“Os filhos aprendem o que vivem: Se os filhos vivem com críticas aprenderão a condenar. Se os filhos vivem com hostilidade, aprenderão a brigar. Se os filhos vivem com piedade, aprenderão a sentir pena de si mesmos. Se os filhos vivem com ciúmes, aprenderão o que é a inveja. Se os filhos vivem com vergonha, aprenderão a sentir-se culpados. (...). Se os filhos vivem com elogios, aprenderão a apreciar. Se os filhos vivem com reconhecimento, aprenderão a ter objectivos. Se os filhos vivem com a honestidade e a imparcialidade aprenderão o que é a verdade e a justiça. (...). Com quem estão a viver os seus filhos?” (Doroty L. Nolte, 1998, p. 77).

Em três de Dezembro/2008 recebi um e-mail com assunto: “O artigo com a mera sua opinião”. O conteúdo desse e-mail, cujo leitor desconheço, referia-se ao meu primeiro artigo de opinião, de Outubro/2008. Aguçou minha curiosidade e estimulou-me a algumas respostas. A primeira, por e-mail, pessoalmente ao leitor, em respeito ao seu tempo e considerações; isto porque possibilitou-me um alargamento reflexivo em torno do tema: estrutura de família e o poder das emoções doentes, que é a base de minhas pesquisas.

Apresento o conteúdo do e-mail, minha resposta e posterior reflexões.

“Felicito-a pelo seu artigo com uma análise clara sobre o casal observado numa repartição de finanças em Portugal. Embora a análise individual possa ser apropriada (digo possa ser, pois não acho que o seu olho clínico seja infalível! Afinal o que sabe sobre aquelas pessoas?! E os outros que lá estavam porque não chamaram a sua atenção... eram "normais?). Não deve generalizar a partir de um casal observado. Os portugueses são como todos os outros, há agressivos, brutos, mesmo maus ou simplesmente estúpidos, também há meigos, carinhosos, empáticos, indutores de sonhos e esperança. O mesmo se pode dizer das mães... talvez não falasse daquela mãe e sim da sua mãe!  Deve sair mais e observar mais, vai ver que encontra de tudo. Este país é riquíssimo em conteúdo humano... Já agora sobre pais brasileiros fica aqui uma dica: leia “Crianças do Asfalto” de Marcelo Spalding da Casa do Psicólogo mas por favor não generalize para todos os pais brasileiros que pode ofender alguns portugueses mais rigorosos em termos científicos e humanos.”  

O que sugeri ao leitor acima foi ler: Força da Emoções, François Lelord e Cristophe André. Cultive a sua Inteligência Emocional, Daniel Chabot. Doze Semanas para mudar uma vida, Augusto Cury. A Família em Primeiro Lugar, Dr. Phil McGraw. O 8º Hábito -Da Eficácia à Grandeza, Stephen R. Covey.”

O que se observa claramente, na fala do leitor, é a mistura de conteúdos afectivos numa atitude psicológica defensiva, permeada por sentimentos dúbios íntimos. Quando pergunta “Afinal o que sabe sobre aquelas pessoas?” manifesta-se, abalado e dominado por seus próprios sentimentos recalcados. Isto porque naquela matéria, falava eu do homem português mediano; com isto quero dizer que refere-se a pessoa de pouco estudo escolar (geralmente na primária ou secundária).

Fiquei a me perguntar: Como pode um texto com observações, a cerca de um comportamento familiar disfuncional, especifico e explicito num contexto público, influenciar tão fortemente um leitor?

Por outro lado, entendo que, a frase do leitor: cidadãos 'mais rigorosos em termos científicos’, jamais deixar-se-ão influenciar por seus próprios sentimentos e emoções pouco desenvolvidos, (ler: A SAGA DE UM PENSADOR, Dr. Augusto Cury), pois saberão expressar-se por escrito, mantendo uma certa neutralidade, que faz parte da disciplina de todo cientista.

Para esclarecer este leitor e os demais, informo-os que o objectivo aqui é, trazer a luz da consciência presente social, o subterrâneo psicológico de determinados comportamentos familiares não trabalhados (inconsciente), não socializado, das relações parentais, altamente prejudicial ao desenvolvimento saudável dos filhos, podendo vir a criar comportamentos dependentes e coo-dependentes. 

Apresento o tema: Tríade -pai-mãe-filho, da Tese da Profa Mª Aparecida Penso, em conjunto com Sudbrack, Ferreira & Jacobina (2003), www.cefetpb.edu.br - “Dificuldade de Vivências da relação Triádica pai-mãe-filho, denuncia um padrão relacional que apenas se equilibra em díade( mãe-filho) e sempre exclui um terceiro, no caso o pai; (...) descrito como ausente ou frágil, quase sempre alcoólatra, com pouca ou nenhuma participação na vida familiar. Presença de intensos conflitos conjugais, absorvendo a energia e o tempo das mães. Histórias de abandonos e negligências dos filhos, sob forma de permissividade excessiva ou ausência de limites”.  O que observei, em público, na relação daquele casal, foi uma disfunção dos papéis parentais e as possíveis consequências.

