“Medicar um paciente pode ser necessário; entretanto, a medicalização como conduta clínica visa conter o sujeito e o conflito atentando contra a liberdade do indivíduo. Medicaliza-se como antes se internava, na tentativa de fazer calar a doença.”

(Ana Maria Sigal Rosemberg)

 

Sudorese, tontura, perda de libido, taquicardia, náusea, diarréia... são alguns dos efeitos colaterais dos antidepressivos, listados nas bulas,  vários deles descritos por quem já experimentou.

Se a depressão tem a ver com perdas, sensação de vazio, luto, tristeza profunda, como conciliar expectativas e resultados, com o uso desses fármacos tão difundidos e receitados atualmente?

Quando um corpo adoece ou se fere, uma parcela do investimento dirigido ao mundo externo ( amigos, amores, encontros, trabalho...) retornam , e o indivíduo se enclausura em si mesmo, na tentativa de recuperar o bem estar físico, a própria vontade de viver.

A saúde física é, em alguma medida, garantia de uma possibilidade de fazer escolhas, sejam quais forem.

Os medicamentos colocam o corpo a mercê de um torpor produzido quimicamente, que aliena o sujeito da sua dor. Alienado, não pode entrar em contato com as próprias dificuldades e limitações. Fica a crença de que Indivíduo e Dor não coexistem, embora a dor seja um patrimônio pessoal e intransferível.

Existir simultaneamente, deixar-se afetar:  expressões perigosas, mas que são agentes de troca nas relações. O tom de voz de alguém pode ser reparador. O riso pode nos sorrir, o choro emocionar, o abandono, despertar.

Estar consigo, introspectivamente, é também um encontro;  encontro com  ruídos e apelos que  emergem ou sufocam. Podem assustar e, por isso mesmo, é bom que se tornem familiares.

Suportar um tempo de angústia, tristeza e dissabores cotidianos, é parte do itinerário de cada um de nós.

Aguardar um tempo de elaboração e buscar compreender-se,  tolerar-se,  é a aposta que se pode fazer na análise. Mas de qual aposta se trata, quando se faz uma opção pelo medicamento?

Desencontros e perdas são eventos cíclicos e inevitáveis, e ninguém (ninguém mesmo!) está livre deles.

Os medicamentos, de um modo geral, agem controlando impulsos, e de certo modo, evitando o rompimento daqueles diques – mais frágeis em algumas pessoas, em certos momentos da vida -  que sustentam um comportamento social adequado, padrão ou aceitável. Também evitam, ao dopar as pulsões, que o sujeito entre em contato com os insucessos, frustrações, solidão.

O rompimento de defesas e, decorrente disso, o contato com a fragilidade, as fraturas e faltas, pode sim, ser algo insuportável, mortífero. Nesses casos, medica-se. Nesses casos, acolhe-se. Há um tempo de espera, de sustentação cautelosa, zelosa.

Não se deve travar uma batalha, tentar desafiar, vencer uma guerra.  Ao invés disso, remontar um prisma,  olhar, pensar sobre, significar e, mais importante do que tudo, simbolizar o que aparentemente não encontra tradução.

Por meio do discurso, da fala, das lembranças, do que se atualiza e do que reaparece de passado, um sujeito encontra a possibilidade de se reconstruir, reconstituir. Uma estrutura pode ser reerguida para sustentar ou reforçar aquela que ficou mais débil ou menos consistente.

A medicalização, em muitos casos, deixa todo esse trabalho em suspenso, como se tivesse o poder de edificar algo quimicamente, como se elimina uma dor de cabeça.

O psiquismo é muito mais do que um espaço que se controla, a partir dos sintomas que exibe. Os sintomas são manifestações de uma dor, de algo que se aloja a partir de um sofrimento.

O psiquismo está submetido a censuras, repressões, à história emocional e relacional do indivíduo. Ele está atrelado à instâncias conflitantes , em uma rede tramada de comunicados intrasubjetivos.

A psique é o sujeito e tudo nele e dele. É seu mundo concreto , fantasioso , imaginário e real.

A realidade cobra um preço, a fantasia outro. Ambos tem força, ambos tem poder. O caminho palpável do diálogo se faz nessa conversa íntima, mediada em uma parceria, com um outro que escuta, que está presente e empresta seu corpo e mente no processo de cura.

Qualquer processo que envolva o uso de remédios necessita do suporte analítico, de um foco para aquilo que vai se transformando internamente,  e para o que vai se reorganizar. Sem isso, o sujeito fica refém de uma aparente e transitória mansidão, como aquela que antecede as tempestades.