Quer o conceito de desenvolvimento vocacional quer, sobretudo, o de competência não são unívocos e consensuais na comunidade científica; por isso, impõe-se que se esboce um conjunto de reflexões prévias sobre estes conceitos, sem se ser exaustivo, pela limitação do tempo, para se partir de uma plataforma de compreensão na proposta apresentada.

O desenvolvimento vocacional tem sido conceptualizado, ao longo do tempo, a partir de múltiplas abordagens teóricas, emergindo daí diversos pontos de vista sobre o problema, com incidências incontornáveis na delimitação do seu âmbito, bem como nas estratégias de intervenção para a promoção do mesmo.

Assim, assume-se que o desenvolvimento vocacional, se constitui como uma dimensão integradora do desenvolvimento psicológico global, referenciando-se à confrontação do indivíduo com as sucessivas tarefas relacionadas com a elaboração, implementação e reformulação de projectos de vida multidimensionais, ao longo do ciclo vital, onde estão em jogo a educação, a formação, a qualificação e a actividade profissional, na articulação com a escolha de um estilo de vida que comporta a coordenação dos diferentes papéis da existência: familiar (como filho(a), cônjuge, pai ou mãe), cidadão, consumidor, membro de grupos de vária ordem, etc... (Campos, 1991)

Desde este ponto de vista, não fazem qualquer sentido as clivagens entre desenvolvimento vocacional e as outras dimensões do desenvolvimento humano. Assim conceptualizado o desenvolvimento vocacional, como a trajectória que cada sujeito constrói nos quotidianos das suas vidas pelos múltiplos papéis em que cada história se concretiza, poderá ser considerado como a dimensão de síntese, de integração de todas as dimensões da existência e, deste modo, a sua promoção é inseparável da promoção das múltiplas dimensões do desenvolvimento psicológico (Campos, 1980).

Esta forma de abordar o desenvolvimento vocacional tem implicações, óbvias, na operacionalização do conceito, ainda pantanoso, de competência.

O conceito complexo de competência, embora frequentemente utilizado –– às vezes de forma “selvagem”, plural e ambígua–– na literatura da gestão, no mundo empresarial, na educação e na formação é um constructo que ainda não está operacionalizado, mas encontra-se numa fase de construção no seio da comunidade científica (Aubert, Gilbert & Pigeyre, 1993; Le Boterf, 1995; Levy-Leboyer,1999; Wittorski, 1998). Imaginário (1998), referindo-se à complexidade e multiplicidade de definições do conceito de competência, afirma, com o humor irónico que lhe é peculiar, que existem “praticamente tantas quantos os investigadores que se arriscam a fazê-lo!” (pag.178).

Porque, ao longo destas jornadas de reflexão penso haver oportunidade de tematizar e inventariar os múltiplos ensaios de tentativas de definição do conceito, nomeadamente no mundo francófono, e inclusive contribuir para que a operacionalização do constructo, vou-me dispensar de elencar todas as explorações realizadas à volta do domínio, para não correr o risco de ser repetitivo, procurando vincular-me a uma acepção estrutural e abrangente de competência, porque mais consentânea com a conceptualização do desenvolvimento vocacional que previamente assumi.

Assim, definiria competência como um conjunto integrado e estruturado de saberes –– saberes-fazer, saberes-ser e saberes-transformar-se –– a que o sujeito terá que recorrer e mobilizar para a resolução competente das várias tarefas com que é confrontado ao longo da sua vida, assumindo uma consciência crítica das suas potencialidades e recursos bem como dos constrangimentos psicossociais em que se contextualiza, em ordem a realizar projectos viáveis nas várias dimensões da sua existência.

Portanto, as competências não se restringem às mobilizadas para o exercício das actividades profissionais –– as mais valorizadas e referenciadas––, porque, embora reconhecendo que o trabalho (incluindo o tempo de preparação para o mesmo, a formação profissional) ocupe um terço do nosso tempo (Imaginário,1998), com mais ou menos centralidade, tendo incidências óbvias nas outras dimensões da vida, também me atrevo a afirmar que as dimensões mais significativas das nossas vidas, que implicam o desempenho de outros papéis, apelam para a activação de competências mais energéticas e emocionais que não são mobilizadas preferencialmente no papel profissional, mas obviamente com implicações neste.

