Resumo
O presente trabalho objectiva verificar a realidade institucional e os motivos
subjacentes ao ingresso das crianças nas instituições. Escolhemos este tema pela
obscuridade social que existe, já que a sociedade evita falar deste lado social.
O método que utilizamos foi a Investigação Qualitativa, visando uma descrição
fiel da realidade existente no mundo institucional. O nosso alvo de investigação
foi um grupo de crianças entre os cinco e os quinze anos, do Projecto de Apoio à
Criança, em Braga.
As crianças institucionalizadas, são crianças que em muitos casos, não esperam por um colo, nem por uma família, esperam que o tempo os conduza a outra instituição, onde uma outra fase da vida “as libertará”, em muitos casos, para as ruas.
Introdução
O presente trabalho visa descrever os comportamentos de crianças institucionalizadas. Para tal efectuamos uma investigação qualitativa, que nos permitiu observar esses mesmos comportamentos em contexto natural.
A pertinência do tema reside no facto de podermos estudar até que ponto a intervenção deste grupo multidisciplinar (PAC), provoca mudanças no comportamento destas crianças em ambiente institucional.
Segundo Sareceno (1988), a família é bastante importante na vida do indivíduo: a família é uma construção social, cultural e económica da realidade.
A família é a primeira etapa de socialização da criança, é o contexto educativo onde aprende e sente as normas, valores sociais, culturais e valores emocionais. A família é uma base de aprendizagem, que produzirá na criança um processo de desenvolvimento cognitivo, sensorial, motor e afectivo. Na medida em que “A vida familiar é a nossa primeira escola de aprendizagem emocional” (Goleman, 1995).
É através da família que é incutida à criança e ao jovem uma cultura que posteriormente construirá a sua identidade individual e social, contribuindo deste modo para a sua autonomia, ou seja, para uma “autonomia de valores” e responsabilidade pelas suas opções de vida.
Sereceno salienta a importância da identidade familiar como identidade pessoal. Existe assim um estilo educativo relacionado com o tipo de famílias e fenómenos sociais.
Do grupo de crianças que estudamos, todas elas eram provenientes de famílias disfuncionais que apresentavam comportamentos auto-destrutivos, ou seja, comportamentos de risco, relacionados com a toxicodependência, alcoolismo, prostituição, maus-tratos físicos e psicológicos.
Na maioria estes comportamentos estão associados aos problemas de pobreza, podendo ser tanto causas como consequências dessa situação.
Sendo assim, verifica-se que uma forma de exclusão pode ser consequência de outra forma de exclusão, por exemplo: o toxicodependente que abandona o lar de origem e cai na miséria. É um exemplo de um comportamento auto destrutivo que leva à exclusão do tipo psicossocial e económico, ou seja são crianças e jovens que à partida são rejeitados socialmente.
No entanto não excluindo o factor de insuficiência ou de falta de recursos, há situações que advém do estilo de vida familiar, da falta de serviços de bem-estar e de uma cultura individualista que é pouco sensível à solidariedade.
Esta instabilidade psicossocial provoca uma disfuncionalidade familiar, que já por si é frágil, prejudicando assim os membros do agregado, principalmente as crianças e jovens.
Como salienta Sebastião (1998), “A crença no papel que alguns papéis, fenómenos desencadeiam as situações de marginalidade (…) pobreza, desagregação familiar, baixa escolaridade e consumo de drogas (… )”.
Deste modo, as crianças e jovens adoptam mecanismos de defesa e sobrevivência passando a considerar a rua como sendo um espaço de socialização, na medida em que passam a maior parte do tempo e de modo permanente na rua, consequentemente leva ao fenómeno da delinquência juvenil. Neste sentido, importa meditarmos sobre o que serão “crianças de rua” e “crianças na rua”.
Pesquisa empírica e metodologia de investigação
A metodologia utilizada foi a Investigação Qualitativa, porque nos permite a descrição e a compreensão interpretativa na recolha e análise dos dados dos actores intervenientes, na medida em que “Integram acontecimentos, eventos implícitos e verbalizados: percepções, representações, opiniões, discursos, gestos, práticas, experiências”, Lessard et al (1996).
As técnicas utilizadas foram: observação directa e participante, através dos contactos na participação das actividades diárias das crianças. Este tipo de observação é um método que determina que o investigador realize observações fazendo parte de um grupo ou de uma organização. O investigador insere-se no contexto do tema que vai estudar.
