No decurso da nossa prática profissional enquanto psicólogos estamos formatados para um tipo de intervenção que se exerce num contexto controlado e protegido como é o contexto do Gabinete de Consulta. Por um lado, ao longo do curso de Psicologia somos desde cedo formados - e, até certo ponto, formatados - para a aprendizagem e o domínio das técnicas de intervenção psicológica em contextos que, salvo raras exceções, têm como centralidade os Gabinetes de Consulta Psicológica. Por outro lado, ao nível das representações sociais e coletivas, o psicólogo ainda é aquele profissional a que ao seu trabalho se lhe associa um Gabinete.

Contudo, ao mesmo tempo que existe esta “formatação interventiva” do psicólogo no Gabinete, a própria prática profissional deste vem chamar a atenção para a necessidade de alargar os seus territórios interventivos. Existem, pois, lugares da intervenção psicológica que permanecem sistematicamente ocultados e esquecidos da intervenção. Falo de contextos e atores que, devido ao seu sofrimento, à sua angústia e desespero, não conseguem, de forma autónoma, recorrer ao tão tradicional “ambiente clínico” propiciado pelo contexto do Gabinete. Pratica-se ainda uma Psicologia afastada e alheada dos contextos de vida das pessoas que procuram ajuda, como se ao psicólogo lhe coubesse apenas receber no seu Gabinete as “problemáticas” dos utentes que o procuram, não tendo que se deslocar in loco aos contextos onde tais problemáticas se desenrolam de forma espontânea.

O que fazer então para atender, para exercer a escuta terapêutica, a este conjunto de pessoas que não recorrem aos Gabinetes? Deverá o psicólogo permanecer sentado na sua poltrona à espera de que a mudança e a “vontade-para-a-terapia” se opere nesses que não os procuram? Tenho defendido em vários contextos que temos a obrigação de contornar as limitações inerentes a uma Psicologia de Gabinete, desenvolvendo respostas interventivas que se afirmem diretamente no contacto com as comunidades, nas ruas e nos contextos informais de onde brotam sofrimentos sociais e psicológicos de diferentes amplitudes e formas. Tudo isto numa espécie de Grounded Psychology ou, tal como tenho afirmado no campo das toxicodependências (contexto no qual trabalho), numa espécie de Psicologia de Baixo Limiar.

Torna-se, por isso, urgente que o psicólogo saia dos seus Gabinetes de Consulta e que se faça presente e exerça a sua profissão, devidamente enquadrada, nos lugares esquecidos ou escondidos onde permanecem muitos sujeitos que necessitam de ajuda psicológica mas que devido à sua situação social, económica, cultural ou outra não recorrem de forma autónoma aos Gabinetes onde comodamente costumamos trabalhar.