Resumo
Discute-se a pertinência da Expressão Dramática enquanto instrumento operatório do desenvolvimento das Competências Sociais, em todas as faixas etárias e níveis de ensino.

 

O Palco da Vida

A expressão dramática enquanto instrumento operatório do desenvolvimento das competências sociais1

 embora,

Impossível, efectivamente, pretender identificar a expressividade com as expressões.
Impossível querer reduzir a expressividade à simples soma de expressões que a manifestam …
Miranda Santos, 1972, p. 301.

Apenas uma opinião

porque,

O homem não vive num mundo de coisas, mas sim de significações.
Miranda Santos, 1972, p. 291.

 

Estando a sociedade, hoje, sujeita a constantes e a rápidas transformações, o conhecimento adquirido nas escolas corre o risco de se tornar obsoleto, caso os indivíduos não apreendam, para além dos conteúdos, formas de aprender nova informação, skills sociocognitivos e motivacionais, fundamentais para uma adaptação dinâmica à vida (Clift, 1992).

Não pretendemos negar, nem negligenciar, para o desenvolvimento e a aprendizagem, a influência de factores como a inteligência, a capacidade de resolver problemas, o meio socio-económico, familiar e cultural, entre outros. Porém, sabemos, igualmente, que, mesmo com estes requisitos a seu favor, muitos alunos não atingem um bom rendimento escolar. Não queremos enfatizar a importância dos comportamentos sociais. Contudo, o facto é que um aluno “inteligente”, de “boas famílias”, informado, mas que não saiba comunicar, escutar e ouvir o outro, que seja inibido, que seja ansioso ou tímido, que não saiba expressar sentimentos e emoções de forma adequada, que tenha dificuldade em resolver conflitos, dificilmente alcança os objectivos de aprendizagem que lhe são propostos ou requeridos.

Ajudar os alunos a serem sujeitos independentes/autónomos, criativos, expressivos, auto-afirmativos, assertivos, desinibidos, comunicativos, capazes de tomar decisões, a saberem resolver problemas, em suma, a serem auto-regulados e autocontrolados, deverá ser a maior prioridade educacional, hoje.

Julgamos que todos os membros da equipa educativa deverão envidar esforços no sentido de, simultaneamente à preocupação sobre os conteúdos estritamente escolares, formais, e dos meios que facilitam a sua aquisição, enquadrar nos seus programas, projectos ou acções, temáticas relacionadas com as condições que propiciam a aprendizagem (motivação, controlo das emoções e estados de humor, percepção de competência e de capacidade, expectativas, aspirações, atitude positiva face à escola, estabelecimento de objectivos de aprendizagem, percepção da instrumentalidade dos conteúdos, métodos e condições de estudo, aptidões sociais, …). No mesmo sentido, consideramos que, igualmente, uma forma possível de poder realizar este princípio, poderia ser ou existir, não a título facultativo, mas com cariz curricular2, a disciplina de Expressão Dramática, desde a Educação de Infância ao Ensino Superior. Seria, ou funcionaria, não só com o objectivo de desenvolvimento psicossocial, mas como uma modalidade possível de intervenção primária (prevenção) do insucesso escolar ou dos baixos rendimentos escolares. A Expressão Dramática entendida, não na sua vertente terapêutica (ex. Psicodrama), de remediação ou recuperação, nem como mera estratégia para veicular mensagens formais, antes, no seu vector preventivo/profiláctico, como instrumento de aprendizagem e de desenvolvimento, propiciador de experiências relacionais/sociais.

De facto, a Formação Pessoal e Social constitui um dos vectores da Educação, claramente expresso na Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE, lei 46/86). Tem como objectivos globais o desenvolvimento de competências cognitivas, afectivo/relacionais e de intervenção, tendo todas elas como domínio de aplicação o próprio sujeito, os outros e o meio físico e socio-institucional envolvente, situado mais ou menos proximamente do sujeito. Assim, no nº2 do art. 47, estabelece-se “os planos curriculares do ensino básico incluirão, em todos os ciclos, e de forma adequada, uma área de formação pessoal e social, que pode ter3 como componentes a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação sexual, prevenção de acidentes, a educação para a saúde e educação para a participação nas instituições, serviços cívicos e outros do mesmo âmbito”. Porém, a Expressão Dramática, sendo uma área contemplada nos jardins de infância e escolas do 1º ciclo do ensino básico, deixa de o ser nos ciclos seguintes, ou surge, apenas, a título opcional, geralmente, quanto é do nosso conhecimento, de forma muito pontual.

