Psicologia Escolar? Psicologia Educacional? Psicologia da Educação? Psicologia na Educação?

Estas várias denominações indicam diversas e variadas relações entre a Psicologia, a Educação e a Escola.

Tradicionalmente, o que temos verificado através dos livros, manuais ou das práticas educacionais que são realizadas nas escolas, a vinculação da Psicologia e da Educação tem privilegiado o interesse pela aprendizagem e ensino, ou seja, a Psicologia tem oferecido importante contribuição à Educação por meio de parte do conhecimento produzido de teorias psicológicas a respeito do desenvolvimento humano, da aprendizagem humana, teorias de grupos, etc.

Quem não conhece as importantes contribuições que autores tais como Piaget, Vygotsky, Freud e outros trouxeram para os trabalhos das escolas?

Porém, Psicologia não diz respeito apenas a um ramo específico de conhecimento humano. Há pouco mais de 40 anos, tornou-se uma atividade profissional devidamente regulamentada, atualmente, a Psicologia é ciência e profissão.

O que gostaríamos de focalizar é a relação da Psicologia enquanto profissão com a Educação.

Quais os pontos comuns entre a psicologia e a educação? Por outro lado, qual é a especificidade da atuação do psicólogo na educação?

Quando falamos em educação estamos pensando em educação escolar, ou seja, a educação que se realiza nas escolas de um sistema de ensino, ainda que saibamos que os processos formativos ocorram também em outros contextos tais como, na família, no trabalho, na cultura e suas manifestações, na igreja e assim por diante.

Citando a educação escolar, parece-nos importante trazer algumas idéias contidas na LDB, Lei nº. 9.394, de 20.12.96.

O Art. 2º diz que educação é dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.  Diz também, que o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo." (Art. 5º).

Fica aqui muito claramente indicada a importante função social da educação através da escola junto à população tendo em vista a finalidade a que se propõe. Neste sentido coloca-se a educação como um dos direitos sociais mais fundamentais e de responsabilidade do Estado que através de sua política deve prover as condições para que a educação ocorra no sentido de seus objetivos. Então todo o trabalho educativo que se realiza através da escola tem como base e ponto de partida a compreensão da escola enquanto um dos requisitos primordiais de formação da cidadania de todos os brasileiros. Portanto, todos os profissionais que estiverem participando direta ou indiretamente de um trabalho educacional escolar têm que ter a consciência desta importante função social da escola. Porém, não basta apenas estar esclarecido, é preciso ir além, ou seja, refletir a respeito do que entendemos por educação. Temos que nos colocar importantes perguntais tais como:

Quê educação queremos? Para quem? Por quê?

A resposta é clara e precisa: uma educação compromissada com a maioria da população, uma escola pública de qualidade e uma adequada política educacional tendo em vista os mínimos direitos sociais de todo cidadão brasileiro. Poderíamos dizer como Paulo Freire, o grande educador brasileiro que todos conhecem que a educação através de uma relação dialógica visa o desenvolvimento de uma consciência crítica do educando e como tal sempre é política.

Como os demais profissionais da escola, o psicólogo não é um mero técnico em educação. Ainda que detenha conhecimentos teóricos/técnicos especializados é fundamental que se conceba também como educador, na dimensão política que toda educação se reveste, então, isto significa dizer que implica assumir e desenvolver posições claras em seu trabalho tanto em relação à educação como também, no que tem de específico em sua tarefa na educação.

Pensamos de um ponto comum a ser construído pelos psicólogos e educadores: o posicionamento ético, político e de compromisso social no trabalho desenvolvido nas escolas.

Já que estamos circunscrevendo nosso interesse à educação escolar, poderíamos nos referir à chamada Psicologia Escolar/Educacional, ou seja, uma área da psicologia aplicada, que tem trazido muitas reflexões e polêmicas tanto em relação à suas práticas quanto à formação de seus profissionais psicólogos como ficou demonstrado pelo estudo realizado envolvendo 102 trabalhos publicados nos Anais dos quatro Congressos Nacionais de Psicologia Escolar, promovido pela ABRAPEE (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional) – período de 1991 a 1998.