Após estas considerações prévias, na tentativa de definir uma plataforma de compreensão, vou tentar, nesta parte central, analisar, agrupando em três grandes categorias (naturalista, racionalista e histórico- construtivista), não mutuamente exclusivas mas complementares, como diferentes formas de aproximação ao desenvolvimento vocacional implicam uma conceptualização diferenciada de competências, de banda mais estreita (skills discretos ou conjunto de skills) ––competências mais instrumentais e contextuais––, ou mais global e estrutural ––ser competente–– que apela à transferibilidade, à transversalidade e à flexibilidade para novos contextos e novos papéis existenciais.

 

A perspectiva naturalista do desenvolvimento vocacional e competências

A perspectiva naturalista centra-se no sujeito intrapsíquico, sublinhando que cada pessoa já nasce predestinada para uma “vocação” a realizar no mundo. Esta “vocação” encontra-se oculta em cada um e impõe-se descobri-la mediante o “exame psicológico” tendo, como principal objectivo, a “descoberta” do caminho mais adequado para os indivíduos obterem satisfação e sucesso na sua formação e, consequentemente, na sua futura profissão (Campos, 1977).

Esta concepção privilegia intervenções concretizadas no “exame psicológico” e na sessão de informação. A função do “exame psicológico”, pelo recurso a estratégias instrumentais, testes vocacionais (aptidões, interesses, valores e de personalidade) ou, mais correntemente, aos “psicotécnicos”, tem como objectivo desocultar a “vocação” certa, tendo como pretensão ajudar o indivíduo a conhecer-se. A sessão de informação visa apoiar o sujeito a conhecer o sistema de oportunidades sociais em que se insere. É da conjugação entre estes dois conhecimentos que o orientando, na mais optimista das hipóteses, realizará a sua “vocação” no mundo profissional. Neste processo, o sujeito tem um papel meramente passivo, sendo o psicólogo a autoridade legitimadora da sua “radiografia”, e as práticas de orientação decorrentes desta perspectiva naturalista colocam-se, intencionalmente ou não, ao serviço do ajustamento do indivíduo ao projecto social, uma vez que nem o questionam (Campos, 1980).

Em jeito de conclusão, a perspectiva naturalista articula o inatismo das características individuais com uma concepção mais ou menos mágica da descoberta da vocação certa; é o determinismo biológico do desenvolvimento vocacional que atribui as diferenças à natureza e não à história dos indivíduos –– ou seja, ignorando a qualidade das experiências de vida a que o indivíduo está exposto e que influencia as suas escolhas ––, cumprindo, frequentemente, a missão de legitimação das desigualdades sociais existentes (Campos,1991).

Nesta abordagem, o desenvolvimento de competências circunscreve-se às capacidades, interesses, valores e habilidades profissionais inscritos na natureza do sujeito que se torna imperioso desocultar, relegando a possibilidade de um processo histórico social de construção e de aprendizagem, não fazendo sentido a intervenção para o desenvolvimento de competências. As competências têm uma dimensão meramente instrumental, circunscrevendo-se às competências resultantes das actividades profissionais, apontando claramente para mecanismos de clivagens entre a competência pessoal e as competências profissionais.

 

Perspectiva racionalista/ instrutiva

A partir da década dos anos 70, após uma atenção predominantemente focalizada nas realidades subjectivas como dimensões privilegiadas do desenvolvimento vocacional, volta-se, de forma cíclica, a dar importância ao peso das oportunidades sociais sobre o itinerário vocacional dos indivíduos, devido às transformações sociais, económicas e políticas verificadas no Ocidente, nomeadamente, a recessão económica provocada pela crise petrolífera de 1973, criando uma situação competitiva no mercado do emprego ––onde as oportunidades começam a escassear––, e colocando em questão o optimismo histórico do pleno emprego do após-guerra. Assim, os projectos pessoais configuram-se em função da posição social ocupada e dos grupos sociais de pertença, ou seja, os indivíduos não escolhem, agarram o que está disponível para o seu nível de qualificação escolar e profissional (Law, 1991).

Tendo em conta a recessão do mercado de trabalho e o carácter competitivo do mesmo, ajudar o indivíduo nas tarefas vocacionais dentro desta perspectiva, mais que construir um itinerário vocacional, implica, antes, proporcionar momentos de conhecimento das oportunidades de formação e profissão disponíveis ––orientar para o projecto social e político––, através de sessões de informação sobre o mundo do trabalho e sobre os sistemas de formação e, sobretudo, através do treino de competências adequadas para conquistar e manter um emprego e proporcionar competências de empregabilidade.