Segundo Patton, existem cinco dimensões de observação:
Utilizamos uma observação totalmente participante, o que nos permitiu
partilhar de forma muito íntima a vida e as actividades das crianças no contexto
em que elas se encontravam.
O nosso objectivo foi desenvolver uma perspectiva do ponto de vista das
crianças observadas ou seja, não nos limitamos a ver o que acontece, mas
também sentimos o que é fazer parte daquele contexto.
A imagem que passamos para as crianças foi totalmente aberta, uma vez que
logo na primeira observação fomos apresentados como estudantes de psicologia,
tendo lhes sido explicado o nosso objectivo.
Quanto à duração da investigação consistiu em observações múltiplas
(cinco manhãs), sendo o foco da nossa observação alargado, o que nos permitiu
obter um estudo holístico do PAC.
Recorremos às conversas informais, que foram importantes para os
primeiros contactos com as crianças de modo a estabelecer empatia, com o intuito
de promover a sua cooperação e participação no nosso trabalho. Achamos
pertinente utilizar junto do pessoal técnico o tipo de entrevista aberta com
guião geral, pois assim, permitiu-nos obter maior flexibilidade nas questões
formuladas. O registo fotográfico foi utilizado como um instrumento de
investigação, captando deste modo, a importância das emoções, atitudes,
participação e cooperação com as crianças.
O PAC é uma valência do Centro Cultural de Santo Adrião, em Braga. O espaço físico é constituído por: oito quartos (quatro para meninas e quatro para meninos), cada quarto são compartilhados por dois elementos, existindo também quatro casas de banho. Os almoços são servidos numa sala que comporta cozinha e copa. Existia uma sala de estar com televisão e ao lado uma sala estudo, com secretárias e estante de biblioteca.
O grupo é constituído por oito crianças com idades compreendidas entre os cinco e os quinze anos, que se encontram numa situação de risco, de marginalidade, de abandono escolar, de ruptura familiar e com dificuldades de integração social.
Resultados
O registo fotográfico realizado evidencia a preocupação dos técnicos em incutir às crianças valores humanos, tais como: Alegria; Amor; Sonhos; Amizade; Fantasia. Esta categorização de valores é totalmente estranha na vida destas crianças, já que a realidade vivida por estas antes de chegarem à instituição era bem diferente. Todos estes valores são uma antítese às suas realidades de vida, estas crianças conhecem um mal-estar psicológico constante provocado pelo abandono familiar, pela negligência, violência física e psíquica, pela falta de afecto, amor, atenção, problemas de prostituição, alcoolismo. Actualmente, é unanimemente aceito por profissionais da área educacional, clínica e da saúde que a habilidade de interagir adequadamente e com os adultos significativos é um aspecto importante no desenvolvimento infantil e adolescente (Caballo, 1987; Del Prette & Del Prette, 1999; Harralson & Lawler; 1992). Se a interacção com os elementos significativos (família e afins) vivida por estas crianças durante a infância é problemática, acarretará no futuro acções e desvios comportamentais.
O papel da família é relevante para um bom desenvolvimento infantil, o que se assiste é que os pais destas crianças passam modelos de comportamento que irá influenciar ou condicionar o comportamento das mesmas.
Adicionalmente, variáveis perturbadoras estão correlacionadas à prática inadequada das atitudes parentais: história de conduta anti-social em outros membros da família, desvantagens no status sócio-económico e stressores como desemprego, violência familiar, conflitos conjugais e divórcio.
Numa segunda fase da investigação pedimos às crianças, que elaborassem um desenho e uma composição à sua escolha, que incluímos em “Anexos”.
Pela análise dos desenhos, constatamos que, existem duas variáveis comuns a todos; a casa e a figura humana. Hipoteticamente a casa poderá simbolizar o lar e a falta de afecto e protecção, que todas estas crianças precisariam, por outro lado a figura humana representaria a figura parental, que muitas vezes é disfuncional e ausente.
Categorização
Falta de Afecto
Constatamos que a mãe foi a figura mais citada nas conversas informais que
obtivemos junto destas crianças, já que esta era muitas vezes projectada para a
directora da instituição.
Seleccionamos uma redacção que achamos pertinente para ilustrar o sentimento de
dependência emocional e de cuidados básicos da vida diária.
