É surpreendente o caminho que o campo da saúde vem percorrendo nos últimos anos. A onipresença do paradigma cartesiano que afirma a separação radical entre fenômenos físicos e mentais está finalmente sendo questionado de modo consistente e constante. Alguns cientistas e muitos profissionais, médicos e psicólogos, têm apresentado pesquisas e relatos clínicos mostrando como as doenças emergem de perturbações físicas e psicológicas combinadas, entrelaçadas. Já é considerado resultado da ignorância, deliberada ou não, acreditar que o que uma pessoa vive no plano das emoções, dos sentimentos e pensamentos é desconectado do corpo e seus processos.

A presença do Dalai Lama no Brasil teve uma significação religiosa e política, mas também uma outra de extremo valor : a de mostrar que há outra via de afirmação da conexão entre o que vivemos no coração e no espírito e os processos corporais na saúde e na doença.

Como assim?

Os ensinamentos budistas que o Dalai Lama enfatiza no ocidente falam sempre da importância das escolhas existenciais (“a vida é resultado de nossas escolhas”), da responsabilidade de cada um diante de si mesmo e dos outros, apontando que o estado de saúde depende não apenas da utilização dos recursos tecnológicos de diagnóstico e tratamento, mas que as experiências vividas dos indivíduos, o cuidado de si e de seus relacionamentos com as coisas do mundo, condicionam sua saúde e bem-estar. Diz ele: “É necessário compaixão por nós mesmos antes de poder oferecê-la aos outros”.

O Dalai Lama tem procurado encontrar os pontos de contato entre os ensinamentos de Buda e a ciência médica. Suas constantes reuniões com cientistas, médicos e psicólogos, o diálogo incessante na procura de pontos em comum que respeitem a diversidade de perspectivas, nos falam do seu objetivo de contribuir para a diminuição do sofrimento humano.

Esta procura pela integração de áreas aparentemente tão distintas de conhecimento – a ciência e o budismo – resulta em uma ampliação também no campo da prática profissional: psicoterapeutas utilizam intervenções na corporalidade, médicos começam a considerar o lugar dos medos, da ansiedade, do estresse, do luto e da saudade no aparecimento ou agravamento de doenças.

E, ainda mais, alguns psicoterapeutas estão construindo abordagens que integram não apenas as práticas advindas do budismo, como a meditação e a mindfulness (consciência alerta e em relaxamento, podemos traduzir), mas combinam algumas das concepções budistas do ser humano e do mundo com as de autores consagrados de escolas psicoterápicas como a Fenomenológica-Existencial. Para a Fenomenologia-Existencial o ser humano é indissoluvelmente conectado com o mundo e com os outros seres, vive no tempo como movimento e fluxo. Ambos, budismo e terapia existencial, promovem a atitude não-utilitária de relacionamento com os outros seres e o mundo. 

O importante disso tudo é a possibilidade de abrirmos o campo de percepção, sair da acomodação empobrecedora que nos faz ver a realidade do mesmo modo como há séculos. E considerar a transformação evidente no século XXI: a da integração dos diversos conhecimentos, da ciência e da filosofia, das tradições de sabedorias ocidentais e orientais.