Neste contexto, surgem os programas de procura de emprego, treino assertivo, treino de resolução de problemas, competências de criação da própria empresa, como metodologias privilegiadas nas práticas de orientação, pressupondo que o problema crucial da orientação era o déficit de competências várias (skills discretos ou conjunto de skills instrumentais) ou o combate da ignorância através da informação. “Agem como ingénuos iluministas, ou então, maquiavélicos manipuladores, esquecendo, ou fingindo esquecer que o problema das escolhas não é prioritariamente uma questão de conhecimento mas de investimentos”, mediados por relações de significado construídas nas interacções com o mundo e as pessoas significativas (Campos, 1991, p.137).

Esta visão racionalista privilegia as estratégias instrutivas para a promoção de competências, mediante sessões de informação e o treino de grupos de competências, em situação preferencial de simulação, de “faz de conta” (role-playing). As competências a desenvolver são um conjunto de skills específicos (conhecimentos, capacidades, habilidades, rotinas) que o sujeito tem que mobilizar numa situação profissional específica para dar resposta a um determinado problema, geralmente não tendo em conta o conhecimento e a compreensão dos mecanismos subjacentes a essa realização, reduzindo as competências ao “saber-fazer”. As estratégias que decorrem desta perspectiva para além da sua artificialidade, têm um carácter marcadamente prescritivo e racionalista centrado em conteúdos, onde o protagonismo do sujeito é negligenciado em função do técnico, a dimensão relacional é minimizada em função das técnicas, e onde se constata a ausência de uma teoria da auto-organização do sujeito humano. Assim, a consequência desta negligência traduz-se na redução das competências à instrumentalidade –– conjunto de habilidades discretas, sem ligação uma com as outras, cujo efeito cumulativo constitui o reportório de capacidades e de comportamentos, representando a competência pessoal (Coimbra, 1991) ––, da qual se encontra ausente a mediação das relações interpessoais e as dimensões ecológicas dos contextos de vida, ingredientes fundamentais para que o sujeito se torne competente. Estes limites, entre outros, podem ser um contributo para explicar o seu relativo insucesso em termos de transferibilidade e generalização das competências a outros contextos e outros problemas (Martin,1990).

 

Perspectiva histórica construtivista

Apesar dos contributos que as várias perspectivas apresentadas proporcionaram à investigação para a compreensão e transformação da realidade vocacional, a perspectiva histórica construtivista, ao considerar que os projectos vocacionais não se descobrem mas se constróem nos contornos das oportunidades que os contextos historico-sociais viabilizam ou impossibilitam, pode surgir como uma proposta integradora, capaz de avançar respostas plausíveis deixadas em aberto pelo projecto global da modernidade, que sublinhava as dimensões da racionalidade em detrimento das dimensões mais emocionais e experienciais.

Dentro do quadro geral histórico/construtivista, o desenvolvimento vocacional processa-se ao longo da história de vida do indivíduo, através das relações que o sujeito psicológico estabelece com os segmentos diversificados da realidade, sob forma de encontros, experiências, contactos, questionamentos e significados, implicando a desconstrução de projectos anteriores e a reconstrução de novos investimentos. Esta actividade desconstrutiva/reconstrutiva aponta para uma reconceptualização do desenvolvimento vocacional como uma narrativa que se vai escrevendo e reescrevendo no itinerário histórico social do indivíduo, nas coordenadas de “pequenos” projectos viáveis, e não como um projecto único e certo da tradicional visão linear do desenvolvimento vocacional, com as crenças a ela associadas e que já foram anunciadas anteriormente: inatismo, descoberta, previsão (certeza) e racionalidade.

Esta reconceptualização do desenvolvimento vocacional vincula-nos a um ponto de vista desenvolvimental e construtivista do funcionamento psicológico vocacional, porque estes processos nos remetem para novos pontos de partida e para sucessivas reconstruções da relação do sujeito com o mundo, implicando reorganizações do sistema pessoal (Campos & Coimbra, 1991).

Assim, a exploração e o investimento, neste ponto de vista, surgem como os dois processos psicológicos fundamentais que nos ajudarão a compreender de forma mais adequada o desenvolvimento vocacional, porque é mediante a exploração, através da relação que o sujeito estabelece com os segmentos da realidade física e social –– pela procura, questionamento e experienciação ––, que o sujeito transforma e reconstrói os seus investimentos vocacionais.

