Introdução

Como apresenta Williams (1993), os dados mais consistentes disponíveis na literatura da psicologia desportiva científica apontam para uma correlação directa entre a autoconfiança e o sucesso na competição. Aquilo que os jogadores de uma equipa pensam ou verbalizam relativamente à competição é crítico, e afecta o seu rendimento a curto ou a longo-prazo. Em virtude disto, um pensamento ou uma forma de pensar inadequada conduz a sentimentos negativos e a um rendimento desportivo pobre; pelo contrário, um pensamento apropriado ou positivo conduz a / proporciona sentimentos de valia e alto rendimento desportivo (Rosin e Nelson, 1983; Dorsel, 1988; Kendall, Hrycaiko, Martin e Kendall, 1990).

A chave para o controlo cognitivo - os pensamentos – é o auto-diálogo (Williams, 1993). A frequência e o conteúdo de dois pensamentos variam de uma pessoa para outra; mas podemos afirmar que cada vez que pensamos acerca de algo estamos a falar ou a dialogar com nós próprios. O auto-diálogo, quando é negativo, distrai da tarefa que há que realizar e interrompe as capacidades automáticas aprendidas. O auto-diálogo é especialmente destrutivo quando um jogador ou toda uma equipa se etiqueta de forma pejorativa (Ellis,1988).

Uma vez estabelecida a necessidade de conhecer e, caso necessário, modificar o diálogo interno do jogador como factor-chave que determina os nossos sentimentos (confiança, utilidade, valia…) e comportamentos (rendimento desportivo), faz sentido o artigo que desenvolveremos de seguida, o qual apresenta um programa de trabalho em técnicas cognitivas neste âmbito.

Objectivos do programa de treino em técnicas cognitivas

Os objectivos do programa de treino em técnicas cognitivas são (Gonzalo, 1997):

1. Tornar os jogadores conscientes do impacto que a sua actividade cognitiva (isto é, os seus pensamentos) tem nos seus sentimentos e no seu comportamento.

2. Identificar aquilo que os jogadores dizem a si próprios nas diferentes situações de prática desportiva - quando estão a perder, quando falham um remate, quando lhes roubam a bola, quando uma marcação é muito intensa, etc… - com o objectivo de conhecer quais situações e acontecimentos estão associados a determinados padrões cognitivos.

3. Modificar – caso seja negativo ou interfira con a execução desportiva – aquilo que os jogadores dizem a si mesmos em determinadas situações desportivas com o objectivo de tornar os seus sentimentos e comportamentos mais eficazes.

4. Ajudá-los a identificar e responder às distorções de pensamento pós-competição, substituindo estas por outros pensamentos alternativos mais ajustados à realidade.

Técnicas para cada objectivo e metodologia

Técnicas para o primeiro objectivo: Para tornar os jogadores mais conscientes do poderoso impacto que têm os pensamentos nos seus sentimentos e no seu comportamento em campo, utilizamos a retrospecção (Williams, 1993). Esta consiste em que os jogadores recordem um determinado jogo no qual, por exemplo, jogaram muito bem e tentem recriar os pensamentos que tiveram lugar antes e durante esse jogo. Muitos jogadores são capazes de identificar padrões de pensamento associados a boas e más actuações. Com isto conseguimos que os jogadores tomen consciência da situação específica que conduziu a este tipo de pensamento.

Técnicas para o segundo objectivo: Para identificar aquilo que os jogadores dizem a si mesmos nas diferentes situações desportivas de forma a averiguarmos que acontecimentos estão associados a determinadas formas de pensar, podemos utilizar, para além da retrospecção, o questionário “Sport Performance Feedback” (Williams, 1993) Este questionário pode ser administrado depois dos jogos e permite recolher, além de informação directa do auto-diálogo dos jogadores, outros dados referentes a variáveis relevantes na psicologia desportiva. Também se pode utilizar o vídeo: visionar vídeos de jogos ajuda o jogador a evocar estes pensamentos, podendo, simultaneamente, anotá-los num papel.

Técnicas para o terceiro objectivo: Para modificar aquilo que os jogadores dizem a si mesmos em determinadas situações - potencialmente geradoras de stress - utilizamos as auto-instruções (Meichenbaum, 1977). Estas são utilizadas quando aquilo que o jogador diz a si mesmo interfere na / é inadequado para a execução do comportamento desportivo (Ruiz Fernández, 1993). O psicólogo, junto com os jogadores, revê as situações stressantes do jogo que põem em marcha os pensamentos negativos; por exemplo, um jogador de andebol falha um remate numa excelente posição para marcar, sendo os seus pensamentos após este erro os seguintes: "Que mal eu estou, não acerto uma; acho que não podemos com eles!...".

