RESUMO

Como professora, percebo que é constante a preocupação dos professores com o fracasso escolar, mas percebo também que  esses mesmos professores têm uma certa resistência em mudar suas metodologias, suas práticas de ensino, a meu ver a escola parece não saber lidar com as mudanças que aconteceram, não só no aspecto tecnológico, mas também social e cultural de seus alunos. A escola apresenta um discurso modernizador, quando na verdade o seu funcionamento se dá de formas totalmente arcaicas, havendo uma contradição entre o discurso e a prática. Apesar de ser um espaço onde há uma grande diversidade cultural, ela desempenha um papel, de como se fosse um espaço homogêneo. Mudanças aconteceram, o  adolescente de hoje, não se parece com o de vinte anos atrás. O acesso à mídia, aos meios de comunicação em geral, às tecnologias, tudo isso contribuiu para que esse adolescente mudasse, e a escola parece não se dar conta disso.

 

INTRODUÇÃO

A educação escolar, principalmente nas escolas públicas brasileiras, é um tema em constante discussão, e que ainda parece sem solução, apesar de várias iniciativas, vindas em grande parte das próprias comunidades escolares. As práticas pedagógicas, o uso das tecnologias na sala de aula, o fracasso escolar, de como a escola se posiciona diante de tantas mudanças ocorridas no contexto social e econômico mundial, são aspectos significativos, temas que não se esgotaram; principalmente ao que se refere à escola pública. Procuro fazer a discussão desse assunto, estabelecendo um cruzamento com o livro de Nestor Garcia Canclini, “Culturas Híbridas : Estratégias para entrar e Sair da Modernidade” que trata de diversos assuntos, principalmente sobre a “modernização”da América Latina, sobre os processos complexos que se deram essa modernização, e acho que a escola faz parte desse processo. Ao discutir esse tema não fui em busca de outras bibliografias, mas somente na minha experiência enquanto professora e na obra de Canclini.

 

Canclini em seu livro, transita em diferentes manifestações culturais, passando por quadrinhos, pintura e música. Aborda assuntos como hibridação, as novas tecnologias e seu impacto sobre a tradição, cruzamentos entre o popular e o erudito. Segundo ele, os jovens vivem a cultura do instantâneo e têm dificuldade em saber o que fazer com o passado e o futuro. Como professora de história, trabalhando com adolescentes, concordo com essa afirmação de Canclini, porque, para a maioria dos alunos não faz sentido estudar o  passado, saber o que já aconteceu, o importante é o  que vivemos nesse exato momento, e quanto ao futuro, também não é importante, já que ainda não chegou.

Parto do pressuposto de que a escola é uma formadora de identidades, onde indivíduos passam a maior parte do seu tempo, e, concorrendo com as diferentes mídias, a escola tende a perder terreno e prestígio no processo de transmissão de cultura. Muitas vezes a escola não percebe a heterogeneidade social e cultural de seus alunos e acaba se fechando em disciplinas compartimentalizadas numa perspectiva linear, como se a escola estivesse imune a qualquer mudança que aconteça, e os seus alunos também. Cada professor, com seu conteúdo, totalmente separado, sem nenhuma perspectiva multidisciplinar, transdisciplinar então, acho que somente em um futuro bem distante. O professor tem um papel muito importante, para que haja uma mudança no ambiente escolar que acredito ser necessária. É preciso que ele utilize diferentes estratégias no processo educativo, identificando as relações estabelecidas entre escola, a comunidade, o bairro. Investigue como as experiências produzidas nesses espaços podem contribuir na prática educativa. A sociedade tem um caráter multicultural, e a educação precisa estar imersa nesse contexto, não apenas se limitar a obedecer  uma proposta curricular ( para não dizer grade curricular, que é o termo mais utilizado). Uma das formas para que haja uma,  melhora no processo ensino-aprendizagem seria na minha opinião utilizar com criatividade  os produtos da mídia, as tecnologias em geral. Novidades tecnológicas estão surgindo a todo instante, e poderiam estar a serviço da educação, temos exemplos simples como  a internet, e até mesmo a televisão se bem aproveitada. Mas isso dependeria de  um processo em que toda a comunidade escolar  e se possível em parceria com o Estado, estivesse envolvida. Os recursos estão aí, mas  isso não é suficiente.  Mesmo nas escolas públicas,  encontramos alunos de classe econômica mais baixa e também alunos de classe média,a maioria tem acesso às tecnologias, porém o processo de hibridação não é igual para os adolescentes populares que vão às casas públicas e para os de classe alta que os têm em casa. “ Os sentidos das tecnologias se constroem conforme os modos pelos quais se institucionalizam e socializam” (p. 308 ).