As estratégias de intervenção em orientação emergentes desta conceptualização remetem-nos preferencialmente para actividades de exploração que facilitem experiências de contacto/relação com o mundo da formação, do trabalho e da realidade social proporcionadas nos contextos de vida como a família, escola, grupo de pares, tempos livres, nos media e na comunidade. Estas actividades de exploração podem ser realizadas, inclusive, recorrendo a meios mais clássicos tais como inventários de interesses profissionais, documentos escritos sobre formação e trabalho ou em outros suportes multimédios e informáticos –– referimo-nos à exploração indirecta (representação simbólica da realidade)–– utilizados ––embora de modo diverso–– nas práticas que decorrem das outras formas de conceptualização do problema mencionadas anteriormente; contudo, os objectivos e forma de utilização não visam desocultar –– mediante a manutenção e cristalização das características inatas ao sujeito –– nem instruir pelo combate da ignorância através da informação, mas visam a transformação, mediante o questionamento, o conflito pela construção de novos significados que o sujeito vai construindo e reorganizando, de forma idiossincrática, sobre o mundo do trabalho e da formação. De salientar que é na rede de relações interpessoais envolvidas nas experiências indirectas e, sobretudo, directas de exploração, e no contexto de relações experienciadas como apoiantes e seguras, que as significações são construídas e o desenvolvimento vocacional ocorre.

Esta forma possível de compreensão do desenvolvimento vocacional, não única e consensual –– porque coexiste, em pé de igualdade com as anteriores enunciadas, nas práticas correntes de orientação no nosso País e no espaço Europeu ––, parece-nos ser a mais adequada. Por isso a assumimos, pelas seguintes razões :

(a) É a que está mais de acordo com a lógica do funcionamento psicológico, porque considera que a emoção, a cognição e a acção são elementos do mesmo continuum e que as clivagens entre eles são artificiais, isto é, racionais e não psicológicas; ou seja, significa que o conhecimento e a cognição podem ser percebidos, em termos mais latos, como a integração da emoção e da acção (Coimbra, Campos & Imaginário, 1994);

(b) a raiz psicológica desta perspectiva permite uma leitura integradora das várias dimensões do funcionamento psicológico que intervêm no processo das escolhas, ou seja, a relação que o sujeito estabelece com o mundo é, simultaneamente, afectiva, cognitiva e indissociável da acção;

(c) é a perspectiva que melhor nos pode facilitar a ultrapassagem da ideia de um único e grande projecto de vida que tem subjacentes visões lineares, unidireccionais e ascendentes das trajectórias vocacionais, inadequadas à complexidade do funcionamento individual e social (Coimbra, 1996);

(d) propõe-nos, em alternativa, uma concepção do desenvolvimento vocacional, multidimensional, recorrente, eventualmente cíclico, a nível processual, compatível com a noção de incerteza, na abertura a múltiplas possibilidades, implicando uma atitude dinâmica de questionamento e de exploração, no seio da qual vão emergindo pequenos projectos que se vão reformulando, conduzindo sucessivamente a outros, num processo constante de construção pessoal (Coimbra, 1996).

Esta abordagem histórica e construtivista do desenvolvimento vocacional remete-nos para um conceito estrutural e abrangente de competência geral em que o “saber-fazer” está alicerçado numa auto-organização proactiva complexa–– a totalidade do sistema pessoal do sujeito–– que, face aos desafios dos contextos sociais de vida se vai transformando, ao longo do desenvolvimento, com um sentido de competência pessoal e social (“saber-transformar-se”) actualizando, num processo de desconstrução/reconstrução, os recursos pessoais e sociais. Sublinha-se, claramente, as competências transversais que são transferidas para novos contextos e novas tarefas, verificando-se uma generalização das competências específicas adquiridas, não numa lógica de acrescentar mas de transformação. Isto é, pretende-se que os vários saberes sejam construídos e integrados, surgindo como uma síntese e não como uma justaposição, como uma reconstrução processual e não como uma simples adição de skills discretos. Assim, visam-se objectivos mais alargados de tornar o sujeito competente, privilegiando-se a competência geral como suporte e núcleo das específicas, valorizando-se, para além do “saber-fazer”, “o saber-ser” e o “saber-transformar-se”.