Em rigor, a Expressão Dramática, uma(a) forma de expressão humana4, ao potenciar os skills de comunicação, a desinibição, a autoconfiança, a capacidade de resolver problemas interpessoais, a autonomia, a cooperação, a assertividade, uma Fenomenologia da Expressividade (cf. Miranda Santos, 1972), parece cumprir, julgamos, os objectivos de desenvolvimento social, pelo menos, os normalmente previstos nos comuns treinos de aptidões sociais (cf., por exemplo, Bellack & Herson, 1979; Cartledge & Milburn, 1986), em que estas podem ser conceptualizadas enquanto “capacidades que permitem ao indivíduo manifestar comportamentos verbais e não verbais apropriados em situações sociais que facilitam o desenvolvimento de relações interpessoais satisfatórias e a obtenção dos objectivos sociais do indivíduo” (Brady, 1984). De facto, a Expressão Dramática, tendo em consideração os aspectos afectivo/sociais, cognitivo/linguísticos e psicomotores de desenvolvimento, perspectiva-se como um instrumento de actualização e potenciação das aptidões sociais. Tendo em conta, igualmente, comportamentos verbais e não verbais, encerra os componentes fundamentais das competências sociais. É uma prática que põe em acção a totalidade da pessoa, favorecendo, através de actividades lúdicas, o desenvolvimento e uma aprendizagem global (cognitiva, afectiva, sensorial, motora, estética). Neste sentido, ela partilha das intenções da finalidade geral da educação que é o desenvolvimento global da personalidade (Landier & Barret, 1994).

Consideramos que todas as outras disciplinas curriculares podem potenciar ou fomentar as capacidades sociais dos indivíduos. Todavia, para além de serem esses os seus objectivos mais específicos e prioritários, são os professores de Expressão Dramática aqueles que, por “não terem preocupações de conteúdos estritos escolares”, estão em melhor posição, teoricamente, têm mais disponibilidade para o desenvolvimento holístico do indivíduo. Igualmente, a pertinência da Expressão Dramática como instrumento do desenvolvimento dos sujeitos está bem documentada (cf., por exemplo, Travassos, 1984; Walsh et al., 1991, 1992; Warren, 1988).

Serão, pois, estas assunções que justificam a nossa pretensão da existência desta forma de expressão (e, mesmo, outras, como a plástica, a física, a musical, etc.) em todos os ciclos escolares dos indivíduos, mesmo no ensino superior, e muito especialmente em Faculdades como as de Psicologia e de Ciências da Educação. A Expressão Dramática, a experiência dramática, propiciadora, mediadora, instrumento de vivências (re)construtivas de significações sociais.

É que,

A expressividade da pessoa humana implica o corpo como
condição da tradução dessa expressividade; implica o
enquadramento ambiental como possibilidade de diálogo
existencial na personalidade estruturada e amadurecida e
na personalidade em estruturação e amadurecimento
progressivo (…)
Miranda Santos, 1972, pp. 314-315.

e

É tão importante o contributo do corpo para as expressões
humanas que se poderia falar duma colaboração
indispensável do mesmo para essas expressões ou até
duma “intencionalidade corporal”.
Miranda Santos, 1972, p. 317.

 

 

 

Notas

  1. Artigo publicado em Psychologica (2002), 30, 187-191, apresentado, aqui, com ligeiras alterações.
  2. À imagem do previsto, sem certeza de cumprido, e com um nível de operacionalidade pouco aceitável, no disposto do D.L. 6/2001, de 18 de Janeiro – Reorganização curricular do Ensino Básico. Princípios, medidas e implicações, relativamente às Áreas das Expressões.
  3. Sublinhado nosso.
  4. Expressão(ões) Humana(s) entendida como toda a actividade da personalidade ou sujeito psicológico. (…) engloba todos os fenómenos (…) quer eles se reportem à personalidade nos aspectos afectivo ou cognitivo, quer nas actividades reflexa, instintiva, sensitiva ou intelectiva (Miranda Santos, 1972, pp. 309-310).

 

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