o Programa EPI INFO 6 computorizado. Foi realizada estatística descritiva de frequências e procedimentos e estatística inferencial com o teste de Hipóteses de Proporções e o Chi Quadrado para a significância estatística. Adoptou-se 95% de confiança e um valor de p<0.05, segundo parâmetros internacionais.

O projecto de intervenção comunitária, que faz parte da segunda etapa, tem um perfil psicoeducativo e é dirigido aos membros de famílias com problemas de violência ou em risco dela, com um carácter fundamentalmente preventivo.

Análise e Discussão de Resultados

As respostas aos instrumentos foram de adultos com idades, na sua maioria, acima dos 40 anos, predominando o género feminino em ambos os grupos. Segundo dados do Diagnóstico Comunitário, predominam as habitações tipo casa, mas mais de 50% apresenta problemas de comodidade, segurança e conforto, existindo insatisfacção quanto a outros serviços públicos como o abastecimento de água e a iluminação das ruas. O estado geral de higiene das habitações era bom na sua grande maioria. As 140 famílias são compostas por 509 pessoas, 271 do grupo com problemas de violência e 238 do grupo de controle. Em ambos os grupos predominam as uniões familiares consanguíneas e com mais de 5 anos de convivência. Nos dois grupos, a maioria dos sujeitos eram adultos e o número de menores de 18 anos foi maior no grupo de casos. O grupo de casos de violência tinha mais homens. Nas famílias com problemas de violência, o nível de escolaridade era menor e existia maior número de desempregados e donas de casa, sendo significativa a relação estatística entre estas variáveis e a violência familiar (P=0.03, P=0.01 e P=0.002). Predominaram os indivíduos casados em ambos os grupos, assim como os problemas com a insatisfacção económica da família. Nas famílias com violência, 54.29% tinham membros com problemas relacionados com o consumo de bebidas alcoólicas, 32.86% com antecedentes de suicídio e 31.42% com outros transtornos psiquiátricos, resultando uma relação significativa entre estas variáveis e a violência familiar (P=0.006). O mesmo ocorreu com a variável da comunicação familiar dado que as maiores percentagens de problemas deste tipo estiveram nas famílias caso, com diferenças significativas de p<0.05. Estes resultados são similares a outros encontrados em estudos nacionais e internacionais.

Quanto à participação social das famílias foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, existindo relação entre famílias violentas e pobre participação em actividades sociais com p<0.05. 88.5% das famílias com violência utilizam o tempo livre a consumir bebidas alcoólicas e a ver televisão, sendo significativa a diferença com o grupo de controle (p<0.05). Nas famílias violentas predominam os problemas de divórcio (40%), abandono laboral (34.29%), problemas com outros familiares (32.86%), sanção penal (25.71%), jovens desocupados (25%), discussões e actos de agressão física entre os membros (91.28%), sendo significativa a diferença com o grupo de controle. As mulheres, enquanto vítimas da violência familiar, ocuparam o primeiro lugar com 85.71%. 79.99% das famílias violentas mostraram-se disfuncionais, segundo resultados do FF-SIL.

Com base nos resultados da primeira etapa deste trabalho, a segunda etapa apresenta um Projecto de Intervenção Comunitária, com perfil psicoeducativo, que atenta na violência familiar.

Projecto de Intervenção Comunitária para a Violência Familiar

Título: S.O.S. Violência Familiar

I. Propósito do Programa:

Oferecer orientação e atenção a famílias com problemas de violência familiar, com o objectivo de promover uma qualidade de vida superior que propicie uma Saúde Mental Comunitária também superior.

II. Objectivo Geral:

Prevenir e diminuir a violência familiar.

III. Objectivos Específicos:

1. Educar os membros da Comunidade em aspectos de comunicação familiar.

2. Educar os membros das famílias com problemas de violência em aspectos de dinâmica familiar, de forma a evitar a repetição de actos de violência como método para resolver problemas familiares.

3. Intervir em famílias que adoptem actos violentos como estilo de vida, actuando sobre os factores de risco e oferecendo atenção às vítimas de violência familiar.

4. Contribuir para o fomento e desenvolvimento de cenários intersectoriais e interdisciplinares que actuem sobre a violência familiar.

IV. Limites:

A) De espaço: Área de Saúde “Ignacio Agramonte”.

B) De tempo: A partir do ano 2001.

