Para Marx, a arte é o prolongamento trabalho. É uma das formas da humanização da natureza, da reconstrução do mundo segundo um plano humano. A arte é um dos graus transpostos pelo homem na sua passagem da animalidade .

Antes de anunciar o conteúdo da presente abordagem, permitam-me felicitar o jornalista Severino Carlos, pela conquista do Prémio Maboque de Jornalismo. Julgo que a colectividade poderá colher as peugadas seguidas pelo indivíduo com intuito de construirmos uma sociedade mais informada e despida de preconceitos ideológicos, políticos, sociais, étnicos ou culturais. Bem-haja!

I.

A natureza humana é recheada de surpresas exuberantes. É rudimentar a ideia de escondermos o passado e jamais ser descoberto pela sociedade coetânea.

O meio em que o indivíduo está inserido desempenha uma acção considerável na afirmação do seu caracter, não apenas pelos meios disponíveis para realização das suas necessidades vitais, mas sobretudo o conceito que a colectividade conserva em relação a individualidade de cada membro.

Assim, muitas vezes somos forçosamente, conduzidos a reprimir os nossos instintos, a empregar falsos padrões morais ou adoptar condutas que agradem a maioria das pessoas.

O conceito que a colectividade conserva faz com que tentemos encobrir recordações ou épocas que têm pouca ligação com o momento em que nos encontramos. Por vezes, na juventude, quando os nossos traços de carácter e personalidade ainda se estão a formar, percorremos caminhos que em pouco se assemelham com o percurso que o futuro nos reserva.

Em 1909 um pequeno jovem sonhador que percorria atras dos seus sonhos, mudou-se para Viena, capital Austríaca e cidade que abrigava a conceituada Academia de Artes. Na altura, o seu nome pouco conhecido no seio da critica de arte e dos grandes artistas do momento.

Tratava-se do futuro Chanceler Alemão, que ditou o destino de milhões no maior conflito do século XX. Durante um ano errou pelas ruas de Viena vivendo em abrigos e lendo panfletos e tablóides com ideias anti-semitas e como qualquer outro artista frustrado, negou um emprego fixo em detrimento de trabalhos ocasionais, podendo assim dedicar-se também à venda dos seus trabalhos.

A sua convicção era elevada, e durante este período, copiou cenas de postais ilustrados para tela (há evidências de ter produzido cerca de 2000 trabalhos), vendendo sobretudo a turistas. Depois da segunda recusa de entrada na academia, sem dinheiro, paulatinamente desapareceu Hitler, o artista, e em 1934 surgiu Hitler, o senhor da guerra.

Os trabalhos que alcançaram maior valor foram duas pinturas finalizadas em 1911 e 1914 (ver imagem), cujo leilão que decorreu em 1999 rendeu cerca de 130.000 dólares.

Será justo dizer que este valor foi alcançado não pelas características das pinturas, mas sim pelo nome e figura que Hitler desempenhou no seio da história. Ficará para sempre no ar a pergunta: e se ele tivesse sido admitido na academia? O tempo de amargura, frustração e leitura revolucionária contribuiu para a criação daquele que mais marcou a história do século passado?

Na óptica de Emile Coué, se alguém se persuadir de que pode fazer alguma coisa qualquer, contando que ela seja possível, esse alguém a fará ainda que seja difícil fazê-la. Se, ao contrário, as pessoas crêem que não podem fazer a coisa mais simples do mundo, torna-se para elas impossível fazê-la e nesta ordem montinhos de areia que as toupeiras erguem são, para essas pessoas, como intransponíveis montanhas.

II.

Entretanto, algumas coisas difíceis de serem abandonadas, por proporcionarem prazer, são, não Ego, mas objecto, e certos sofrimentos que se procura extirpar mostram-se inseparáveis do Ego, por causa de sua origem interna. (Freud, 1969)

A felicidade advém da satisfação (de preferência, repentina) de necessidades represadas em alto grau, sendo, por sua natureza, possível apenas como uma manifestação episódica. Ao contrário torna-se mais fácil para o indivíduo experimentar a infelicidade. O sofrimento ameaça-nos a partir de três caminhos: de nosso próprio corpo, condenando à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência, do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas, e finalmente de nossos relacionamentos com os outros homens. A rejeição por parte da colectividade, subtrai a auto-estima do indivíduo, e deste modo, governar a imaginação torna-se proceloso. Nestes casos, Goethe dizia que "nada é mais difícil de suportar que uma sucessão de dias belos"

III.

Trata-se de um sentimento que o indivíduo (Hitler) gostaria de designar como uma sensação de "eternidade", como se em pincel fosse possível retractar toda beleza da cidade e aliviar a energia psíquica através da força dos dedos.

Assim, nos quadros de Hitler, podemos perceber que os contornos pictóricos conquistam um lugar de destaque, onde a percepção do leitor/espectador deixa de ser meramente ilusória, apresentando a imagem do belo, que parece extinguir-se ao longo do seu percurso enquanto homem político.

A criação artística, se universal na sua linguagem, criatividade e narração, é um recurso de inesgotável capacidade transformadora da sociedade, apontando caminhos renovados, amplificando o que de melhor o ser humano pode edificar, dando-nos, por fim, essa possibilidade, única de transcendência, de relacionamento pacífico e pleno com o outro que, em lugar de nos ameaçar com a sua diferença, nos completa e integra o indivíduo no seio da colectividade.

 

Bibliografia consultada:

COUÉ, Emile. O domínio de si mesmo

FERREIRA, Eugénio. Espiral Literária. Ed. Asa/União dos Escritores Angolanos, 1989

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Ed. Imago, 2002

Revista Ciência Hoje: Disponível na Internet em www.cienciahoje.pt 

Blog de arte http://blog.uncovering.org/archives/2007/05/os_negros_de_od.html