No referido artigo, os autores citam uma pesquisa realizada por Gomes (1994) a respeito da atuação do psicólogo nesta área no Brasil e que:

“não foi possível traçar um perfil deste profissional de acordo com as diversas escolas teóricas e que existe uma distância entre o papel atribuído ao psicólogo no campo teórico e as demandas que se espera que este atenda no cotidiano da escola.” [1]

Como podemos perceber o assunto é complexo inclusive por haver pouco acordo entre os próprios profissionais da área.

Outro aspecto a ser considerado, refere-se às demandas que lhe são apresentadas pela escola. Tradicionalmente, o psicólogo foi chamado (e ainda o é) a contribuir para auxiliar a justificar e explicar os problemas dos alunos, particularmente, os relacionados à aprendizagem e ao fracasso escolar ou ainda problemas de comportamento dos alunos. Isto equivale a dizer que a visão do psicólogo e da Psicologia associada às patologias psicológicas ainda continuam fortemente estabelecidas no imaginário não somente da população em geral, como também entre os educadores. Aliás, esta continua sendo ainda uma grande demanda dos demais profissionais de educação.

Porém, esta forma de conceber o trabalho do psicólogo na educação, com ênfase em sua atuação clínica, tem sido objeto de inúmeras críticas, particularmente a partir da década de 80.

Atualmente, encontramos diversas vozes discordantes desta visão, como a de Contini, conforme podemos verificar em suas colocações no artigo: “Discutindo o conceito de promoção de saúde no trabalho do psicólogo que atua na educação [2]

Novas posições começam a ser apresentadas no sentido de contribuir para o debate para uma nova e mais adequada forma de concebermos o trabalho do psicólogo voltado para a educação.

Além disso, e isto é o mais complicado, conforme já foi dito anteriormente, o psicólogo era visto (e ele próprio se via como tal) como um profissional que “trata dos doentes dos nervos”, conforme se expressa uma pessoa quando questionada quem era o psicólogo. Assim, tirar o foco da doença para a saúde equivale a uma mudança substancial tanto para a prática quanto para as concepções do trabalho do psicólogo.

Então, podemos dizer que ainda que haja o desconhecimento ou até uma dificuldade dos profissionais se apresentarem como profissionais de saúde somos integrantes do conjunto de profissionais desta área, junto com médicos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, etc.

Mas o que significa ser um profissional de saúde? E qual é o significado de saúde?

Segundo Dejours, psiquiatra, psicanalista francês dedicado ao estudo do trabalho e saúde mental do trabalhador, desenvolve idéias a respeito da questão da saúde que poderia ser interessante trazer aqui para o debate, em seu artigo “Por um novo conceito de saúde.” [3]

Deste material, retiraremos algumas idéias tendo em vista o tema em questão. Partindo da crítica à definição internacional já consagrada que diz que saúde seria um estado de conforto, de bem estar físico, mental e social, elabora uma conceituação própria. Para este autor:

“a saúde para cada homem, mulher ou criança é ter meios de traçar um caminho pessoal e original, em direção ao bem estar físico, psíquico e social.” [4]

O que significa ter esses meios e o que é esse bem estar?

Bem estar físico significa que é preciso ter liberdade de regular as variações do organismo, é poder deter um corpo que quando precisa descansa, possa fazê-lo, puder repousar, quando precisa comer tenho o que e como fazê-lo. Então, saúde significa a liberdade de dar ao corpo aquilo que ele necessita cuidar-se quando está doente, comer quando tem fome, repousar quando está cansado ou com sono, ou parar de trabalhar quando está gripado e depois poder voltar ao serviço.

Bem estar psíquico é simplesmente a “liberdade que deixada ao desejo de cada um na organização de sua vida” (Dejour, 1989, p. 11)

E, finalmente, bem estar social:

“é a liberdade de se agir individual e coletivamente sobre a organização do trabalho, ou seja, sobre o conteúdo do trabalho, a divisão das tarefas, a divisão dos homens e as relações que mantêm entre si.” [5]

A noção de saúde é interessante porque também abrangente, no sentido de que só é possível ter saúde se tivermos a liberdade de se satisfazer devidamente as necessidades fundamentais do homem, ou de agir individual ou coletivamente sobre a organização do trabalho. Esta liberdade está na dependência das condições particulares da vida de cada cidadão, que sabemos no mundo capitalista distribuídos de forma desigual e altamente excludente. Assim buscar saúde significa também buscar as condições de vida mais dignas para todos, sem as quais não há saúde.

