Hoje quero compartilhar com os leitores, em especial as leitoras mães, o que entendo e concebo como liguagem afectiva, que diz respeito aos sentimentos de vinculação e inter-relação: mãe-filho, filho-mãe e, mãe-pai, pai-mãe e, por sua vez, mãe-filho-pai.

Em meu livro ´Vivência, Sonhos e Reflexões´ abordo este assunto com casos clínicos, em grande maioria com pacientes brasileiros e, aqui agora vou ilustrar um caso clínico de origem portuguesa, por ser minha actual realidade e, muito preocupante.

Recentemente chegou-me um paciente com idade acima dos 18 anos, sem um rumo ou qualquer motivação para os estudos ou profissão, cuja queixa principal materna era, a de que ele não obedecia, mentia e andava em más companhias.

Numa sessão individual ele mostrou-se atento, interessado e participativo, concordou e discordou, falou de suas frustrações, seus temores, incertezas e dúvidas e, que por vezes não compreendia a mãe, detestando a forma como ela falava com ele, mas que mesmo assim, gostava da mãe.

Aprofundando sua trajetória de vida, emergiu o seu sofrimento, desde bebé sem a presença do pai, que separou-se da mãe quando ele ainda era criança  e, até tem duas irmãs menores, mas não se falam. E ao lhe perguntar se sentia a falta do pai, suas lágrimas brotaram e seus ressentimentos afloram, num balbuciar: é uma tristeza, libertando a emoção doente aprisionada na revolta, na tristeza e na dor da perda afetiva paterna. E quanto à mãe, sempre fora de casa, tinha que trabalhar, deixando ele com uma ama-babá, ou com a vó, que pelo seu tom de voz, também não lhe é confiável.

Sua relação com a mãe era no grito, na base da crítica e dos castigos, inflingidos pela mãe, ao lhe retirar o acesso ao computador, onde vivia a maior parte de sua vida diária e noturna, isso quando a mãe se deu conta de que ele usava o computador demasiadamente, em jogos. Amigo só tinha um, ainda criticado pela mãe, por pensar que o influenciava negativamente. Teve um breve namoro, mas não fala dessa intimidade com a mãe, não sente confiança em falar de seus sentimentos e preferências pessoais.

Na segunda sessão a mãe se fez presente, ombros frente a frente, numa linguagem de ataque e defesa em tom de voz ríspido, nem um dos dois se escutava ou escutava o outro. Ao focalizar o discurso disfuncional e a forma como cada um se expressava, ambos ficaram se olhando, como se fosse a primeira vez que se viam. Já não havia respeito entre mãe e filho, era ela ou era ele, como se fossem dois adultos raivosos a competirem por algo inalcançável.  A dor emocional de ambos aflorou, a mãe se alterou e levantou, ficando de pé a falar com lágrias nos olhos, até que num gesto de calma e ponderação, refaz-se e senta-se.

A partir dai a narrativa com a escuta fluiu e a linguagem afectiva entre mãe e filho emergiu, um conseguiu ouvir o outro, sem intervir compreendendo os sentimentos feridos e a forma como se auto-defendiam erroneamente; partilharam sentimentos, emoções, tristezas e um compromisso com uma mudança de atitudes, responsabilidades e respeito mútuo.

O final da sessão chegou com risos espontâneos, expressão corporal livre e gestos de amor materno e filial. A duração foi de uma hora  e meia. Numa abordagem estrutural, desde a gestação até a idade presente. Onde a mãe narra a trajetória do filho, com problemas de ameaça de aborto nos primeiros três meses de gravidez, ausência do esposo e sofrimento de isolamento afectivo. Trabalhou até os últimos dias da gestação, como forma de esquecer a ausência do esposo e, após  o nascimento desse filho único, nem uma atenção teve do pai. Ao sair de férias, o esposo pediu à ela para deixar o filho com a avó e, ela para não contradizê-lo, aceitou, sentindo-se constrangida por ver outras mães com os filhos a brincar. 

Enquanto a mãe narrava sua história, seu filho a observava e, eu atenta à conversa da mãe, mas discretamente  à observar a reacção do filho, cuja cabeça maneava e os olhos marejavam. Ele, para defender-se de sua dor emocional, um profundo sentimento de rejeição, cujo bloqueio era sua aversão pelo pai, mas que no fundo queria mesmo era ter o pai presente e ser aceito, desenvolveu uma atitude mental crítica, rígida e verbalmente exigente, sem vontade para nada, nem mesmo para contribuir em casa,  na arrumação de seu quarto. E qualquer  coisa que iniciava perdia logo o estímulo e esquecia-se. Comentou que nas aulas, até sentia-se motivado, mas só no início porque depois de algum tempo distraia-se, no que a mãe intervém e comenta que sempre leu tudo para ele e, por vezes até as tarefas da escola ela fazia para ele.

Perguntei à mãe: mas como é que seu filho irá crescer e sentir-se capaz de tomar iniciativas, se não confias nele,  se não o vê como um jovem que cresceu e virou homem?  No que ela baixa a cabeça e diz: é hoje eu percebo que errei ao fazer tudo por ele.

Perguntei à ele, olhando firmemente em seus olhos: estás disposto a dar um voto de confiança a si mesmo?  Ele, mantendo o contacto ocular, responde: sim, eu seu que posso fazer alguma coisa, só não seu como.  Fechando a conversa, falo: pois todos juntos vamos descobrir, e pedi: quero um abraço, ele prontamente deu-me um abraço e depois a mãe. Eis a minha linguagem afectiva. Resgatar os laços afectivos da linguagem do coração, que são sentimentos de aceitação, acolhimento e elogios.

Antes da mãe se retirar volta-se para mim e tece alguns comentários elogiosos, agradecendo-me. E mãe e filho saíram sorrindo, haviam entrado tenso e desconfiados.

Penso que nos dias de hoje qualquer família que sentir dificuldade em dialogar acerca de seus sentimentos e emoções, entre  o casal, pais e filhos, devem recorrer a um psicólogo, pois temos as ferramentas psicológicas apropriadas para restaurar harmonia e o diálogo em família, e todos saem ganhando em respeito e amor-próprio.