Resumo

Partindo dos impasses, em aberto, na adaptação da escala Commitment Choice Career Scale - CCCS – (Blustein, Ellis & Devenis, 1989) à população de adolescentes e jovens portugueses, no que concerne a discrepância factorial (Gonçalves & Coimbra, 1997; Silva, 1995), os autores propõem-se construir uma escala para avaliar o estatuto dos adolescentes face às escolhas de formação/profissão. Assim, assumindo como pressuposto que os principais processos psicológicos subjacentes ao desenvolvimento vocacional são a exploração e o investimento (Coimbra & Campos, 1991; Gonçalves & Coimbra, 1997), apresenta-se, em alternativa, à escala bifactorial de Blustein, Ellis e Devenis (1989) a Escala de Exploração e Investimento Vocacional constituída por quatro dimensões: exploração, investimento, foreclosure e difusão. Apresentam-se os resultados do estudo piloto, realizado em escolas EB 2,3 da Região do Norte, a uma amostra de 302 adolescentes do 9º ano de escolaridade (3º ciclo do Ensino Básico, correspondendo a nove anos de escolaridade obrigatória em Portugal) para a validação da estrutura factorial da escala e a respectiva consistência interna das quatro subescalas. Discutem-se e reflectem-se os resultados, bem como as suas implicações para a investigação e intervenção psicológicas.

 

Estatuto dos adolescentes face às escolhas vocacionais

O desenvolvimento vocacional tem sido conceptualizado, ao longo do tempo, a partir de múltiplas abordagens teóricas, emergindo daí diversos pontos de vista sobre o problema, com incidências incontornáveis na delimitação do seu âmbito, bem como nas estratégias de intervenção para a sua promoção.

Nós assumimos que o desenvolvimento vocacional, se constitui como uma dimensão integradora do desenvolvimento psicológico global, referindo-se à confrontação do indivíduo com as sucessivas tarefas relacionadas com a elaboração, implementação e reformulação de projectos de vida multidimensionais, ao longo do ciclo vital, onde estão em jogo a educação/formação, a qualificação e a actividade profissional, na articulação com a escolha de um estilo de vida que comporta a coordenação dos diferentes papéis da existência (Campos, 1991)

Desde este ponto de vista, não fazem qualquer sentido as clivagens entre desenvolvimento vocacional e as outras dimensões do desenvolvimento humano. Assim, o desenvolvimento vocacional poderá ser considerado como a dimensão de síntese ou integração de todas as dimensões da existência e, deste modo, a sua promoção é inseparável da promoção das múltiplas dimensões do desenvolvimento psicológico como o cognitivo, moral, interpessoal, a identidade... (Campos, 1980).

Embora reconhecendo-se os contributos que outras perspectivas teóricas proporcionaram à investigação para a compreensão e transformação da realidade vocacional, a perspectiva construtivista, ecológica e desenvolvimental, do nosso ponto de vista, emerge como a proposta mais útil e integradora, ao considerar que os projectos vocacionais não se descobrem, mas constróem-se nos contornos das oportunidades que os contextos histórico-sociais viabilizam ou impossibilitam. Dentro deste quadro geral histórico/construtivista, o desenvolvimento vocacional processa-se ao longo da história de vida do indivíduo, através das relações que o sujeito psicológico estabelece com os segmentos diversificados da realidade, sob forma de encontros, experiências, contactos, questionamentos e significados, implicando a desconstrução de projectos anteriores e a reconstrução de novos investimentos (Coimbra, Campos & Imaginário, 1995).

Assim, a exploração e o investimento surgem como os dois processos psicológicos fundamentais que nos ajudarão a compreender de forma mais adequada o desenvolvimento vocacional, porque é mediante a exploração, através da relação que o sujeito estabelece com a realidade psicossocial - pela procura, questionamento e experienciação -, que o sujeito transforma e reconstrói os seus investimentos vocacionais actuais (Coimbra & Campos, 1991).

Neste processo de construção de um projecto vocacional, os sujeitos confrontam-se ao longo do seu desenvolvimento, face à diversidade de escolhas de formação/profissão, com momentos predominantemente de exploração, de investimento com ou sem exploração ou mesmo na ausência de projectos - nem explorando nem investindo - os diffusers (Marcia, 1966).