Canclini aborda em seu livro aspectos como tradição x modernidade; como cada vez mais o Estado administra o tradicional, “enquanto a promoção da cultura moderna é cada vez mais tarefa de empresas e órgãos privados” (p.89). E na maioria das vezes quando empresários investem na cultura, seria para obter lucro, não para democratizar a arte ou o conhecimento. Por isso a escola estaria meio como um “navio à deriva” sem o apoio do Estado e da iniciativa privada. Há um discurso moderno sobre as práticas pedagógicas, as metas a serem cumpridas, a repetência zero, enfim a cada novo governo, mudam-se  as propostas pedagógicas, sem que a anterior tivesse sido cumprida. Políticos apregoam  que as escolas estão se adaptando às novas tecnologias. É verdade que as  escolas estão sendo equipadas com computadores, mas a maioria dos professores não tem acesso a esses equipamentos, vários nunca utilizaram a internet, e nem sabem como fazê-lo. Até agora não vi nenhuma medida eficaz que reverta esse quadro. Percebo que o discurso moderno é somente para os meios de comunicação, mais uma publicidade. Não há um interesse do Estado em que haja uma melhora na educação, que implicaria em uma mudança verdadeira, onde estariam inseridos professores, alunos, diretores e toda a comunidade escolar . Sem dúvida, seria um processo longo, mas acredito, poderia se realizar. É cada vez mais distante  que o aluno de uma escola pública consiga ter o mesmo êxito de um aluno de escola privada, em um vestibular, ou num concurso público. E essas questões afligem sim os alunos, principalmente os que estão terminando o ensino médio. O fato é que termos como sociedade globalizada, consumismo, capitalismo, estão cada vez mais presentes, fazendo com que cada vez mais o jovem de escola pública esteja em desvantagem ao de uma instituição privada. 

“Na medida em que diminui o papel do poder público como garantia de democratização informativa, da socialização de bens científicos e artísticos de interesse coletivo, esses bens deixam de ser acessíveis para a maioria”(p.372).

O discurso de democratizar o conhecimento não se concretiza na maior parte das escolas públicas. O desinteresse do Estado em que o conhecimento científico, a cultura e a informação, façam parte de serviços públicos, faz com que cada vez mais, somente setores privilegiados tenham acesso a esses “bens culturais”. Para Canclini, quando essas transformações de fim de século não implicam democratização política e cultural, a obliquidade que propiciam no poder urbano e tecnológico se torna mais que dispersão pluralista; hermetismo e discriminação ( p. 372 ).

São vários os obstáculos existentes para que haja uma educação de qualidade na escola pública, passando pela própria formação do docente, do diretor da escola, pelos recursos  existentes, salas cheias,  baixa remuneração do professor, são fatores que contribuem para que o professor se sinta desmotivado a buscar um aperfeiçoamento. É muito importante que os professores estejam motivados e que saibam motivar também seus alunos que  muitas vezes vêm de famílias desestruturadas financeiramente, emocionalmente, e uma mudança na qualidade da educação passa também pelos alunos, que, quando demonstram interesse e motivação estimulam cada vez mais que seu professor melhore a qualidade de seu trabalho, porém isso não acontece com freqüência, o aluno na maioria das vezes se contenta em conseguir pontos para ser aprovado, ter um diploma. Há também uma diversidade cultural entre eles, e na maioria das vezes são tratados como se pertencessem a um grupo homogêneo social e cultural. A dificuldade em lidar com a pluralidade cultural dos alunos, também é um obstáculo