Este autodiálogo interfere com a tarefa pois gera ansiedade e impede o jogador de se centrar na jogada seguinte ou naquilo que o treinador lhe disse. Isto ensina-o que neste caso, e em primeiro lugar, mediante a técnica chamada paragem de pensamento (Meyers e Scheleser, 1980) deve suspender a cadeia de pensamentos negativos dizendo a si mesmo "Basta!". Depois, é-lhe explicado que tem que utilizar nesta situação as auto-instruções previamente treinadas (frases curtas que dizemos a nós mesmos internamente para nos orientar com éxito em detrrminado comportamento). Entre psicólogo e jogadores determinam-se quais auto-instruções poderá utilizar nesse momento (por ex. "Se continuar a tentar, conseguirei marcar golo pois estamos a conseguir meter bolas na área do adversário!". Estas auto-instruções, como aponta Buceta (1991), servem para recordar que o que acontece é algo “possível” de acontecer, que é inerente ao jogo, que não é nada de mais, que os golos já aconteceram antes, que nesse momento é racional centrar-se naquilo que o treinador lhe indica e não no facto de ter falhado o tiro.

Outro momento em que se podem pôr em práctica as auto-instruções é quando a equipa está a perder (em andebol ou basquetebol) por vários pontos de diferença. É muito provável que sejam aflorados sentimentos de desânimo, que os jogadores comecem a sentir alguma ansiedade e se precipitem na construção das jogadas. Além de poderem efectuar algumas inspirações profundas de forma a regularem o excessivo nível fisiológico que pode acompanhar esta situação, os jogadores têm que pôr em marcha auto-instruções – ensaiadas antes da competição – do seguinte tipo: "Temos tempo para recuperar; vamo-nos centrar em concretizar este ataque". As auto-instruções deverão ser curtas e congruentes com o estado de ânimo. Não se debe, neste sentido, dizer-se "não estou nervoso" quando na realidade se está. É melhor dizer-se: "Estou nervoso, mas sei o que tenho que fazer para o superar". De qualquer forma, é fundamental que o jogador perceba que o que se diz o ajuda a superar a situação stressante.

Resumindo, podemos utilizar as auto-instruções para (Gonzalo, 1997):

1. Analisar e prever aquilo que pode acontecer num determinado jogo (os inconvenientes que um jogo tem: estar a perder, falhar lances, perder bolas…), e recomendar aos jogadores, conjuntamente com o psicólogo e o treinador da equipa, auto-instruções curtas e claras que poderão ser utilizadas nesses momentos para que orientem o comportamento desportivo com eficácia, que demonstrem que há uma saída para a a situação.

2. Para motivar os jogadores, já que estas podem ser motivantes por si mesmas, isto é, que a sua utilização tão pouco se restringirá apenas às situações nas quais encontramos padrões negativos de pensamento.

Técnicas para o quarto objectivo: Especialmente quando se perde, ou quando não se jogou bem, ou quando as circunstâncias da derrota tenham sido particularmente dolorosas - como perder por lançamentos livres ou por penalti, no caso do futebol -, ou ainda quando se perde jogando bem mas “não se teve sorte”, devemos estar atentos às distorções cognitivas que podem afectar os jogadores. Gauron (1984) recolheu as distorções cognitivas que, comunmente, mais afectam os jogadores:

1. A perfeição é necessária: Uma das ideias irracionais ou distorções cognitivas que afectam com mais frequência os atletas é a de que devem ser competentes e perfeitos em tudo o que tentam. Os atletas que pensam que devem ser perfeitos culpar-se-ão a si mesmos por qualquer erro que cometan. O seu autoconceito será muito baixo quando se enganarem. Este tipo de distorção conduz, ainda, a que o jogador se sinta pressionado, não disfrute com o jogo e não tenha um desempenho óptimo.

2. Catastrofização: Acompanha normalmente as tendências perfeccionistas. Se o atleta acredita que qualquer falha é um desastre humilhante, há que actuar sobre esta distorção. Pensar que as derrotas são catástrofes não servirá de nada. O útil passará sim por corrigir defeitos e prever, dentro daquilo que é humanamente possível, acontecimentos futuros.

3. O valor pessoal depende do êxito: Há que ajudar os jogadores a valorizarem-se não só pelo êxito (ganhar, jogar como titular…) mas também pelo seu contributo geral na equipa (frequentemente maior do que normalmente é percebido pelo jogador) e pelo esforço pessoal que, como profissionais, efectuam para superar os desafios.

4. Culpa: Nada se ganha com desculpas ou com a atribuição dos erros aos outros. Da mesma maneira, nada se consegue com atribuir-se a si próprio todas as culpas da derrota. O psicólogo deve ajudar os jogadores e treinadores a efectuarem atribuições adequadas de responsabilidade sobre o seu desempenho e rendimento.

5. Pensamento polarizado: Trata-se da tendência para ver as coisas e as pessoas em termos de “tudo ou nada” (pensamento absolutista). O pensamento do “tudo ou nada” conduz o desportista a categorizar qualquer acontecimento como “com êxito” ou “sem êxito”, bom ou mau … Este pensamento também se apresenta frequentemente na forma de “etiquetas”: "Esta é uma equipa perdedora"; "não têm agressividade"; "são uma equipa faltosa …" Descrever algo ou alguém de forma avaliativa em duas ou três palavras estereotipadas é muito negativo já que os atletas tendem a introjectá-las, passando assim a formar parte do seu autoconceito e influenciando as suas expectativas. As “etiquetas”, ainda, são muito difíceis de eliminar; convém, neste sentido, tentar evitar este tipo de linguagem categórica.

