Hoje em dia existe uma certa confusão em relação à identificação da perturbação anti-social de personalidade (PASP), muito devida à sua associação ao termo psicopatia ou personalidade psicopática que nem sempre é aplicado da forma mais correcta.

Em rigor, clinicamente, o termo psicopatia é inadequado, uma vez que não consta nos manuais actuais de classificação das doenças mentais (DSM-IV-R ou o DSM-V e CID-10).

Actualmente, este termo utiliza-se mais nos contextos forenses para classificar aquele tipo de criminosos perigosos (assassinos em série, etc.), que apresentam obviamente os traços da personalidade anti-social, mas que não se esgota a atribuição deste tipo de diagnóstico restritamente a este tipo de indivíduos. O termo psicopatia também é sobejamente utilizado na ficção, em livros e filmes que cativam a atenção do espectador e o reporta para aqueles personagens sinistros, perigosos ajudando, de certa forma, a criar uma ideia caricaturada sobre este conceito. Isto porque, imaginando-se o espectro desta perturbação de personalidade, este tipo de criminosos retratados estariam no extremo máximo desta patologia, mas a um nível do espectro mais baixo, podemos encaixar neste diagnóstico outro tipo de indivíduos. Dito de uma outra forma, um "serial-killer" é necessariamente um "psicopata", mas nem todos os psicopatas (ou, mais correctamente, indivíduos com uma PASP) serão "serial-killers" ou criminosos!

Por isso é que se torna tão importante clarificar e esclarecer algumas ideias sobre este tema. Este tipo de personalidade é, portanto, mais frequente na clínica do que se imagina e, também, no dia-a-dia!

Como o referido, o termo clinicamente correcto é perturbação de personalidade e há vários tipos de perturbação de personalidade: (1) narcísica, (2) estado-limite (ou border-line), (3) histriónica, (4) esquizóide, (5) dependente, (6) anti-social, etc. (são 11 no total). Esta última – a anti-social - é a que mais se aproxima com a terminologia de psicopatia.

Antes de mais convém distinguir sobre o que se considera perturbação do que é considerado como traço de personalidade: todos nós temos traços específicos de personalidade que nos definem como pessoas e traduzem o nosso carácter; portanto, podemos identificar em nós traços narcísicos, dependentes, histriónicos, evitantes, sem com isto podermos (e ainda bem!) concluir que temos uma perturbação de personalidade! Para ser considerada uma perturbação, há vários pontos (critérios de diagnóstico) que têm que estar presentes, alguns podendo ser confundidos como traços, mas mais rigidificados, exagerados, desequilibrados e desadaptativos.

Outro ponto importante que se deve esclarecer é que, muitas vezes, na clínica, torna-se difícil atribuir a um paciente uma perturbação de personalidade específica, isto é, há casos em que percebemos traços presentes referentes a mais do que um tipo de perturbação. Por esta razão, no Manual DSM-IV-R as perturbações de personalidade aparecem distribuídas em 3 grandes grupos baseados em algumas semelhanças descritivas - A, B e C - encontrando-se, a PASP (juntamente com mais 3 perturbações de personalidade: a narcísica, a histriónica e a border-line), no grupo B correspondente às perturbações cujos indivíduos são frequentemente dramáticos, emocionais e inconstantes. E frequentemente torna-se difícil distinguir claramente, em determinados indivíduos, qual destas 4 perturbações do grupo B está presente, porque pode apresentar traços transversais a mais do que uma.

Contudo, há sempre características que se vão aproximar mais dos critérios de diagnóstico da PASP do que outras. Para todos em geral, e de uma forma mais empírica que científica e clínica, como se identifica então uma PASP?

