Começo este texto com uma interrogação que lanço desde já aos leitores: quantas vezes, nas nossas reuniões de trabalho, nas nossas conversas entre amigos ou nas nossas relações mais próximas e íntimas, notamos uma vontade do Outro de tudo dizer, de tudo explicar e justificar, a todo o momento e a toda a velocidade? Cada um de nós já experimentou certamente a experiência de se sentir menorizado e menosprezado numa discussão perante um Outro que nos cilindra, que exige e impõem o seu “espaço” de forma desrespeitosa e agressiva. Há, nos dias de hoje, uma desenfreada postura do “tudo dizer”, a todos, a todo o momento, a qualquer hora. As redes sociais potenciam, de sobremaneira, esta tendência de afirmação narcísica das pessoas, aparecendo e desaparecendo comentários e opiniões à velocidade da luz, dizendo-se e desdizendo-se tudo e a todo o instante.

Por outro lado, face a este Outro impositivo e dominador, são vários os momentos da nossa vida social e até privada em que constatamos uma ausência desse Outro. Não falo de uma ausência física ou material, mas sim de uma ausência que resulta da dificuldade que temos de o interiorizar, de o inscrever na nossa narrativa interna. Fruto essencialmente da quebra das ligações sociais que hoje se verificam, nunca precisamos tanto de falar e de comunicar e nunca nos sentimos tão sozinhos e mergulhados na nossa penumbra interna. De modo paradoxal, nunca estivemos tão ligados entre nós – as redes sociais são talvez o expoente máximo dessa ligação quase sem limites – e nunca sentimos tanta dificuldade em lidar com os lados mais recônditos da nossa personalidade, fracassando ante as nossas angústias e frustrações, e até mesmo ante a nossa própria intimidade.

De facto, num Mundo cada vez mais competitivo, em que só vale quem chega primeiro à meta, a tendência para a agudização e acentuação destes traços verborreicos no Outro aparece como sintoma da competitividade febril dos nossos tempos. A consequência de tudo isto é clara: qual o espaço para, nos dias de hoje, escutarmos verdadeiramente o Outro, no que ele tem de idiossincrático, de genuíno e de subjetivo? Estaremos numa Era marcada por um afrouxamento da escuta? De facto, esta incapacidade de escuta do Outro não pode ser dissociada da visão que construímos sobre ele, enfim, como alguém invisível e sobre o qual devemos aprender desde cedo a desconfiar e a estabelecer relações meramente instrumentais. Desejamos apenas que o Outro se converta num mero e eterno recetáculo das nossas angústias, frustrações, alegrias e tristezas.

A esta atitude de indiferença e de invisibilidade face ao Outro, toda a gente quer dizer “eu estou aqui” e, como se isso não bastasse, quer que isso seja escutado e atendido por muita gente ao mesmo tempo. Vivemos um Tempo marcado pelo narcisismo patológico dos indivíduos, com consequências nas nossas atitudes, desejos, comportamentos e emoções para com o Outro. Olievenstein (1996) na obra O Homem Paranóide concetualiza as nossas sociedades como “Sociedades Loucas” constituídas por indivíduos com traços paranóides. Diz o autor: “Mais do que no discurso para o outro, a paranoia só existe na relação com o outro, no silêncio perante o outro. Trata-se, é certo, de um silêncio sonoro, mas mesmo assim é silêncio, o da maior miséria do homem, o silêncio da solidão, máscara da angústia de morte que só as encenações tornaram suportável” (Olivienstein, 1996, p. 13).

Sabemos, contudo, que sem a existência de um Outro, o nosso psicológico caminha para o definhamento e atrofia. Mas a forma como lidamos com esse Outro, que é quase sempre volátil e pouco consistente na nossa formação psíquica, nunca foi alvo de tanta atenção por parte dos especialistas da psicologia e da psiquiatria. Mas a ação destes profissionais, apesar da sua crucial relevância e importância no desenvolvimento do bem-estar dos indivíduos e das comunidades, é marcada por vezes por uma atitude reativa perante o problema. Seria talvez mais proveitoso se pensássemos no caldo social em que estamos mergulhados. Talvez isso nos fizesse parar e nos ajudasse a refletir sobre as (im)possibilidades que, nos dias de hoje, temos dado à escuta genuína do Outro.

 

Referências Bibliográficas:

Olievenstein, C. (1996). O Homem Paranóide. Lisboa: Instituto Piaget