V. Universo de Trabalho:

Todas as famílias detectadas com problemas de violência familiar ou em risco dela, da área de saúde “Ignacio Agramonte” de Camagüey.

- Instituições participantes: Inclui os recursos da Comunidade que são: Equipa de Saúde Mental (ESM), Centro Comunitário de Saúde Mental (CCSM), Policlínico “Ignacio Agramonte” e Consultórios de Médicos e Enfermeiras de família da área de saúde.

- Organismos e Organizações a participar: Ministério da Saúde Pública, Conselhos Populares, Comissão de Prevenção e Assistência Social e Organizações da Comunidade.

- Pessoal a trabalhar: membros da Equipa de Saúde Mental da área, Médicos e Enfermeiras de família, Líderes formais e não formais da comunidade e famílias com problemas de violência familiar, ou em risco dela, que foram detectadas através do Diagnóstico Comunitário.

VI. Actividades ou tarefas:

As actividades do Projecto são organizadas segundo o seu público-alvo e a forma de aplicação.

1. Actividades de Promoção de Saúde Mental relacionadas com o comportamento violento familiar:

- Discussões educativas, audiências sanitárias e acções de saúde mental nas comunidades, utilizando os líderes das organizações, com a orientação científica da ESM e os médicos de família.

- Divulgar, pelos meios de comunicação massiva, mensagens educativas sobre estilos de vida saudáveis sem violência, ocupação de tempos livres, comunicação social, violência e suas formas de manifestação e efeitos nocivos do uso excessivo de álcool e outras drogas, que sejam elaborados por membros da ESM.

- Realizar no CCSM sessões psicoeducativas dirigidas ao desenvolvimento de capacidades de comunicação social, podendo formar-se grupos de famílias.

- Realizar sessões psicoeducativas orientadas também para o desenvolvimento de capacidades de comunicação social em Escolas Primárias, Escolas de nível Médio e outros sectores de ensino da comunidade (tanto para educandos como para trabalhadores), assim como em outros centros de trabalho da área de saúde. Estas sessões são dirigidas por membros do ESM.

- Divulgar actividades culturais, recreativas e educativas oferecidas pelas Casas de Orientação à Mulher e à Família, com o objectivo de encorporar aqueles que sentem necessidade de ajuda e orientação.

Os temas a abordar nestas actividades de promoção serão:

Funcionamento normal da família, comunicação familiar, relação de casal e comunicação, comunicação com filhos e com idosos na família, comunicação social, utilização saudável do tempo livre, normas de comportamento social, participação social nas acções de saúde mental, factores de risco de violência familiar, atenção familiar ao doente mental, novas formas de atenção em saúde mental, efeitos nocivos do álcool e outras drogas, repercussão do comportamento suicida, vantagens dos grupos de ajuda mútua e dos círculos de avós, formas de lidar com idosos na família e outros temas que surjam da própria comunidade.

- Preparar os líderes da Comunidade para a promoção de Saúde e prevenção de comportamentos violentos na família. (Tarefa da ESM)

2. Actividades de Prevenção de Comportamentos Violentos no meio familiar:

- Actividades psicoeducativas no Centro Comunitário de Saúde Mental com:

Grupos de pessoas que foram identificadas como em risco de encorrer em violência familiar e com pessoas identificadas como vítimas de violência familiar. Actividades: dinâmicas familiares naquelas famílias em risco de violência familiar e nas já identificadas como famílias violentas.

Estas actividades incluirão os temas mencionados no parágrafo anterior, de acordo com o caso ou problemas detectados nas famílias.

- Actividades profilácticas em centros escolares e de trabalho, aos quais pertençam as pessoas detectadas como em risco de violência familiar ou que sejam membros de famílias com estes problemas, utilizando os membros da ESM em conjunto com líderes destas instituições.

- Intervenção psiquiátrica dirigida a doentes mentais membros de famílias com problemas de violência familiar e seguimento médico adequado.

- Intervenção especializada a nível de Terapia Familiar a famílias que o desejem.

- Intervenção especializada orientada para as sequelas psicológicas da violência familiar.

VII. Organização do Programa:

Estructura:

Responsabilidade, a nível Municipal, pelo estabelecimento de regras e procedimentos para a implantação e desenvolvimento do projecto.

O Director do policlínico e a Equipa de Saúde Mental (ESM) da área serão os principais responsáveis por organizar, dirigir e controlar este projecto.

