Atualmente, perante a informação que dispomos, através da comunicação social, percebemos que a violência familiar é um facto, e muito pouco se tem feito no sentido de a atenuar. Não quer, isto dizer, que tenha havido um aumento da violência, apenas reconhece-se que é mais divulgada.

As crianças expostas à violência doméstica são vítimas indiretas, mas igualmente vulneráveis de várias consequências físicas e psicológicas, que podem ser ou não de perceção imediata. Nesse sentido, julgamos pertinente distinguir duas situações diferentes como: a criança vítima direta de violência, e a criança que assiste indiretamente à violência doméstica.

Importa realçar que a associação entre a exposição à violência familiar e vitimação direta de violência estão fortemente interligadas. A exposição a um tipo de violência aumenta significativamente a probabilidade da exposição a outras formas de abuso, sendo que as crianças testemunhas de violência interparental estão em maior risco de serem o alvo direto de outras formas de vitimação, nomeadamente o abuso físico e sexual.

Os termos “exposição à violência” ou “testemunho de violência” são usados para definir a experiência de ver, ouvir ou conviver com situações de violência. As crianças/adolescentes podem testemunhar a violência indiretamente, como estar num canto a ouvir, a tentar dormir no seu quarto ou ver somente no dia seguinte as marcas de violência.

A violência parental não é um novo problema social, embora tenha vindo a merecer um olhar cada vez mais atento e um desafio para alguns serviços sociais, educativos e de saúde. A violência doméstica em crianças e/ou adolescentes vai evidenciar-se mais no âmbito escolar, manifestando-se na indisciplina, agressões aos colegas e professores (situações de bullying), perda de confiança, baixo rendimento escolar, apatia, dificultando a aprendizagem e a construção de atitudes sociáveis e saudáveis.

De acordo com a American Psychology Association (1996, p.2) a “violência familiar é um padrão de comportamento abusivo que incluí uma variabilidade de maus-tratos possíveis, desde físicos, sexuais e psicológicos, usados por uma pessoa contra outra, num contexto de intimidade, em ordem a adquirir poder ou manter essa pessoa controlada” (Costa e Duarte, 2000).

Existem alguns exemplos de crianças vítimas diretas de maus-tratos físicos e sexuais por parte dos pais revelarem nas suas histórias que, durante muitos anos, experienciaram o horror de testemunhar a sua mãe a ser fisicamente e verbalmente maltratada. Muitas destas crianças vivem em segredo com o problema da violência na sua família e o medo reforça esse silêncio (Sani, 2006).

A violência doméstica pode ser definida como toda a ação ou omissão praticados pelos pais, parentes ou responsáveis pela criança, causando danos físicos, sexuais e psicológicos à vítima. Isto implica uma transgressão de poder e dever de proteção do adulto e numa negação do direito que as crianças/adolescentes têm de ser tratadas como sujeitos.

A cultura do silêncio é uma forma de opressão e um sinal de falta de poder, fenómeno este que não é criado pela criança mas pela sociedade em que se insere, não querendo se denunciar a si mesma. O sofrimento das crianças é um sofrimento silenciado pelo desinteresse dos adultos e pela indiferença social dos seus sentimentos.

Embora se tenha verificado algumas mudanças a nível de atitudes e comportamentos, não podemos deixar de proferir que o sistema familiar ainda se caracteriza como um sistema patriarcal, em que o homem é o detentor de poder, e os papéis são definidos tradicionalmente com atitudes e crenças de educação e vivência familiar conservadora. Exemplo disso: “a pancada nunca fez mal a ninguém”, “o filho é meu e eu é que sei o que é melhor para ele”.

Em Portugal o problema da proteção das crianças expostas à violência interparental carece de um olhar mais vigilante das entidades públicas e/ou privadas, tal como acontece noutros países como é o caso da Inglaterra. As experiências de vida como a separação precoce das figuras significativas, a violência emocional, a disciplina rígida, a ausência de ternura, o abuso físico e sexual, a negligência, o fraco apoio emocional e a violência doméstica, são indicadores de predisposição a um padrão abusivo em adultos (Sani, 2006).

Para concluir, é preciso sensibilizar a sociedade com lucidez, persistência e pragmatismo, de que maltratar uma criança é considerado crime. A atual legislação refere que um cidadão que presencie um mau trato infantil pode e deve denunciar os responsáveis, é a sua obrigação moral.

Consideramos que é da responsabilidade de todos os profissionais de saúde que trabalham com crianças, sejam eles médicos, psicólogos, enfermeiros, educadores, técnicos de serviço social, etc, não ignorar um caso de maus-tratos, pois tal é pôr em causa a vida e o futuro de uma criança e perder a oportunidade de intervir numa família em crise.

É preciso conhecer e ficar sensibilizado sobre estas situações reais para, posteriormente, denunciar e intervir na sua prevenção o mais precocemente possível, em conjunto com as entidades competentes em matéria de jurisprudência. Só assim se conseguirá atuar eficientemente e eficazmente em crianças maltratadas e famílias maltratantes.

 

Referências Bibliográficas

Costa, M., & Duarte, C. (2000). Violência Familiar. Porto: Coleção Flor de Lotus.

Sani, I. (2006). Análise Social. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Pessoa, 180, 849 – 864.