Com o objectivo de avaliar qual o estatuto dos adolescentes e jovens face à escolha vocacional construiu-se, no âmbito de um projecto mais alargado, a Escala de Exploração e Investimento Vocacional.

 

Amostra

A amostra do estudo piloto da Escala de Exploração e Investimento Vocacional (EEIV) é constituída por 302 adolescentes portugueses do 9º ano de escolaridade com uma idade média de 14,22 anos, de 4 escolas EB 2,3 da região norte (Porto e Viana do Castelo).

Quadro 1
Caracterização da amostra (Nº302)

Idade 

13 a 17 anos

 

Média de Idade

14,22

 

NSE  da Família

Média Alta

26,9%

Média

27,6%

Média B./Baixa

45,5%

 

 

Tipo de Família

Intacta

81,9%

Monop.

4,3%

Divórcio

8,6%

União de Facto

1%

Viúva

4%

Escolaridade dos Pais

1º ciclo

21,9%

2º ciclo

17,7%

3º ciclo

15,3%

Secundário

23,3%

Ens. Superior

21,8%

Género

Masculino

153 (50,7%)

Feminino

148 (49,3%)

 

 

 

 

Instrumento e procedimentos

O ponto de partida da construção da Escala de Exploração e Investimento Vocacional (EEIV) foi suscitado pelos problemas que emergiram da adaptação da escala Commitment to Career Choice Scale (Blustein, Ellis & Devenis, 1989) à população de adolescentes e jovens portugueses, nomeadamente no que concerne a discrepância da estrutura factorial (Gonçalves & Coimbra, 1997). A estrutura factorial bi-dimensional (exploração - VECS e tendência à exclusão de escolhas - TTF) dos autores originais não foi confirmada pelo nosso estudo nem por outros estudos nacionais e internacionais, (Silva, 1997; Stead, Watson & Mels, 1994).

Como no nosso estudo supracitado (Gonçalves & Coimbra, 1997) encontramos uma estrutura trifactorial e como a terceira subescala emergente (Escala de Investimento Vocacional) tinha um valor de alfa de apenas .60, adiantando-se como uma das hipóteses explicativas o facto de ser constituída por apenas 5 itens, decidiu-se construir novos itens para esta subescala. Aliás, a emergência deste novo factor (investimento) é consentâneo com as teorias desenvolvimentais (Erikson, 1968, 1980; Marcia, 1966, 1986; Campos & Coimbra, 1991) que sublinham que existe, ao longo do desenvolvimento em geral, e no vocacional em particular, momentos processuais predominantemente marcados por actividades de exploração, que implicam procura, questionamentos, conflito cognitivo, experiências geradoras de ansiedade, e outros por investimentos, isto é, por novos investimentos pela reconstrução dos investimentos anteriores, mediante a exploração.

A emergência deste terceiro factor, por um lado, parece colocar em causa os pressupostos teóricos de que parte o autor original na construção da escala, ou seja, que níveis baixos de exploração estão relacionados com níveis altos de investimento e, por outro, está de acordo com a teoria dos estatutos de identidade de Marcia (1966). O facto de existirem níveis baixos de exploração não significa linearmente que os indivíduos estão num momento de investimento; podem estar numa situação de total ausência de investimentos e exploração, como acontece aos sujeitos que estão num estatuto de identidade de difusão.

De acordo com a teoria de Marcia (1966) aplicada aos estatutos de identidade vocacional, pareceu-nos ser oportuno acrescentarmos uma quarta subescala (difusão vocacional) para identificar os sujeitos que não fazem investimentos nem exploram: os diffusers. Para o efeito, construíram-se itens para a subescala de difusão vocacional.

O processo de construção dos itens passou por várias versões, à medida que surgiam os contributos dos vários investigadores que analisaram um projecto inicial da escala proposto pelo investigador principal. A versão final é o produto parcimonioso deste trabalho seguido de uma reflexão falada a cinco sujeitos representantes da amostra do estudo.

Assim, a versão da escala (EEIV) utilizada no estudo piloto é constituída por 4 subescala: Exploração, Investimento, Foreclosure e Difusão.