Apesar de todas as dificuldades, aumentam cada vez mais as responsabilidades do papel do professor na escola, sendo este não um mero transmissor de conteúdos, tendo que ir muito além, como,  formar um cidadão crítico, reflexivo, preparar o jovem para o mercado de trabalho, inserir valores éticos, sociais, morais, religiosos, enfim, vai muito além do que o professor foi preparado para lecionar . Não estou propondo uma crítica a esse  papel do professor, pois acho que  seu papel deve ser  sim maior do que um mediador, um transmissor de conteúdos, o problema é que a maioria desses professores, em sua formação não houve esse preparo, e nem há uma capacitação para esses novos desafios, ficando ele muitas vezes sem saber como agir diante de situações adversas . Mais uma vez o discurso moderno do Estado se contrapõe a realidade escolar. Assuntos como desemprego, aumento da informalidade, intensa competição no mercado de trabalho, são temas atuais que refletem no ambiente escolar, principalmente para os alunos que estão terminando o ensino médio. Mais uma vez cabe ao professor tentar mostrar ao aluno qual o grau de relevância desses assuntos. O que deve ser prioridade ao aluno de escola pública quando terminar o ensino básico? Cabe ao professor  ajudar esse aluno  sem ser utópico, mas sem deixar que o pessimismo tenha maior relevância . É  mais um dos desafios da escola, e principalmente do professor .

Vivemos num momento chamado por muitos de pós - moderno, ou, para outros como Canclini que diz “ na América Latina, onde as tradições ainda não se foram e a modernidade não terminou de chegar, não estamos convictos de que modernizar-nos deva ser o principal objetivo, como apregoam políticos, economistas  e a publicidade  das   novas     tecnologias” (p.17).  Mas uma coisa é certa, vivemos numa sociedade baseada no consumo, na lógica capitalista  em que o progresso da ciência, da tecnologia, está a serviço do mercado, e  impõe ainda mais uma mudança na escola, em toda a sua organização. A tecnologia, a informação tendem a  permear cada vez mais, todos os setores da sociedade, seja na saúde, na política, na cultura, no comércio, na educação. O Estado  teria um papel fundamental se atuasse traçando horizontes, definindo modos de interação, tratando a informação e a informatização na escola como um serviço público, e não apenas uma estratégia de marketing . Existem políticas públicas que  teriam como objetivo, a inclusão digital de alunos e professores, como Projeto Escolas em Rede, Proinfo, Proformação,  mas na prática esse objetivo ainda não se concretizou. São projetos bem interessantes e poderiam ajudar na melhoria das práticas pedagógicas se fossem realmente colocados em prática.

 

CONCLUSÃO

Não acho que a culpa de tantos problemas na educação escolar  seja somente por causa da ausência do Estado, ou somente do professor ou aluno, ou da escola. São vários fatores que se cruzam, como já foi dito. A escola precisa se dar conta de que  precisa mudar, passando por uma reformulação em todos os seus segmentos . Que os professores consigam compartilhar suas disciplinas numa perspectiva multidisciplinar ou por que não, transdisciplinar, estando a história, a geografia, a matemática, o português, enfim todas entrelaçadas, num só objetivo; o de melhorar o processo ensino e aprendizagem, utilizando as várias tecnologias, os recursos em geral, para que isso ocorra de fato. Que a escola seja  um lugar de formação de identidades, de transmissão de saberes,  mas que isso ocorra  principalmente respeitando  a pluralidade cultural de seus alunos, para que a informação realmente seja democratizada.

Gostaria de terminar esse artigo com mais uma citação de Canclini: “Uma política é  democrática tanto por construir espaços para o reconhecimento e o desenvolvimento coletivos quanto por suscitar as condições reflexivas, críticas,  sensíveis para que seja pensado o que põe obstáculos a esse reconhecimento. Talvez o tema central das políticas culturais seja, hoje, como construir sociedades com projetos democráticos compartilhados por todos sem que igualem todos, em que a desagregação se eleve a diversidade, e as desigualdades ( entre classes, etnias ou grupos ) se reduzam a diferenças” ( p. 157 )

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo 2006. Edusp- Editora da Universidade de São Paulo.