Os membros da ESM, encarregues por tarefas do projecto, trabalharão em conjunto com médicos de família e enfermeiras dos consultórios.

VIII. Avaliação:

Dirigida à medição dos resultados alcançados.

- Como processo: o cumprimento dos objectivos;

- Como resultado: a avaliação final por etapas.

Serão avaliados o Diagnóstico Comunitário de Saúde (anual), em conjunto com a avaliação mensal do cumprimento das tarefas do projecto. Para além disso, será também averiguado o grau de satisfacção da população com os serviços prestados, através de entrevistas, opiniões, visitas, etc., que se realizarão semestralmente.

IX. Controlo:

Consiste na análise da forma como se vão cumprindo os objectivos e tarefas, sendo que as suas premissas serão: medir resultados positivos e negativos, papel da equipa de saúde mental e grau de satisfação da população.

- Elementos a ter em conta: opiniões dos médicos e enfermeiras de família e opiniões de outros líderes da comunidade.

- Actividades de controlo: visitas a consultórios médicos, visitas ao CCSM e supervisões periódicas ao trabalho da ESM.

X. Indicadores para medir o impacto:

- Índice de famílias em risco de violência familiar.

- Índice de famílias com problemas de violência familiar.

- Taxa de prevalência de alcoolismo.

- Taxa de prevalência de tentativas de suicídio.

- Taxa de suicídio.

XI. Financiamento:

Salário: receber-se-á pelos cooperantes nos seus centros de procedência.

Outros gastos: responsáveis dos organismos que administram os serviços nos centros que serão utilizados.

Conclusões

- A partir dos resultados deste estudo observamos uma relação entre violência familiar e: baixa escolaridade dos membros da família, desemprego, presença de antecedentes patológicos familiares nos indivíduos que convivem com problemas de consumo de álcool, suicídio e/ou tentativa de suicídio.

- Comprovou-se a relação entre violência familiar e problemas de comunicação familiar, pobre participação em actividades sociais e problemas de relações com vizinhos e amigos.

- Existe uma relação significativa entre o consumo de bebidas alcoólicas (como problema de saúde) e o uso do tempo livre nas famílias com problemas de violência.

- Houve um predomínio significativo de famílias “disfuncionais” entre as que apresentaram problemas de violência, tendo conflitos relacionados com: divórcio, abandono do trabalho, problemas com outros familiares e sanção penal.

- Todos estes elementos podem constituir factores de risco de violência familiar, pelo que devem ser tidos em consideração.

- Propomos um Projecto de Intervenção Comunitária dirigido a famílias com problemas de violência familiar, com um perfil psicoeducativo.

Bibliografia

1.- Grimbing, R. M. : Violencia Intrafamiliar. Revista Violencia y Psicología Iberoamericana. 1993; 4 (3): 5 – 9

2.- Organización Panamericana de la Salud. Conferencia Interamericana sobre Sociedad, Violencia y Salud. Washinton, D.C.: OPS; Novioembre, 1996.

3.- Franco, S. : Violence: A growing Public Health Problem in the region. Epidemiololbull 1990; 11: 1 – 7

4.- Yunes, J. : Mortality from violent causes in the Americas bull Panam Health. Aigon 1990; 12: 1 – 7

5.- Rosemberg, T. : Children of cain: violence and the violent in Latin America. New York: Williams Morrow and Company; 1999.

6.-Cuellar, R. R. ; Solanas, F. I. ; Riera, C. N. : Validación de un instrumento para la identificación de la violencia familiar. Trabajo Científico de Terminación de la especialidad en Psiquiatría. ISCM-Camagüey, Cuba. 1999.

7.-Cuesta, F. D. ; Pérez, G. E. ; Lauro, B. I. : Un instrumento de funcionalidad familiar. Revista Cubana de Medicina general Integral. 1996; 12 (1): 24 – 31

8.-Larrain, S. ; Rodríguez, T.: Los orígenes y el control de la violencia doméstica en contra de la mujer. OPS. Género, mujer y salud en las Américas. Washington, D.C. OPS; 1996.

9.-O.P.S.: Proyecto regional para prevenir la violencia. Boletín OPS vol. 120 #4; abril 1996.

10.-O.P.S.:Los médicos frente al maltrato de la mujer. Boletín OPS vol.11 #6. Octubre,1996.