Então, ser um profissional da área da saúde significa também estar ao lado dos que lutam por melhores condições de vida ou de trabalho ou, pelo menos, ter a consciência dos limites do seu trabalho quando não há estas condições necessárias à vida humana.

Assim, por exemplo, uma criança, cuja família não tem estas condições, não se pode atribuir a ela, a origem do seu fracasso escolar, muito menos a sua família, ambas igualmente vítimas de uma situação social que em si já contém um potencial de prejuízo em termos da saúde de seus membros, conforme a noção de saúde que aqui estamos endossando. Então, lutar por uma melhoria na saúde implica também em lutar por uma transformação da sociedade, esta sim geradora de processos altamente excludente tanto social quanto escolar de amplas parcelas da população. Estamos aqui nos referindo à função social do psicólogo na educação.

Outro aspecto interessante, da conceituação refere-se aos meios de cada um traçar um caminho para a obtenção do bem estar, que é algo a ser obtido ou atingido sendo, portanto, um objetivo. Para tanto, torna-se necessário traçar um caminho. Esta é a questão principal, quando pensamos na escola e o quanto ela pode ou não contribuir para esta possibilidade de saúde vir a se efetivar. Uma escola de boa qualidade pode ser uma das vias, um dos caminhos a percorrer. Neste sentido, a luta pela escola pública e de qualidade pode criar as condições, a todos que estão implicados com a educação. Saúde e educação fazem um par importante no quadro dos direitos do cidadão, lutar por uma educação pública de qualidade implica para os psicólogos também uma luta pela saúde no sentido em que é colocado por Dejour.

Ainda no sentido de um maior esclarecimento, autores como Contini que, por sua vez refere-se a outros, posicionam-se dizendo que a atuação do psicólogo na educação tem por objetivo primordial a promoção da saúde, considerando o conceito de saúde como não apenas como ausência de doença, mas como também incluindo:

“vários aspectos que estão presentes na vida do homem, como moradia, lazer, educação, trabalho etc.. Será o equilíbrio desses componentes da vida diária que irá formar o grande mosaico da saúde humana.” [6]

A autora considera que, na perspectiva da promoção de saúde, os psicólogos nas instituições educacionais devam pautar sua atuação no sentido do conhecimento da dinâmica institucional, por parte dos seus integrantes com a finalidade de favorecer a sua integração, na medida em que os sujeitos possam se apropriar destas complexas relações, podendo então “possibilitar a construção de projetos que valorizem as “relações humanas”, entendidas como espaços de medições sociais”. ( Contini, 2000, p. 47).

Contudo, as relações institucionais são extremante complexas e mesmo o psicólogo está implicado como um profissional atuante na instituição educacional e neste sentido surge uma importante questão:

Como o psicólogo pode efetivamente promover a saúde institucional, se ele próprio esta imerso nesta complexa realidade institucional? Estaria o psicólogo imune à trama das relações que aí se desenvolve? Enfim, o que fazer?

Finalizando, estamos longe trazer respostas para um campo de atuação tão importante, porém ainda tão polêmico.

Propus este artigo muito mais para trazer elementos para uma reflexão conjunta e uma forma de contribuição no sentido em ir construindo, partilhando e compartilhando nossos saberes, práticas e pensamentos.

 

Bibliografia:

Revista Psicologia: Ciência e Profissão.Brasília, nº. 2, 2002.

Idem nº. 2, 200

Dejours, C. “Por um novo conceito de saúde”, Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, nº. 54- vol. 14 – Abril, Maio, Junho, 1986

 

[1] Formação e Atuação em Psicologia Escolar: análise das modalidades de comunicações nos Congressos Nacionais de Psicologia Escolar e Educacional, p. 2 – Revista Psicologia: Ciência e Profissão, nº 2, 2000.

[2] Revista Psicologia: ciência e profissão, nº 2, 2000

[3] Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, nº 54, vol.14, abril, maio e junho, 1986.

[4] Idem p. 11

[5] Dejours, p. 11

[6] Idem Revista