ÉDIPO E A PAIXÃO

Pellegrino começa apresentando a história de Édipo Rei, este um herói tebano, que teve duas mães e dois pais. Os pais que o gerou foi Laio e Jocasta, estes condenaram Édipo à morte, rejeitando-o.  Foi a estes pais que ele emanava um desejo funesto, com uma força de destino, pois ele ficou amarrado sem poder libertar-se. E assim Édipo matou o pai Laio e casou-se com sua mãe Jocasta, a quem recebeu como prêmio sem tê-la conhecido ou escolhido.

O autor relata como Freud concebe o “complexo de Édipo”, em que diz que o menino na fase fálica de seu desenvolvimento libidinal, dos três aos cinco anos, se apaixona sexualmente pela mãe e, em virtude desse sentimento devastador quer matar o pai, rival que lhe barra o caminho da paixão incestuosa. No texto ainda fala do “complexo de castração” que é fundamental para entender de que maneira Freud conceitualiza a resolução do drama edípico. Nesse complexo o menino passa a ter medo de perder o pênis, uma vez que a ausência dele, na menina, é prova de que isso pode acontecer, esta perspectiva ou possibilidade que o menino articula no complexo de Édipo, uma vez que o medo da castração o obriga a desistir de sua paixão incestuosa, desinveste assim a figura materna de seus desejos sexuais e acaba por identificar-se pelas interdições do superego.

O conceito de “castração simbólica” lacaniano também é discutido no texto Édipo e a Paixão. Neste a “castração simbólica” é caracterizada por um processo gradativo de separação entre a criança e a mãe. A primeira castração ocorre no corte do cordão umbilical, em que esse corte é uma metáfora corporal, onde a criança exprime a angústia do nascimento. Depois ocorre o desmame, em que a criança perde o seio-falo, fonte de toda segurança e prazer. Em seguida vem a exigência do controle esfincteriano, em que existe a regra, a as prescrições e interdições, também o drama edipiano, bem como a interdição do incesto.

Ainda no texto, Pellegrino aborda a experiência de “pertinência cósmica” que o animal mantém com o real, ou seja, o animal, ao nascer traz instintos capazes de costurá-lo ao meio que o rodeia, adaptando-se a realidade. Quando ele vem da casa, o útero, continua em sua casa – o cosmo é sua casa. A leitura que o animal faz do mundo corresponde à estrutura de suas necessidades. Enfim o animal faz, desde o nascimento uma experiência de “pertinência cósmica” que o torna parte do real. Já o ser humano é em sua essência impertinente, pois ao nascer experimenta a realidade como angústia, ou seja, a criança ao nascer desnasce.

Analiso que a reavaliação que Pellegrino faz do complexo de Édipo a partir do mito Édipo Rei, é sem dúvida condizente, quando ele coloca que Édipo, herói da legenda tebana, ao assassinar o pai e ao casar-se com a mãe, não se enquadra no esquema estrutural e conceitual do complexo de Édipo tal como descreve Freud, pois não se pode falar aqui de uma paixão amorosa, como no complexo de Édipo e sim de uma condenação cuja raiz é, ao contrário a total ausência de amor. Pois se Édipo se enquadrasse nos termos freudianos, ele deveria apaixonar-se loucamente por Mérope e estaria condenado a eliminar Políbio, os pais que lhe criaram quando tinha poucos dias de nascido.

A “castração simbólica” (corte) é uma metaforização feita por Lacan em relação ao “complexo de castração” freudiano. O agente dessa operação de corte é, em geral, o pai, que representa a lei da proibição do incesto. Essa lei introduz a linguagem. No filme “O Piano” de 1993, da neozelandesa Jane Campion se faz presente essa castração, onde o corte está presente em vários contextos simbólicos como, por exemplo, quando tomam da personagem Ada o piano em que era sua grande paixão, logo depois seu futuro marido corta seu dedo, extinguindo assim sua possibilidade para tocá-lo. Percebe-se nessa relação que o ser humano passa por várias castrações durante toda sua vida.

A “pertinência cósmica” trazida por Pellegrino é a experiência pertinente que o animal possui ao nascer, sendo que ele age por instinto, é capaz de adaptar-se a realidade, diferente do ser humano que por nascer prematuro, incompleto, sem equipamento instintivo capaz de costurar com solidez ao mundo, de fato é impertinente. Quando o ser humano nasce a realidade é experimentada com angústia, ou seja, a criança ao nascer desnasce, essa negação primária da realidade, vem acompanhada de tudo que lhe é aproveitado do ponto de vista da necessidade e desejo, regido pelo “princípio do prazer”, logo o “princípio da realidade” entra em cena, buscando o mundo externo e os objetos externos. No filme, a personagem Ada, mencionada anteriormente, faz essa passagem, quando ela ao se jogar no mar com o seu piano, perde a onipotência que lhe conferia ao princípio do prazer, tendo que sair de si, logo ela volta submersa ao mar, marcando assim o início do processo de um novo nascimento, buscando a realidade através do mundo externo.

Essa obra, mais especificamente esse texto, é recomendado para alunos do curso de graduação em Psicologia, Letras, Sociologia, Filosofia, entre outros, além de amantes da psicanálise, bem como, do processo humano em geral.

Hélio Pellegrino nasceu em 1924, em Belo Horizonte, Minas Gerais, no dia 05 de janeiro, filho de Braz Pellegrino, médico ilustre,  e Assunta Magaldi Pellegrino, nascida no Sul da Itália. Formou-se em 1947, enveredou pela psiquiatria, para desaguar em seguida na psicanálise. Na madrugada de 23 de março de 1988, morre Hélio Pellegrino, vítima do coração.

 

REFERÊNCIAS

PELLEGRINO, Hélio. Édipo e a paixão, In: Os sentidos da paixão. São Paulo, Companhia das Letras, 1987. :