Fazendo uma breve alusão às estratégias mais adequadas para a promoção da competência global, no âmbito da perspectiva histórica e construtivista, sublinha-se a realização de experiências reais (role-taking) ––exploração da relação com o mundo do trabalho, em que as dimensões relacionais e humanas se sobrepõem às tecnológicas e instrumentais –– , em que momentos de acção/diferenciação são alternados com momentos de reflexão/integração no contexto de uma relação segura, apoiante, mas também desafiante. A relação constitui-se como a base segura a partir da qual os sujeitos exploram a sua relação com o mundo, constróem significados para os seus projectos de vida e levam a cabo um processo de construção pessoal, tornando-se competente face aos constrangimentos da existência humana; ou seja, é num contexto de vinculação percebido como seguro que o sujeito encontra as condições favoráveis para a expressão de sentimentos, exploração e integração das suas experiências e o suporte necessário para o risco envolvido na experimentação de novas alternativas de pensar, sentir e agir sobre a realidade (Coimbra, Campos & Imaginário, 1994).

Termino este contributo de reflexão assumindo que a opção teórica e metodológica ––histórica e construtivista–– de compreensão do desenvolvimento vocacional parece ser a mais útil e adequada à promoção das competências nucleares exigidas para responder aos fenómenos emergentes de um mundo global, em que a incerteza, a imprevisibilidade e o caos se constituem como as marcas identitárias que configuram as sociedades ditas desenvolvidas (Castells, 1999) e onde os critérios de verdade e validade do projecto da modernidade entraram em falência, para dar passagem inevitável à lógica das possibilidades e da viabilidade.

Face ao cenário da instabilidade e da escassez face ao trabalho e ao emprego, devido, entre outras causas, às transformações tecnológicas, implicando uma reorganização do tecido empresarial e à globalização e interdependência das economias, gerando despedimentos em crescendo, uma das questões centrais da actualidade, nos sectores mais emergentes da economia, é identificar o núcleo duro de novas competências de que o jovem deve ser portador quando entra no mercado do trabalho.

Provavelmente, movidos por esta preocupação, também nós–– académicos, formadores, empregadores, instituições governamentais e não governamentais preocupados na resolução dos problemas da formação/ trabalho/emprego, parceiros sociais (sindicatos...) e profissionais de orientação escolar e profissional, nos reunimos para reflectir sobre a conceptualização e as estratégias mais adequadas para a construção de competências pessoais e profissionais para o trabalho (objecto deste II Encontro Internacional de Formação Norte de Portugal/Galiza).

Embora o leque de competências específicas valorizadas pelos empregadores seja alargado (por ex., domínio da leitura, escrita, cálculo actualizado; capacidade de iniciativa e criatividade; autonomia no trabalho e trabalhar em equipa; capacidade de aprender sempre, sendo capaz de resolver novos problemas; saber definir um projecto e avaliar os resultados; capacidade de recolher, tratar e utilizar informação pertinente; saber ouvir e integrar pontos de vista; ter uma forte cultura organizacional; possuir auto-estima, motivação e vontade de prosseguir o desenvolvimento pessoal e social; capacidade de empreendimento), as mais valorizadas são as de tipo geral e transversais, o que a OCDE denomina por “competências gerais e transferíveis”, pois são estas que garantem a estrutura das competências específicas (Azevedo, 1998).

A promoção destas competências Gerais e transferíveis que tornam o sujeito competente emergem das relações significativas que os sujeitos estabelecem com os contextos de vida ao longo do desenvolvimento, havendo contextos que proporcionam e viabilizam essas possibilidades e outros que os inviabilizam, reproduzindo a cultura dominante do ghetto e perpetuando as desigualdades de oportunidades. Ora, a escola é um dos contextos onde o sujeito passa longo tempo da sua vida, o que não significa, à partida, que seja um contexto desafiante e de qualidade que promova o desenvolvimento do sujeito competente para os confrontos da sua existência, nomeadamente quando faz apelo, nos seus processos de aprendizagem, à repetição, ao enciclopedismo liceal, à recepção passiva dos saberes, ao conformismo, à competição desenfreada dos resultados acentuando as desigualdades de oportunidades. Só um projecto formativo que valorize a participação activa dos formandos, orientada para a criatividade, para a cooperação solidária, para a experimentação na abertura ao espírito de pesquisa e às novas tecnologias, para o desenvolvimento de projectos e actividades participadas na abertura à comunidade poderá oferecer oportunidades de aprendizagem de saberes que sejam significativos e estruturadores que promovam competências gerais e transferíveis. Estas são as competências menos efémeras e mais adequadas a um contexto social e político cada vez mais turbulento que faz exigências a vários processos de reactualização e de reinvenção. Os mais equipados são os que garantirão o seu emprego, porque são competentes para o recriar e o transformar.

 

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