Pode dizer-se que um indivíduo com uma PASP possui emoções superficiais, teatrais e/ou falsas (daí a manipulação ser um comportamento muito recorrente); apresenta pouco ou nenhum controle da impulsividade (muitas vezes, por exemplo, é frequente ver-se comportamentos de promiscuidade sexual); tem baixa tolerância à frustração, ou seja, reage mal quando contrariado (pelos outros ou pela própria vida); ausência (ou baixos) sentimentos de remorso ou culpa; uma arrogância e desprezo pela autoridade (a sua omnipotência leva-o a ter um sentimento de superioridade e poder - amiúde sente-se atraído pela velocidade e quebra constantemente as regras); baixo limiar para a agressão (pode reagir impulsiva e ferozmente quando provocado); apresenta uma baixa empatia para com os sentimentos do outro e pouca capacidade de alteridade (capacidade de se colocar no lugar do outro) derivada do seu egocentrismo elevado; pode ser hiper-moralista e exigente com os outros, mas não consigo próprio; pode assumir uma postura cínica na vida e é incapaz de manter uma relação leal e duradoura, porque os seus afectos são superficiais - as teorias psicodinâmicas diriam: porque estabelece relações objectais anaclíticas, i.e., os seus vínculos afectivos, aparentemente (superficialmente) parecem fortes, mas são baseados apenas na condição de satisfação das necessidades próprias, ou seja, quando as pessoas já não apresentam a mesma "capacidade" de o compensar afectiva/mental/fisicamente ele desvincula-se rapidamente -, por esta razão, por vezes, a pessoa com uma PASP abusa e manipula dolorosamente os seus familiares, causando-lhes grande sofrimento.

Raramente a perturbação de personalidade é a causa principal que faz este indivíduo recorrer a ajuda psicológica ou psiquiátrica (não tem consciência da sua disfuncionalidade de carácter ou estrutural). Procura ajuda quando começa a evidenciar algum sintoma clínico ou mal-estar. A pessoa com uma perturbação de personalidade (e a PASP não será excepção) vem à consulta com queixas sintomatológicas do Eixo I, como a depressão e crises de ansiedade (são as mais frequentes). E de facto, pode co-existir a perturbação de personalidade (Eixo II) com uma patologia do Eixo I, como é sabido! Por isso, muitas vezes o clínico fica absorvido com a síndroma do Eixo I, descorando a questão estrutural de base que, muitas vezes, justifica a patologia do Eixo I. Esta tarefa fica ainda mais complicada quando o próprio paciente não tem consciência (naturalmente) da sua perturbação de personalidade. E é um paciente difícil, muito resistente ao setting, que compete amiúde com o terapeuta e que apresenta sempre uma grande probabilidade de desistência do tratamento! Mais uma razão para se conseguir fazer um diagnóstico completo para, desde o início, estas questões serem trabalhadas e evitar-se a sua tendência para a manipulação.

De facto, e agora especificamente para a PASP, a manipulação, a arrogância, omnipotência e mentira, são aspectos presentes nos indivíduos com esta patologia.

Se a nível clínico há formas (e obrigação) de se fazer um diagnóstico correcto, seguindo critérios teóricos específicos das classificações das doenças mentais aliados às premissas de uma metateoria completa e esclarecedora, no dia-a-dia de todos nós - incluindo, igualmente, os próprios profissionais de saúde mental - a questão complica e fica imensamente dificultada.

Como se vê, a perturbação anti-social da personalidade, não é fácil de identificar no dia-a-dia, até porque, o indivíduo anti-social pode apresentar um charme convincente; é exímio na manipulação e mentira; consegue ser encantador, solícito para com os que o rodeiam, ter um comportamento simpático, boa fluência verbal e tranquilidade e as pessoas que se relacionam com ele não são capazes de perceber (ou sequer) imaginar o seu lado obscuro que pode esconder durante toda a vida. Facilmente o indivíduo anti-social pode apresentar uma vida dupla - a sua real e a do seu "personagem" - que pode ir alimentando durante anos se a vida lhe reservar condições para isso... Não é por acaso que preserva, muitas vezes, partes da sua vida privada, justificando que é muito independente, individualista ou que não gosta de ser controlado! Quando apanhado na mentira/manipulação, age indiferente e friamente, tentando continuar a ludibriar na tentativa de preservar a boa imagem perante o outro.