É um facto incontornável que o futebol é um catalisador de atenção, ampliado de forma megalómana durante o campeonato do mundo da modalidade. De tal molde que, ignorar essa circunstância, equivale a censurar um colossal influenciador de massas humanas.

Evitando enfatizar as muitas irracionalidades de comportamento que sempre se observam em eventos deste cariz, presenciamos aspectos interessantes neste acontecimento de dimensão planetária. Desde logo, abre-se um canal de comunicação à escala global, que reúne diferentes povos, culturas, costumes, sistemas políticos e crenças. Também contemplamos, sob ambiente de festa, países tão distintos como a Coreia do Norte, a Austrália e a Nigéria, a aceitar as mesmas regras de jogo e a partilhar os mesmos espaços com exultação e alegria, transcendendo, neste âmbito, a Organização das Nações Unidas.

É, de igual modo, curioso, verificar a forma como se projectam nos estilos de jogo de uma selecção nacional as características dos seus cidadãos: a criativa alegria brasileira, a organização e planeamento teutónicos, a concisa objectividade britânica, a natural genuinidade africana, a paixão do tango das pampas, a solidária disciplina asiática.

Por cá, também nos divertimos a observar as nossas características espelhadas na selecção lusa. Concomitantemente, analisamos as múltiplas influências e ligações que a equipa portuguesa possui. Se é verdade que quase toda a gente tem uma opinião a dar sobre futebol, procurando interferir de algum modo, também é justo considerar que há certas opiniões com bastante mais peso, como a de José Mourinho, que recentemente afirmou que Portugal não ganhará o torneio da África do Sul, “nem com o Cristiano Ronaldo a mil à hora”.

Esta sinapse Mourinho, apesar de ser inegavelmente aureolada pelo personagem em questão, pode ter um efeito incentivador. Digo isto porque me recordo do ano de 2004, em que, depois de um acanhado e constrangedor empate no Liechtenstein, e de uma consequente chuva diluviana de críticas de todos os quadrantes, Portugal emudeceu as vigorosas censuras vencendo a vitimada Rússia por 7 a 1. Dessa vez, as sinapses críticas eram múltiplas, o que feriu estrondosamente o orgulho da equipa lusíada. Ora, como um português com o orgulho ferido equivale a um equídeo com um ferro em brasa nas nalgas, quem sofreu, na altura, foi o mais numeroso grupo étnico da Europa.

No momento presente, desconheço qual terá sido o impacto das palavras do mais famoso “mister” do nosso jardim. Ignoro se o que disse foi suficiente para ferir a estima dos jogadores, mas conjecturo que, para sinapses motivadoras, devem bastar aquelas que são disseminadas dentro do grupo dos nossos modernos guerreiros com pitons. Nesse capítulo, confio na incontestável força de vontade de Cristiano Ronaldo, na testosterona direccionada do Bruno Alves, na astúcia criativa do Deco, no lúcido empenhamento do Raúl Meireles e na despudorada fantasia com os pés no solo de todos os restantes.

Uma última palavra para as sinapses advindas do neurónio mor, Carlos Queiroz. Apesar das mínguas que lhe são atribuídas, demonstrou, ao longo da sua vida profissional, evidentes probidades técnicas. Resta-lhe respirar novamente a virtuosa afoiteza de 1989 e 1991 e, agora com os mais crescidos, apontar o trilho do ceptro. Não o de “Most Entertaining Team”, como em 2006, mas o caneco que vale. Assim sendo, todo o povo luso ululará: “se não ganharmos, iremos certamente ser campeões”!