Quanto a sugestão do leitor acima “Deve sair mais e observar mais”, convido-o a vir comigo ao metro, centros comerciais, shoppings, salões de beleza, centros de formação, autocarros, praças, bibliotecas públicas, cafés, etc. São lugares que frequento, sento e ouço as pessoas, distribuo sorrisos, (isto porque aqui sorrir é algo estranho, mas aprendi com minha profissão que o sorriso ainda é o melhor remédio da alma); troco algumas informações, converso com as crianças e, acima de tudo presto atenção ao conteúdo verbal de cada um.

Posso afirmar com conhecimento de causa e efeito, que 99% são queixas, lamentos, acusações, críticas, culpas à terceiros, e, uma infindável troca de doenças, cujos remédios são caros, que o governo é o culpado, que os filhos estão cada vez mais insuportáveis, que o marido não presta, etc. Se prestarem atenção ao conteúdo do discurso quotidiano das pessoas, perceberão que a grande maioria está no seu limite, com um inconsciente afectivo transbordando, pedido socorro de forma aleatória e distorcida. É ai que entram os profissionais psicólogos, primeiro com uma ampla divulgação, sobre os benefícios da saúde psicológica a médio e longo prazo, preventivamente.

Os cidadãos, em geral, ignoram os efeitos maléficos no corpo e na mente, dos conteúdos psicológicos agressivos, tóxicos e doentes. Faço uso das palavras do leitor acima, onde refere que os “portugueses são como todos os outros” –, sim concordo plenamente, tanto é, que se ajudados a compreenderem os efeitos negativos das emoções doentes e tratarem adequadamente, revelam-se tão eficientes e capazes com qualquer cidadão do mundo. Atitudes comportamentais citados, pelo leitor desconhecido, sob o desígnio: agressivo, bruto, maus, estúpidos, e/ou meigos, empáticos, indutores de sonhos e esperança; são palavras que se referem aos afectos: sentimentos e emoções; cujo leitor, de alguma forma, sentiu-se inundado.

Para esclarecer melhor o assunto marital em questão, lanço mão das investigações do Dr. Daniel Goleman, no livro “A Inteligência  Emocional”. Segue abaixo na íntegra, o que ele escreveu acerca dos pensamentos tóxicos na relação familiar, na observação do discurso de um casal.   

“PENSAMENTOS TÓXICOS:

Os miúdos parece que têm o diabo no corpo, e Martin, o pai, começa a estar farto. Volta-se para a mulher, Melaine, e diz, num tom irritado: - Querida, não achas que os miúdos podiam acalmar um pouco?  - Mas o que está verdadeiramente a pensar é: «Ela deixa-os fazer tudo o que querem!» Melaine, reagindo à irritação dele, irrita-se por sua vez. O rosto torna-se-lhe tenso, junta as sobrancelhas numa expressão de zanga, e responde: - Estão só a brincar. De qualquer maneira, são quase horas de ir para a cama. - Mas, o que está verdadeiramente a pensar é: «Lá está ele, sempre a queixar-se» Martin está agora visivelmente furioso. Inclina-se ameaçadoramente para a frente, com os punhos cerrados, e pergunta com voz gelada: -Queres que vá deitá-los já? - Mas pensa: Ela opõe-se-me em tudo; o melhor é resolver eu esta questão.» Melaine, subitamente assustada pelo tom de ameaça na voz do marido, diz mansamente: - Não, eu vou tratar disso. - Mas pensa: «Está a perder as estribeiras... é bem capaz de magoar as crianças. É melhor ceder.» Estas conversas paralelas – a falada e a silenciosa – são relatadas por Aaron Beck, o fundador da terapia cognitiva, como exemplo do tipo de pensamentos que podem envenenar um casamento.  São pensamentos determinados por uma camada mais profunda , a que Back chama «pensamentos automáticos» - suposições fugases, de fundo, a respeito de nós próprios e das pessoas que fazem parte de da nossa vida, e que reflectem as nossas atitudes emocionais mais profundas. No caso de Melaine, o pensamento de fundo é qualquer coisa no género de: «Ele está sempre a ameaçar-me com suas fúrias». Para Martin, o pensamento-chave é: «Ela não tem o direito de tratar-me dessa maneira.» Neste casamento, Melaine sente-se como uma vítima inocente, e Martin cheio de justificada indignação contra aquilo que considera um tratamento injusto. Esta noção de ser uma vítima inocente ou de ter motivos para se sentir indignado é típica de um casamento ameaçado, e alimenta continuamente sentimentos de raiva e dor. A visão pessimista é a de que o parceiro tem um defeito inato que não pode ser modificado e que será para sempre uma garantia de infelicidade. Os parceiros que optam pela atitude pessimista são extremamente propensos a sequestros emocionais: deixam-se irritar, magoar e afligir por coisas que o cônjuge faz, e permanecem perturbados a partir do momento que o episódio começa; recorrem mais facilmente à crítica e ao desprezo na confrontação com o parceiro. Os mais virulentos destes pensamentos tóxicos são os que encontramos nos maridos ou esposas) que se tornam fisicamente violentos. O resultado líquido destas atitudes perturbadoras é criar uma crise constante, uma vez que provocam sequestros emocionais mais frequentes e tornam mais difícil recuperar da dor e da raiva resultantes. Gottman usa a palavra inundação para designar esta susceptibilidade a frequentes perturbações emocionais: os maridos ou as mulheres inundados estão de tal maneira dominados pelos aspectos negativos do parceiro e pelas suas próprias respostas a essa negatividade que se deixam submergir por uma vaga de sentimentos descontrolados. As pessoas inundadas não conseguem ouvir sem distorção nem responder com clareza; têm dificuldade em organizar os seus pensamentos e caem em reacções primitivas. A inundação é um sequestro emocional que se perpetua. O momento em que se dá o sequestro emocional é revelado pelo ritmo cardíaco, que pode subir 10, 20 ou mesmo 30 pulsações por minuto no espaço uma única pulsação. Os músculos ficam mais tensos; pode parecer difícil respirar. Há uma invasão de pensamentos tóxicos, uma desagradável vaga de medo e ira que se parece inescapável e, subjectivamente, leva «uma eternidade» a passar. O problema para o casamento começa quando um ou outro dos cônjuges se sente inundado quase continuamente. Esse parceiro sente-se tão esmagado pelo outro, está constantemente em guarda contra o ataque emocional ou uma injustiça, torna-se hiper-vigilante contra qualquer sinal de agressão, insulto ou ofensa, e tem inevitavelmente uma reacção excessiva ao mais pequeno indício. Quando um casal se deixa apanhar no ciclo da crítica e desprezo, comportamentos defensivos e silêncio, pensamentos negativos e inundação emocional, o próprio ciclo reflecte uma desintegração da autoconsciência emocional e do autocontrolo, da empatia e da capacidade de se apaziguarem um ao outro e a si mesmo.(Goleman, 1999, p. 158).

Objectivo, com a demonstração deste fragmento de texto do Dr. Goleman, deixar mais claro aos leitores, o poder destrutivo dos conteúdos emocionais não tratados, no ambiente familiar. E por outro lado vamos ver como se daria uma situação inversa, onde houvesse delicadeza e respeito para com os sentimentos e corpo de nossas crianças.

Um pequeno trecho do livro da Dr.ª Isabelle Filliozat, a Inteligência do Coração: “Margot tem dois anos. Está a brincar com a porta do frigorífico. O pai previne-a: «Cuidado, vais entalar-te...» Passam-se alguns segundos e ouve-se um grito: «Estás a ver, é bem feito, eu avisei-te!» Margot chora cada vez mais e vai refugiar-se na sala do lado. O pai: Jean Bernard apercebe-se de que tinha adoptado uma atitude estereotipada, sem estar atento à vivência da filha. Aproxima-se dela, põe-se de joelhos e diz: Desculpa, não queria fazer pouco de ti. Tu magoaste-te.» Margot deixa de chorar imediatamente. É importante pedir desculpas! É demasiado fácil abusarmos do nosso poder. Acompanhar uma criança no seu desenvolvimento é estar atento para respeitar o seu corpo e o seu coração. Quando nos excedemos nas nossas emoções, a empatia é saber dizer ao filho: «tiveste medo quando eu gritei, desculpa, não queria amedrontar-te; eu também tive medo, por isso é que gritei», de maneira a dar-lhe as chaves para a análise dos nossos comportamentos e tranquilizá-lo sobre o nosso amor, sobre a nossa capacidade de perceber e de estar atento ao que ele sente. Devemos imenso respeito a esta vida que está em desenvolvimento. Uma criança também precisa de protecção paterna, de ter a certeza de que os pais não vão desvalorizá-la, ridicularizá-la ou pô-la em situação difícil. Olhem os vossos filhos com um sentimento de aceitação incondicional” (Filliozat, 1999, p.281).

Deixo esta mensagem profunda da Drª Isabelle, para que cada pai ou mãe, que ler este artigo, reflicta o seu modo particular de tratar seus filhos ou cônjuge. 

 

“Temos medo de aprender porque temos medo de crescer e de assumir a responsabilidade maior que vem com o crescimento”.

(Tarthang Tulku, 1977, p.27)