“Estou aqui no Centro Cultural Social de Stº Adr. Com a sua ajuda (… )”
“Não sei como agradecer por isso peço. Obrigado”
Abuso Sexual
Para preservar a integridade das crianças, não citaremos casos em concreto,
contudo foi-nos relatado, que o abuso sexual praticado pelas figuras parentais
existia naquela realidade.
Abandono familiar (não necessariamente físico)
Muitas vezes as famílias delegam para a “rua” a responsabilidade de educar
estas crianças. Sem horários para refeições, escola, sem disciplina, sem
cuidados básicos de higiene pessoal. Uma das composições analisadas é bem
ilustrativa do previamente citado. “Aqui no centro terei pequeno-almoço,
almoço, lanche, jantar e antes de me deitar, se eu quiser também tenho um copo
de leite com Cola Cau(…)de manhã tomo um banho(…)e vou para a escola(…)”
“Aqui sempre estou melhor que estar na rua ou noutro sítio qualquer(…)”.
Negligência Institucional
Numa das conversas informais que efectuamos, verificamos que a negligência
institucional é uma realidade presente. Verifica-se muitas vezes, que as
próprias instituições não cumprem o seu papel de protecção social, já que muitas
vezes comportamentos ou atitudes desviantes dão origem a que as próprias
instituições expulsem as crianças.
Toxicodependência
Na nossa investigação contactamos que a droga, constitui um dos principais
motivos para a exclusão social destas crianças. Numa das observações efectuada,
foi-nos relatado pela directora o caso de uma jovem que fugiu da instituição
para se juntar a outros toxicodependentes.
“Confessou-nos que no dia anterior tinha ido para sua casa apenas às vinte e
três horas, uma jovem F., de 15 anos, tinha fugido nessa semana da instituição.
Desencaminhada por traficantes, foi levada para um bairro degradado, “Já estava
cansada e exausta, não sabia se ia conseguir encontra-la”. Explicou-nos que
andara dias pelo bairro a procura-la, acompanhada pela Dr.ª Cristina (psicóloga
da instituição), após largas horas e depois de verem diversas carrinhas da
instituição a passar no bairro, decidiram deixar a F. telefonar para a
instituição a dizer que estava bem.”
Discussão
Os resultados são mais significativos do que aquilo que estávamos à espera, uma vez que, a realidade do dia–a-dia é mais cruel e dura do que aquela evidenciada pela literatura existente. Um dos padrões comportamentais possíveis de causar falhas importantes no curso do desenvolvimento infantil é o comportamento anti-social das famílias das crianças, cuja a etiologia está basicamente acentada em relações familiares e formas de educação infantil, que não só possibilitam o seu aparecimento como reforçam a ocorrência do mesmo.
Futuramente estas crianças, tenderão a repetir os padrões comportamentais dos seus familiares. Assiste-se a uma circularidade social, já que o ideal seria a existência de uma vida em forma de espiral. Urge mudar o sistema e reforçar as equipas de intervenção social, já que o suporte social e a intervenção junto destas crianças são cruciais na sua reabilitação, esta realidade ficou bem visível nas entrevistas ao corpo técnico da instituição.
Assim sendo, uma das opções para a prevenção e intervenção frente a problemas de incompetência social decorrentes destes comportamentos, seria orientar pais em pautas de educação infantil avaliada na literatura como passíveis de produzir comportamento pró-social, e actuar junto aos próprios jovens de forma a possibilitar aprendizagem de tais comportamentos.
Reflectindo sobre o tema leva-nos a achar que as crianças institucionalizadas são privadas do seu espaço subjectivo, dos seus conteúdos individuais, da realidade dos vínculos afectivos. São despojadas de experiências sócio-psicológicas da normalidade infantil. A sensação é de vazio, a dor, às vezes a indiferença, ou a perplexidade. São filhos da solidão…o sonho destas crianças é terem uma mãe e um pai.
E por não entenderem bem as angústias do mundo, a sua personalidade está cheia de contradições.
Referências Bibliográficas
Caballo, V.E. (1997), Manual de evolución y entrenamiento de las habilidades sociales.
Del Prette, A., & Del Prette, Z.(1999), Psicologia das habilidades sociais –Terapia e Educação.
Harralson. , T. L., & Lawler, K.A. (1992) The relationship of parenting styles and social competency to type behaviour in children.
Saraceno, (1998).
Sebastiao, (1998)
Lessard et al, (1996)
Goleman, (1995), Inteligência Emocional.