A internet multiplicou as formas de socialização nas sociedades modernas. Os indivíduos, encerrados em subúrbios, em rotinas diárias sufocantes, foram despojados dos contextos de contacto informal. Neste aspecto, a aldeia ou a vila proporcionavam diversos espaços para se estar e onde o encontro fortuito fazia parte de uma forma de vida. De tudo isso o actual urbanita se viu despojado… até que o virtual veio fornecer novos espaços e novas formas de encontros casuais, ainda que a coberto do anonimato.

Muitas plataformas têm vindo a surgir nos últimos anos, desde o face-box, ao hi-5 passando pelo netlog ou ainda o second-life. Estas plataformas cruzam-se umas com as outras, ou seja: posso criar um avatar no second-life e a correspondente página no hi-5 ou criar mails para identidades que fictícias. Posso ser “eu” no hi-5 e incentivar os amigos reais a pertencerem à minha rede. Posso interagir através de programas messenger como “eu” ou uma qualquer outra identidade inventada. Finalmente, posso teclar, conversar em voz e entrar em contacto através de uma webcam.

Os chats ou salas de conversação constituem um dos contextos comunicacionais mais antigos na net. Trata-se de um suporte fundamentalmente escrito. Acede-se facilmente a este género de espaços: escolhe-se um nome e rapidamente estamos on. Deparamo-nos então com uma miríade de conversas paralelas. De nicks a conversarem com outros nicks, a dizerem ditos para todos, a fazerem convites para se ir para o privado conversar. O espaço pode ser ponto de partida para muitos outros suportes, como os já referidos, mas ainda o telemóvel.

O presente texto serve de breve notícia a uma investigação que realizámos em salas de chat. Nela tentámos perceber ambientes, formas de expressão, bem como os modos como os diversos actores se relacionam com as salas e nelas imerge um certo número de normas, mais ou menos aceites por segmentos importantes de utilizadores.

A comunicação faz-se a coberto de nicks. Cada nick lança frases para a sala que surgem na parte inferior do ecrã e vão sendo empurradas para cima, à medida que surgem novas intervenções. Podemos rapidamente expor os nossos ditos: escrever frases para a sala toda ou então seleccionar um nick com quem pretendemos iniciar uma conversa.

Utilizámos, no nosso estudo, métodos qualitativos de recolha de dados. A etnografia ensina-nos a observar contextos, descobrir padrões nas interacções. Socorremo-nos ainda da metodologia de histórias de vida, nomeadamente através da abordagem centrada em caso único.

A interacção permitiu explorar diversas dimensões do ambiance criado nas várias salas, nomeadamente em termos de linguagem utilizada e sinais mais usados. Detectámos ainda as distintas relações que se estabelecem com o real: desde avatares que procuram logo desvendar dados sócio-demográficos da pessoa com a qual estão a conversar, aos  que apostam de forma mais continuada numa certa identidade de sala. Outro aspecto importante prende-se com a recriação de uma realidade virtual dentro do próprio chat. Trata-se de simulações de acções só possíveis na realidade, por exemplo: “vamos tomar café?”; “acabei de limpar a sala…”. Este género de intervenções permite o diálogo sobre assuntos inexistentes, onde o humor desempenha um papel central. Abordámos ainda outros assuntos como a questão da sexualidade, as comunidades que se formam, assim como as normas que acabam por imergir nesses grupos.

De todos estes esforços, elencaremos aqui a questão do não verbal grafado e da chamada aceleração relacional. O não verbal grafado refere-se a uma série de sinais que servem para encher de tom emocional o que se escreve na sala. Em relação à aceleração relacional, pretendemos expressar a deturpação temporal que as salas proporcionam a quem nelas se envolve: há de facto a criação de uma sensação de conhecer o outro e de poder partilhar coisas pessoais a coberto do anonimato. Em poucos dias, desenvolvem-se sentimentos de intimidade e de conhecimento por vezes bastante intensos.

Haveria muitos outros assuntos a abordar, o que a natureza deste espaço impede de fazer. Da observação em sala e da recolha da história de vida da nossa voluntária detectámos uma série de dados. Traçaremos aqui apenas um eixo de todo o nosso esforço. Trata-se do continuum que vai da proto-identidade à identidade virtual. Muitos nicks relacionam-se com as salas de um modo meramente instrumental: procuram dados da realidade, por vezes o encontro real. Ao interagir com estas identidade somos imediatamente bombardeados por perguntas: “de onde teclas?”; “que idade tens?”; “és casado?” Com as identidades virtuais nada disso se sucede, pelo menos nos primeiros momentos: o que conta é a conversa que se desenrola a propósito de tudo e de nada. Estamos perante posturas completamente opostas: aqui a identidade vale por si mesma, pelo que acontece no chat. Imerge o tabu da realidade: ninguém vai mostrar-se fraco e indagar sobre o que o outro faz ou como é. A conversa é um objectivo por si só.

É entre estes dois extremos que os nicks evoluem e criam as suas trajectórias. Foi neste espaço que nos movimentámos durante quase um ano, tentando aperfeiçoar a nossa compreensão sobre os chats. Esperamos, num outro local, ter oportunidade de expor o nosso trabalho de forma mais detalhada.