Vivemos tempos mirabolantes. Não, fiquem descansados, não vou ser mais um a falar do presidente norteamericano Donald Trump. Vou ficar-me pelo nosso retângulo lusitano e pela minha área de formação, profissão e investigação – a Psicologia – e de como ela anda tão mal tratada ou até mesmo incompreendida (ainda!) por profissionais não-psicólogos.

Antes de falar-vos em tais desvarios, convém situar o quadro político e social em que os psicólogos, nos dias de hoje, trabalham. São, tal como outros profissionais, os tempos da precariedade e da subsistência. Hoje, quem tem formações académicas superiores é sistematicamente desrespeitado nos seus “postos” de trabalho, colocando-se numa posição de subordinação face aos “chefes”, “pseudo-chefes” e outros que tais que, muitas das vezes, apresentam uma assinalável ignorância face à importância de profissionais formados e escolarizados nas suas Instituições. E, convém dizê-lo, os profissionais de psicologia não fogem a esta nova doxa de organização e gestão do Trabalho.

As condições precárias que retratei brevemente acima têm aberto no mercado de trabalho português e, estou em crer, doutros países europeus, um certo espaço para esquecermos a importância das formações académicas especializadas nos contextos laborais, como se o importante fosse o desde-que-se-safe-pouco-importa-se-sabe-muito-ou-pouco. Esta situação tem-se traduzido numa série de equívocos e de deturpações entre profissionais, colocando muitas vezes uns a fazer serviços de outros, sem que, no final de contas, ninguém consiga identificar a origem de tais condutas “anti-profissionais”.

É neste quadro de deturpações e contradições entre os desempenhos profissionais que o psicólogo tem sofrido particularmente uma série de apropriações exteriores face aos seus atos, agora designados legalmente como Atos Psicológicos. Todos os psicólogos certamente já verificaram na sua prática um conjunto de profissionais que, de modo propositado ou não, saiem recorrentemente da sua área de atuação profissional e ousam “fazer o que os psicólogos fazem”, sem ter qualquer formação psicológica. Ora, este tipo de apropriação por profissionais não-psicólogos, muitas vezes travestido numa espécie de espírito messiânico em “ajudar o Outro”, padece de um mal terrível: a tendência para um certo “achismo psicológico” que anda à deriva por aí, nas bocas dos seus profetas ignorantes. A legitimidade desse “achismo” não reside na qualidade, na certeza ou no rigor do seu discurso proferido mas sim na vontade flutuante e livre típica do “achar” qualquer coisa sobre alguém. Na falta de formação técnica e científica a este nível, “acham” sempre qualquer coisa sobre depressões, obsessões ou ansiedades e outros mal-estares que afligem o Homem contemporâneo.

Muitas vezes, essas apropriações são deliberadas, intencionais, sendo tradutoras de inseguranças e frustrações relativamente à profissão do psicólogo. Outras vezes são consequência do quadro de precariedade descrito acima que, tendo de se atuar e intervir na “urgência” que os Tempos determinam, se cilindra a qualidade do Serviço Público prestado. As consequências deste “achismo psicológico” está na dificuldade ou impossibilidade do utente que recorre à “ajuda psicológica” se ver arredado de uma efetiva ajuda neste domínio, encontrando uma espécie de “conforto placebo” nas palavras destes profetas da pretensa “intervenção psicológica”. Torna-se importante por isso que se definam novos perímetros de atuação dos diferentes profissionais e que exista no mínimo o bom-senso de cada um exercer aquilo para o qual está, de facto, habilitado. E o garantir da segurança e das condições de trabalho de cada profissional pode ser um bom início para que esse caminho de respeito entre todos os profissionais se inicie.