 

Resultados

Após termos realizado várias análises factoriais exploratórias com rotação ortagonal varimax, segundo o método de principais componentes, verificamos que a estrutura mais coerente era de cinco factores porque os itens 33, 37 e 41 que pretendem avaliar o de estatuto de identidade outorgada às figuras significativas (Pais e professores e amigos) não se acoplavam aos itens da subescala do estatuto de outorgado com tendência à exclusão de opções, colocando em questão a nossa estrutura inicial de quatro factores. Assim, apresenta-se, no Quadro 2, a estrutura factorial encontrada neste estudo, bem como os valores alfa de consistência interna de cada uma das subescalas, o número de itens que as constituem e o seu respectivo contributo para a variância total explicada que é de .47,602. Eliminaram-se os itens 9, 12, 13, 26, 34, 39, 44 e 46 por serem pouco discriminativos em termos das várias dimensões e porque tinham uma saturação abaixo do valor .300.

 

Quadro 2
Escalas e consistência interna do EEIV

Escales

Nº Items

% da Variância

Alfa

Fact. 1: Exploração

Fact. 2: Difusão

Fact. 3: Investimento

Fact. 4: Tendência à exclusão de opções

Fact. 5: Outorgado aos Significativos

11

9

9

6

3

13,46

11,55

9,90

7,70

4,99

.87

.82

.79

.75

.65

Total da variância explicada

47,602

 

 

Apresentam-se, no quadro 3, os resultados da análise de variância para verificar se existem diferenças de género relativamente à posição dos sujeitos face à escolha vocacional:

 

Quadro 3
Diferenças de género.

Scales

F

Sig

Exploração

Difusão

Investimento

Tend. exclusão opções

Outorgado Signif.

9,230

4,064

17,430

1,097

10,006

.003 *(F>M)

.045

.000 **(M>F)

.296

.002 (M>F)

Nível de significância: *p<.001; **p<.0001

 

Pela análise do quadro verifica-se que existem diferenças significativas relativas ao género nas dimensões da exploração, do investimento e do estatuto outorgado aos significativos. Assim, (a) o grupo das raparigas (M=39,05; DP=11,11) estão num momento de exploração mais acentuado que os rapazes (M=35,09; DP=10,49); (b) o grupo dos rapazes (M= 40,1; DP=6,77) estão num momento mais acentuado de investimento do que as raparigas (M= 36,7; DP=7,37); (c) o grupo dos rapazes (M= 7,11; DP=3,09) tem um estatuto outorgado em relação aos significativos mais vinculante do que as raparigas (M= 6,57; DP=2,81).

 

Discussão dos Resultados

Após a apresentação dos resultados reflecte-se um conjunto de considerações na tentativa de explicar o significado psicológico e social dos mesmos e suas implicações para o desenvolvimento da escala na investigação em curso e para a intervenção psicológica.

Globalmente podemos afirmar, a partir da coerência da estrutura factorial do EEIV e dos valores Alfa de consistência interna das várias subescalas, que estamos face a um instrumento que poderá proporcionar um contributo importante à investigação e à intervenção para a avaliação dos estatutos de identidade vocacional dos adolescentes e jovens face à escolha vocacional, sobretudo em momentos em que o sistema de formação se diversifica constrangindo-os a uma escolha de um agrupamento ou curso.

Relativamente à emergência do quinto factor, que não se agrupa, como prevíamos inicialmente, ao estatuto de foreclosure (4º factor) pode ser explicado pelo natureza explícita dos próprios itens que os sujeitos da amostra atribuem significados diferenciados. Os 6 itens do quarto factor, tendência à exclusão de opções (T.E.O), referem-se ao estatuto dos sujeitos que investem em projectos vocacionais sem fazerem exploração de outras alternativas. Estes indivíduos, por medos e inseguranças face a novas opções, ou porque cognitivamente têm um pensamento dicotómico e polarizado, situam-se num momento do seu desenvolvimento vocacional de um certo dogmatismo dualista, aderindo à crença de que existe apenas uma opção certa (Knefelkamp & Slepitza, 1976). Os itens do factor 5 (outorgado em relação aos significativos) referem-se aos sujeitos que investem mas não exploram, delegando as responsabilidades da escolha para figuras de autoridade exteriores a eles: pais, psicólogo e amigos... Assim, as figuras de autoridade funcionam como um suporte para lidarem com a ansiedade e insegurança face à exploração e ao confronto com a diversidade das escolhas.