6. Sobregeneralizações: Trata-se de, a partir de algumas experiências, deduzir uma frase válida para todo o tipo de situações. É concluir sem ter suficientes dados empíricos para tal. Exemplo: a partir do facto de terem corrido mal dois jogos num determinado campo, afirmar que não se consegue realizar bons jogos ou mesmo ganhar naquele lugar.

7. Personalizar: Consiste em ver-se a si mesmo como a causa das derrotas e dos fracassos. Exemplo: "Perdemos o jogo porque eu falhei o lançamento no último minuto."

Depois dos jogos analisa-se objectivamente, com a ajuda de vídeo, a actuação da equipa. O psicólogo, os jogadores e o treinador tê que estar muito atentos a qualquer tipo de verbalização e avaliação que se faça acerca do que sucedeu em campo. Particularmente, há que identificar e modificar as distorções anteriormente descritas porque podem afectar o ânimo dos jogadores. Do que se trata, em suma, é de efectuar uma análise objectiva do sucedido no jogo, ou seja, analisar os factos de modo a que se ajustem o mais possível ao que aconteceu durante o jogo. Para isso, podemos servir-nos da reestruturação cognitiva, tambén utilizada em clínica. Esta consiste, basicamente, no seguinte: 1. O que os jogadores manifestam são hipóteses que devem ser comprovadas ou refutadas pela evidência empírica. 2. Há que procurar os dados que provem que o que se diz é efectivamente assim. 3. Discutir as opiniões à luz das evidências encontradas (Beck, 1984).

Para se efectuar uma reestruturação cognitiva com uma equipa de jogadores poder-se-á seguir o esquema que Andrés e Bas (1994) propõem para o âmbito clínico, e o qual pode ser transferido para a área desportiva sem problemas de maior.

Conclusões

Definitivamente, trata-se de que os jogadores e atletas percebam o psicólogo como um treinador, mas apenas no aspecto mental ou de mental training (Williams, 1993). Assim como um treino diário físico técnico e táctico leva a que os jogadores enfrentem a competição preparados nestas áreas, um treino (neste caso) cognitivo - o qual não exclui, evidentemente, que se possam utilizar outras técnicas para outros níveis dentro do triplo sistema de resposta – pode contribuir para que os jogadores possuam uma adequada preparação no aspecto psicológico.

Referencias

Andrés, V., Bas, F. (1994). Terapia cognitivo-conductual da depresión: um manual de tratamiento. Madrid: Fundación Universidad Empresa.

Beck, A. (1984). Cognitive approaches to stress. Em R. Woolfolk, e C. Lehrer (Comps.). Principles and practice of stress management. New York: Guilford Press.

Buceta, J. M. (1991). A intervención conductual em o deporte de competición. Em G. Buela-Casal, e V. E. Caballo (Comps.). Manual de psicología clínica aplicada. Madrid: Siglo XXI de España Editores.

Dorsel, T. (1988). Talk to yourself: realistic selftalk means less stress on the course. Australian Golf Digest, 49, 46-47.

Ellis, A. (1988). Can we legitimately evaluate ourselves? Psychotherapy Theory, Research and Practice, 25, 314-316.

Gauron, E. F. (1984). Mental training for peak performance. Lansing New York: Sport Sciences Associates.

Gonzalo, J. L. (1997). Psicología do deporte aplicada: técnicas de intervención psicológica para a mejora do rendimiento físico e deportivo em deportes de equipo. Um programa de trabajo. San Sebastián: Servicio de publicaciones do gabinete de psicología clínica e educativa.

Kendall, G., Hrycaiko, D., Martin, G., e Kendall, T. (1990). Effects of an imagery rehearsal relaxation and seltalk package on basketball game performance. Journal of Sport and Exercise Psychology, 12, 157-166.

Meichenbaum, D. (1977). Cognitive-Behaviour Modification. New York: Plenum.

Meyers, A. W., e Scheleser, R.A. (1980). A Cognitive behavioral intervention for improving basketball performance. Journal of Sport Psychology, 2, 69-73.

Rosin, L., e Nelson, W. (1983). The effects of rational and irrational self-verbalizations on performance efficiency and levels of anxiety. Journal of Clinical Psychology, 39, 208-213.

Ruiz Fernández, M. A. (1993). Técnicas cognitivas e terapias cognitivo-conductuales. Em M. A. Vallejo, e M. A. Ruiz (Comps.). Manual práctico de modificación de conducta, Tomo 2. Madrid: Fundación Universidad Empresa.

Williams, J. M. (1993). Applied sport psychology: personal growth to peak performance. California: Mayfield Publishing Company.