"Inferior é cumprir mal sua missão." (Pèguy)

"Toda palavra é um mistério sonoro", disse Diógenes da Cunha Lima Filho. Conforme lembra Goffredo Telles Júnior, citado e comentado por M. H. Diniz, "As palavras não são criações da fantasia; cada qual tem seu sacrário". Na prática, conjungem-se o sublime e o grotesco, o popular e o vulgar, o benquisto e o malquisto, o sagrado e o profano, havendo, inclusive, verdadeiras profanações iconoclastas. Por isso, nem só de sabores vive a língua portuguesa, mas também de dissabores que a nutrem. E, usando de uma analogia, sob a forma de sinestesia, para mim uma palavra obscena é um dissabor.

Obsceno é tudo aquilo que fere o pudor. Pudor, por sua vez, ou pundonor, é um sentimento de pejo produzido por aquilo que pode ferir a decência ou a honestidade. Obsceno quer dizer imoral, impudico, repugnante, nojento. Mas, até isso é cultural. Para muitos, o neologismo competitividade é o máximo; para uns, poucos (entre os quais me incluo), é uma expressão obscena, que fere os ouvidos de pessoas inconformadas com a barbárie, e que lutam contra a corrente como representantes de uma autêntica (ou ridícula?) insubordinação intelectual. Cada geração, sofrendo de impressionante insensibilidade para com os males de seu tempo, convive com palavras nervosas: celebridade, dinheiro, estresse, fama, poder, sucesso, competição...

Tornada exacerbada e mal necessário, a competitividade reproduz, nos dias de hoje, o "bellum omnium in omnes" (guerra de todos contra todos) de Thomas Hobbes. Apanágio antropofágico do sistema capitalista, suporta-se a lógica de que a felicidade de um vencedor decorre da infelicidade de muitos vencidos e excluídos. "The job is to win, at all costs but within the rules." E que regras? Os vencedores se sucedem e se sucedem impondo suas regras, seus direitos, sua cultura, sua moral e, muitas vezes, sem o moral suficiente. Competitividade, como tal, é antagônica à verdadeira solidariedade cristã.

Mas, então, não faz sentido competir? Sim, mesmo porque o ser humano parece, por natureza, um competidor. Claro que progredir é preciso e, de modo geral, não há progresso sem competição. A competição pode, sem dúvida, trazer à tona o melhor de nós mesmos, mas, se não for bem administrada, pode também fazer emergir o pior de nós, quando ultrapassamos limites da ética. Considerar o próximo um competidor, um concorrente, é individualismo egoísta, totalitarismo narcísico. Também no mundo do crime organizado e da corrupção endêmica ou institucional existem planos de carreira, ascensão aos postos de comando, tráfico de influência. Diz com propriedade Antônio Houaiss: "Quando você exerce a violência na plenitude de sua consciência, você está exercendo o seu direito, porque o outro é que parece violento por não obedecer."

Como tantas são as leituras quanto os leitores, prefiro competir comigo mesmo. "Be a winner", sim, mas, antes de tudo, um vencedor de si mesmo. Caso contrário, como dizem os americanos, o vencedor fica com tudo: "winner talkes all". Na realidade, só se conta a história dos vencedores.

Dir-se-á que é uma mera questão de interpretação. Pode ser. Mas, na prática, uma coisa é esforçar-se por apresentar um bom programa de televisão; outra coisa é pontuar para satisfazer o insaciável e pragmático deus Ibope, cujo único critério é maior audiência.

Não é sem razão que, na Grécia, as competições atléticas eram chamadas "jogos agonísticos", da mesma raiz de agonia, quer dizer, combate.

Na prática, ainda, competitividade tornou-se eufemismo de emulação, no sentido jurídico, que é uma rivalidade que leva alguém a recorrer à justiça, abusando de seu direito, apenas para satisfazer sentimentos ignóbeis e causar vexames a outrem. Guerra também é competição, ato de competir, fruto de competitividade, potencialidade, possibilidade e condições de competir.

Creio que a visão do vencedor de si mesmo é mais construtiva ou, pelo menos, não é destrutiva. Para começar, todos podemos (e como!) e devemos progredir, mas também, a par de nossas aptidões, temos nossas limitações naturais ou contingenciais. E a pior limitação é não se sentir limitado, isto é, não ser competitivo consigo mesmo. Imagine-se o quanto custa parar de fumar ou, para um adulto analfabeto, aprender a ler. Mas, isso sim, é auto-superação. É verdade que, à medida que nos aperfeiçoamos, eventualmente ou programadamente (como num jogo, inclusive de mercado, num concurso, etc.), outras pessoas serão vencidas e, às vezes, sem nenhum desdouro, quando essas fizeram a sua parte, dentro de suas possibilidades. O segredo de uma boa negociação é atingir objetivos sem ferir parceiros.

Como professor, tenho observado que muitos alunos (há exceções honrosas), quando não se conformam com sua nota numa prova, geralmente não assumem os erros, antes procuram racionalizá-los. Tal comportamento só retarda a auto-superação. Outras vezes, estudamos achando que já sabemos tudo, quando os campos do saber são inesgotáveis. Ou, pior ainda, funcionários públicos, consoante pensamento de Thomas L. Masson (1866-1934), jornalista americano, são como livros: os mais inúteis ficam no alto.

Segundo dom Mário Teixeira Gurgel (1999), bispo emérito de Itabira e Coronel Fabriciano, "a sociedade deu aos criminosos um princípio. Eles - sem os inocentar - apenas tiraram as conseqüências desse princípio que a muitos, consciente ou inconscientemente, lhes ensinamos: vale tudo por dinheiro!"

Não é à toa que a chamada queda de braço é chamada quebra de braço. Entre o vencedor e o vencido há um fio tênue. E é mais fácil o tênue fio da espada de Dâmocles sobre a cabeça do vencedor que do vencido. Ao vencedor, as batatas.

Superar os próprios limites. Segundo Pedro Bloch (1966): "fazer o melhor possível; o resto é problema dos outros".