Semanas atrás, li numa matéria da Revista da Folha um relato sobre o trabalho inédito de uma escola na Suíça, empenhada em não discriminar as crianças pelos gêneros, masculino ou feminino.

A escola está apoiada por uma legislação, e os professores têm treinamento e orientação para conseguir tratar meninos e meninas da mesma maneira.

Talvez a jornalista responsável pela matéria pudesse ter buscado algumas escolas aqui em São Paulo, por exemplo, que já trabalham com profissionais cuja postura é cuidadosa e diferenciada em relação a esse tema, para traçar um paralelo, e nos dar a chance de refletir sobre nossos progressos. Contudo, o fato de ter colocado em evidência um tema como esse já nos leva a pensar sobre o assunto, discuti-lo e até “re-significa-lo”.

A escola da qual fala o artigo, trata a questão como uma mudança consciente e elaborada profissionalmente, ou seja, através de estudos e reciclagem. Isso me parece interessante, porque intuição, prática e experiência nem sempre são suficientes para cuidar da educação de seres humanos.

Certamente, devemos convir que todos os profissionais da área da educação deveriam ter uma formação que privilegiasse o olhar para o desenvolvimento integral do ser humano, levando em consideração aspectos intelectuais, físicos, emocionais e sociais.

O problema mais pontual, a meu ver, é que muitas vezes dificuldades observadas nos alunos esbarram em limitações pessoais dos educadores, que precisam de apoio e orientação. Necessitam de uma formação consistente que lhes possibilite buscar o auto-conhecimento e o desenvolvimento de suas habilidades pessoais e profissionais.

O que pude compreender sobre essa matéria é que parece haver uma tentativa de desenvolver um olhar “descontaminado”, possibilitando uma manifestação mais livre das inclinações e tendências naturais dos alunos.

Essa é uma conquista importante. Sem negar as diferenças, a escola aceita as semelhanças entre os sexos e, assim, escapa das armadilhas da discriminação.

A matéria relata que aos meninos é dada a possibilidade de optar por não participarem de atividades “tipicamente masculinas” ou mais violentas (como futebol e luta), ficando com o grupo de meninas, fazendo outras coisas, sem sofrerem, no entanto, qualquer tipo de pressão ou embaraço.

Uma professora expõe suas dificuldades ao contar que protegia e acolhia de uma maneira totalmente diferente os meninos e as meninas. Quando se tratava de uma menina, colocava no colo, acariciava e protegia. Ao lidar com um menino, deixava-o no chão e falava palavras de estímulo e encorajamento. A professora coloca que agora está revendo essa postura equivocada.

Entretanto, sobre essa nova postura cabe uma indagação fundamental: qual das duas atitudes ela privilegiará ao tratar de seus alunos?

Como se deve tratar as crianças em situações que normalmente nos fazem discrimina-los em função do gênero?

Deve-se dar preferência ao modo de tratar os meninos, ou as meninas?

Como sempre, não há uma única resposta nem alguma que satisfaça totalmente.

O caso dessa professora suíça, que pessoalmente, permitam-me dizer, achei bastante despreparada, é interessante para refletirmos. Tanto um modo como outro de tratar os alunos pode ser adequado; tudo depende da situação, e daquilo que a sensibilidade e o conhecimento do professor puder detectar. Às vezes um aluno necessita sentir firmeza para se fortalecer, outras vezes, no entanto, precisa de acolhimento e suavidade. Isso não depende da idade, do nível sócio econômico e, menos ainda, do sexo.

A compreensão dos universos feminino e masculino esbarra em questões sociais e culturais que nos confundem os sentidos. Fazemos bem em deixar, algumas vezes, que a intuição “pense” por nós, quando se trata de assunto tão delicado e complexo. Contudo, acho perigoso relaxar e esquecer que somos vítimas constantes de uma inércia intelectual que nos paralisa e empobrece.

O sexo parece ser um conceito biológico e o gênero nos remete a um aprendizado cultural. Ou seja, nascemos com um sexo determinado biologicamente e desenvolvemos tendências culturalmente impostas pelo gênero do qual fazemos parte.

Também é possível imaginar que o sexo com o qual nascemos determina alguns comportamentos. Mas essa afirmação pode coincidir com uma série de atitudes preconceituosas e discriminatórias. É dessa crença que surgiram afirmações restritivas e definitivas como: “Meninos são agressivos.”, “Meninas são maternais.”, “Homens são imaturos”....

Características pessoais se transformam no decorrer da vida de uma pessoa e, além disso, ninguém é de um jeito só.

A dualidade feminino-masculino está sempre presente. Conscientes ou não, ela atua em nós, manifestando-se no modo como sentimos e reagimos a eventos que mobilizam emoções. Em nossa sociedade é possível perceber a expressão dessa dualidade. Como vivemos numa sociedade na qual prevalece uma consciência patriarcal ela tende a aparecer de modo desequilibrado e polarizado, privilegiando o padrão masculino.

Mas não há um padrão a ser seguido. O trânsito constante entre os universos femininos e masculinos é vital para se conquistar um certo equilíbrio individual e coletivo.

Volto a pensar em nossos professores e na capacidade que precisam desenvolver para escutar, olhar e refletir sobre as necessidades de cada aluno. É dessa forma que o educador abre espaço para que o seu aluno manifeste a individualidade.

Expectativas pré-concebidas, baseadas em comportamentos esperados em função dos gêneros e sexos bloqueiam e são perversas à medida que estabelecem padrões rígidos. Cada pessoa tem um universo dentro de si, repleto de vivências singulares, seja homem ou mulher, menino e menina.

Essas expectativas são frutos da educação, de condicionamentos, experiências pessoais e crenças e, consciente ou inconscientemente atuam no discurso e na prática de cada educador. Aliadas à cultura na qual estamos inseridos, encarregam-se de estabelecer alguns padrões de comportamento de acordo com os gêneros.

Entretanto, é possível crer que o contato e a troca constante e sistemática , no exercício da profissão, entre os dois sexos (professores/ professoras) permita uma mudança espontânea de olhar para esses conteúdos ligados aos gêneros.

O ser é muito mais do que uma representação definida pelo aspecto fisiológico e cultural; ele guarda em si todos as características da humanidade. Cabe ao educador preocupar-se com essas questões, tão fundamentais e estruturais. Mas para isso tem de submeter-se à própria crítica, fundamentada em investigações que levem ao auto-conhecimento.

É papel do professor revisar conceitos, discriminar o que é fruto de preconceito e condicionamento em suas posturas e intervenções.

Sempre notei nas crianças pequenas semelhanças indiscutíveis entre os meninos e meninas, em diferentes situações. Semelhanças que se modificam e são passageiras e outras que permanecem um tempo maior. É claro que eles também se diferenciam em aspectos diversos, e que também são transitórios e mutáveis.

Nunca pude perceber comportamentos padronizados, ligados aos gêneros, nos primeiros anos de vida de uma criança. Meninos e meninas exploram, são inquietos ou mais contemplativos, assumem lideranças, agridem e acariciam, são alegres ou não, investigativos e arrojados, medrosos ou não, sedutores ou mais distantes...enfim, o modo de ser das crianças é um universo complexo e ilimitado.

O aprendizado não termina para ninguém pois é também ilimitado e, por isso, penso que o primeiro passo para que um professor possa transformar significativamente sua atuação é considerar-se um aprendiz.

Perceber que aprende com os alunos é a principal ferramenta para um professor tornar-se o que nunca deveria ter deixado de ser: um companheiro de jornada.