“Meu estimado amor, que há dentro deste teu coração que nas auroras deste dia nem pretendes me contar; alguns fragmentos duma vida infelicitada pelos nossos sonhos desenfeitiçados ou tão-somente as muitas lembranças de nós dois no porta-retrato, jovens apaixonados em afortunados instantes, em que a minh’alma ao lado dela quão gostava à noite nos teus braços se acolchoar...”

(MUIRAQUITÃ)

As emoções e os sentimentos sempre despertaram fascínio nos poetas e cientistas das mais diferentes épocas. Entendemos que isso ocorra devido à importância que os afetos desempenham na vida cotidiana dos seres humanos, pois todas as nossas vivências pessoais são repletas de afetos. Imagine só o contentamento de um jovem casal apaixonado, que está marcando a data do casamento, ou ainda o pesar de um neto, cuja avó falecera recentemente.

Sabemos que o coração é o principal símbolo da afetividade humana.  Como metáfora, quando estamos enamorados, falamos que o nosso coração fica saltitando alegre no peito e a vida ganha um sentido todo diferente, muito mais colorido. Somos tomados por uma sensação inexplicável e esfuziante de alegria, quase que indescritível. Tal como se o tempo magicamente parasse naquele instante em que estamos ao lado da pessoa que tanto gostamos de coração.

Do ponto de vista psicológico, existem duas palavras muito associadas ao coração: a emoção e o sentimento. Definimos a emoção como uma reação complexa e episódica, que envolve basicamente uma modificação biofisiológica, isto é, uma alteração no corpo. Por exemplo, quando estamos emocionados, bem provavelmente, parece haver algum aumento importante na frequência cardíaca. Conceituamos o sentimento, por sua vez, como um estado psicológico de longa duração, sendo acompanhado de uma dimensão subjetiva (ou seja, mental); enfim, um valor psíquico para o que é sentido. Esclarecendo, quando estamos amando verbalizamos que o nosso coração bate apaixonadamente somente pela pessoa amada. Geralmente, para saber qual é a emoção que uma pessoa está experienciando basta olharmos para as suas atitudes; por outro lado, se quisermos  compreender o que ela realmente sente é só indagarmos,  gentilmente:  o que o seu coração está sentindo neste momento?

A afetividade é uma dimensão psicológica[1], que abrange de modo complexo e dinâmico o conjunto de emoção e sentimento. Neste sentido, o ser humano sente a alteração no corpo, pelas modificações emocionais (isto é, biofisiológicas), e existe também um sentido subjetivo, o qual se dá um valor às experiências emocionais vividas. Como uma dimensão do psiquismo, a afetividade faz com que seja conferido um sentido especial às vivências e às lembranças. A afetividade afeta sensivelmente os nossos pensamentos, dando-lhes forma, matiz e conteúdo.  Na nossa maneira de entender, cognição e afetividade se completam entre si, formando um todo não divisível.  Assim, pensamos a partir daquilo que nós sentimos e sentimos a partir daquilo que nós pensamos.

As manifestações afetivas são muitas em nossas vidas. Inicialmente adotamos  a ideia de afetos bons e ruins. Afetos bons são todos aqueles que trazem algo de positivo. Um bom exemplo de afeto positivo é o amor. Muito próprio de nós seres humanos, ao amar alguém, a pessoa consegue perceber o significado de gostar de, sem a necessidade de algo em troca.

O afeto ruim, ou então chamado de negativo, traz consigo toda uma carga afetiva diminuta, pequena; tendo efeito expressivo no estado de ânimo, no temperamento e no humor. A tristeza pode ser concebida como um afeto negativo. É interessante notarmos que a tristeza traz consigo uma verdadeira complexidade de respostas emocionais e sentimentais, o que pode envolver diversas características: angústia, mágoa, ressentimento,  “nervosismo”, entre outros.

Enfatizamos que o autoconhecimento da dimensão afetiva, ou seja, aquilo que nos emociona e sentimos, ajuda nas inúmeras decisões do dia a dia e do mesmo modo na resolução de conflitos de natureza pessoal e interpessoal. É importante vermos o que estamos sentindo sobre uma determinada vivência. Isso vai ajudar tanto no conhecimento de qualidades pessoais (autoestima), quanto na qualidade do relacionamento familiar. Como experiência profissional em um CRAS na cidade de Itatiba/São Paulo,  observamos frequentemente que a compreensão da dimensão afetiva faz surgir nos beneficiários acolhidos psicologicamente novas condutas proativas (a saber: resiliência, paciência, tolerância, bondade nas palavras, gentileza nas atitudes e amor), que remetem a uma melhoria na qualidade da vida psicossocial.

Hoje em dia, estamos procurando desenvolver um conjunto de novas ideias a respeito da dimensão afetiva. Embora tenham classificações bem distintas, supomos que as emoções e os sentimentos possuem inter-relação complexa e dinâmica. Desta maneira, as respostas emocionais podem vir acompanhadas de uma manifestação subjetiva (sentimento) ou vice-versa.  Em outras palavras, sentimos o nosso corpo emocionado e igualmente nos emocionamos com aquilo que sentimos. Pense em uma pessoa que esteja agora se lembrando de um infortúnio de sua vida; por exemplo, alguém muito próximo e tão amado que veio a falecer.  O seu coração emocionado,  se sentindo  pesaroso,  pode  chorar silenciosamente de saudade; ou esta saudosa lembrança pode fazer os seus olhos se sentirem marejados e choramingar de emoção. Então, frente às diferentes situações da nossa vida,  nos emocionamos e sentimo-las com seus respectivos afetos,   quais sejam positivos e negativos.

Elaboramos a seguir um breve esquema gráfico, que será ampliado em um material posterior. Conforme o esquema, a dimensão afetiva é composta pelo conjunto complexo e dinâmico de Emoção (Em) e de Sentimento (Se), como descrito na “Figura 1”. Acerca da explicação de cada uma delas, as emoções são caracterizadas por um conjunto de reações biofisiológicas que ocorrem de forma complexa e episódica. Conceituamos os sentimentos como um estado psicológico de longa duração e que têm um componente mental ou psíquico, isto é, atribuímos um valor a tudo aquilo que sentimos. Nesta visão teórica, que merece um esboço mais aprofundado futuramente, embora tenham características próprias, a Emoção (Em) e o Sentimento (Se) se complementam substancialmente entre si,   como consta na “Figura 2”.  

 

Dimensão Afectiva

 

[1]Para a abordagem teórica que adotamos, o ser humano psicológico é composto de quatro dimensões psicológicas: cognição, afetividade, consciência e inconsciente. Além disso, há uma estrutura organizadora, que  chamamos inicialmente de Self. Todas as dimensões têm características próprias, com sua forma de se estruturar e de se organizar, alterando assim o funcionamento psicológico.