Quanto às diferenças de género, Quadro 3, impõe-se tecer algumas considerações quanto ao facto de se registarem diferenças significativas relativas ao género; ou seja, as raparigas encontram-se predominantemente num momento de exploração e os rapazes num estatuto de investimento e de outorgado relativamente aos significativos. Seria de esperar que os alunos do 9º ano de escolaridade, independentemente do género, se encontrassem predominantemente num momento de exploração vocacional (Gonçalves & Coimbra, 1997). Contudo, os alunos encontram-se fundamentalmente numa fase de investimento (90,8%) e num estatuto de outorgado - tendência à exclusão de opções - (74,6%), situando-se 11,8% no estatuto de outorgado em relação às figuras significativas e 9,03% num estatuto de difusão. Provavelmente este resultado explica-se pelo facto da administração do questionário ter sido realizada no início do ano lectivo 2002/2003 (primeiras semanas de Outubro), em que o problema da escolha para adolescentes, quase todos eles entre os 13 e 14 anos, ainda não ser tarefa saliente. Embora o sistema de oportunidades de formação os obrigue, no final do 9º ano de escolaridade, a realizar a escolha de um agrupamento, é obvio que esta tarefa importante do seu desenvolvimento só é activada pela pressão dos educadores: pais, professores, directores de turma e SPO's. Como os sujeitos estão no início do ano lectivo ainda não foram confrontados com a urgência da exploração do mundo das formações e do trabalho. Provavelmente, os investimentos por parte dos rapazes são pouco explorados e alicerçados em representações simplistas sobre a realidade do mundo do trabalho e das formações. O facto das raparigas estarem numa fase mais acentuada de exploração do que os rapazes poderá atribuir-se ao próprio processo de desenvolvimento e às expectativas mais elevadas de que as raparigas são portadoras em relação à continuidade da formação, mobilizando recursos motivacionais para persistirem a uma estrutura de formação selectiva e competitiva. Os rapazes tendem, face à pressão, a abandonarem precocemente o sistema de formação para tentarem entrar no mundo do trabalho (Gonçalves & Coimbra, 1997).

Perante os problemas levantados pelo estudo piloto vamos continuar a desenvolver a escala construindo novos itens para a quarta (TEO) e quinta subescalas (Foreclosure/significativos) aumentando, deste modo, as potencialidades da EEIV como um instrumento útil para a investigação e intervenção no desenvolvimento vocacional de adolescentes e jovens.

 

Bibliografia

Blustein, D. L., Ellis, M. V. and Devenis, L. E. (1989). The development and validation of a two-dimensional model of the commitment to career choices process. Journal of Vocational Behavior, 35, 342-378.

Campos, B. P. (1980). A orientação vocacional numa perspectiva de intervenção no desenvolvimento psicológico. Revista Portuguesa de Pedagogia, XIV, 195-230.

Campos, B. (1989). A orientação vocacional numa perspectiva de intervenção no desenvolvimento psicológico. In Questões de política educativa. Porto: Edições Asa.

Campos, B. P. and Coimbra, J. L.(1991). Consulta Psicológica e exploração do investimento vocacional. Cadernos de Consulta Psicológica, 7, 11 19.

Coimbra, J. L. , Campos, B. P., & Imaginário, J. L. (1994). Career intervention from a psychological perspective: definition of the main ingredients of an ecological developmental methodology. Comunicação apresentada no 23.rd International Congress of Applied Psychology, Madrid, 17-22 de Julho, 1994.

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Gonçalves, C. M. (1997). A Influência da Família no Desenvolvimento Vocacional de Adolescentes e Jovens. Dissertação da Tese de Mestrado, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Portugal.

Knefelkamp, L. L., & Slepitza, R. (1976). A cognitive developmental model of career development: an adaptation of the Perry scheme. The Counseling Psychologist, 6, 53-58.

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